Passados alguns anos desde a primeira entrevista realizada a
Marco Chagas [vídeo], no ano de 2013, voltámos a entrevistar o campeão
de quatro Voltas a Portugal na recente apresentação das equipas de formação do Clube de Ciclismo José Maria Nicolau. No evento celebrado sábado no Centro
Cultural do Cartaxo, Marco Chagas falou ao Cycling & Thoughts sobre o
significado da sua constante presença na apresentação das equipas do Clube; a
homenagem recebida; o actual panorama das equipas de formação e o seu futuro; a
não adesão à euforia generalizada pela forma como os clubes de futebol regressaram
ao ciclismo; a importância dos ciclistas gregários do pelotão nacional; a representação
portuguesa no pelotão internacional.
Marco Chagas é
presença assídua na apresentação oficial das equipas de formação do Clube de
Ciclismo José Maria Nicolau, no Cartaxo, concelho de onde é natural. Uma
presença que significa bastante para o Clube e para os jovens ciclistas, que vêem
em si uma referência ímpar no ciclismo.
“Ao longo destas 14
temporadas que o Zé [José Nicolau] leva
na estrada, eu não terei perdido mais do que duas ou três e por razões profissionais.
Faço muita questão de estar presente, a mim diz-me muito. Conheço o Zé desde
miúdo, tive o privilégio de conhecer bem o pai e a mãe, mas já não o avô
[ciclista vencedor de duas Voltas a Portugal na década de 30]. Sempre tive uma belíssima relação com ele e
merece que as pessoas reconheçam o trabalho que tem feito ao longo deste tempo.
Mesmo que, às vezes, as pessoas no concelho do Cartaxo não o reconheçam,
algumas até critiquem e achem que ele tem o aproveitamento desta situação.”
“Da minha parte, porque
vejo o seu trabalho e o gosto que tem naquilo que faz, terá sempre o meu apoio.
É sempre um motivo de satisfação estar presente e há também que não esquecer
isto: num concelho arredado de tanta coisa por dificuldades financeiras e que
são públicas, o Zé continua a manter esta chama do ciclismo. Não fora isso, não
havia aqui nada que tivesse a ver com ciclismo. As pessoas falam do Cartaxo, é
verdade, teve os grandes vencedores da Volta a Portugal, teve os pioneiros do
ciclismo em Portugal. Mas o tempo apaga a maioria das coisas e não fosse esta
teimosia do Zé em manter a equipa na estrada, já ninguém mais se lembraria do Cartaxo
e daquela estátua que existe numa rotunda. Enfim, tudo isso passa à história se
não houver no dia-a-dia algo que nos lembre e é graças ao Zé que isso se vai
mantendo.”
Este ano, Marco Chagas
foi homenageado na cerimónia de apresentação das equipas e agraciado com o
Diploma de Mérito, pelo apoio inestimável e fundamental dado ao Clube de
Ciclismo José Maria Nicolau.
“Não me posso queixar,
nesse aspecto o meu concelho tem-me feito diversas homenagens. Há pouco tempo,
fui novamente homenageado aqui no concelho, uma homenagem nacional. Acho que
este é um reconhecimento da parte do Zé, da Mariana e do Paulo pelo meu apoio,
pelo facto de estar presente e de sempre dizer às pessoas que o ciclismo no
Cartaxo é o Clube José Maria Nicolau. Não há mais. Infelizmente, vemos até no
número de corredores… ouvi apenas um na equipa que era do concelho do Cartaxo.
Quando o Zé me está a homenagear a mim, eu retribuo a homenagem. Ele e a
família são quem merecem a homenagem.”
Marco Chagas recebe pelas mãos de José Nicolau o Diploma de Mérito do Clube de Ciclismo José Maria Nicolau (© Helena Dias) |
Ao longo do ano, Marco
Chagas é um seguidor atento do ciclismo português. Por essa razão, e por ser um
conhecedor do estado real do ciclismo e das equipas nacionais, quisemos saber a
sua opinião sobre as equipas de formação e o seu futuro.
“Elas têm futuro,
porque há teimosos como o José Nicolau. Ultimamente, a Federação já vai dando um
maior apoio. A Federação percebe que, para lhe chegar matéria humana para
depois termos nas Selecções as excelentes representações que vamos tendo, é
preciso que haja esta gente nas diversas localidades a manter este trabalho, que
é enorme e pouco reconhecido. A maioria do público nem sequer sabe que existe. Nesse
aspecto vai-se trabalhando, actualmente com o apoio da Federação, mas não
aquele que seria desejável. Felizmente, em cada uma das muitas localidades que continuamos
a ter no país a gostar de ciclismo, continua-se a trazer miúdos para a estrada,
a dar-lhes equipamentos, nalguns casos a ajudá-los nas bicicletas para eles
poderem fazer ciclismo. Creio que a Federação tem de apostar cada vez mais
nestas pessoas e apoiar os clubes.”
Relativamente às
equipas continentais portuguesas, sobre o regresso do Porto e do Sporting ao
ciclismo, denotámos em algumas declarações de Marco Chagas a não adesão à
euforia geral que se propagou na modalidade, por não serem projectos de raiz
mas sim ligados a estruturas já existentes. Falámos com Marco Chagas sobre esta
nossa leitura.
“Leu bem a minha ideia
em relação a isso. Por vezes, as pessoas interpretam mal essa minha leitura, acham
até que eu tenho algum ressabiamento em relação a alguma coisa. Eu fico muito
contente que o Porto e o Sporting estejam e tenho pena que o Benfica não o
faça. Pode ser que um dia aconteça. Mas mantenho aquilo que disse desde o
início. Gostaria muito mais que fossem projectos novos, ligados a cada um dos
clubes e não irem buscar os existentes. Se em relação ao Futebol Clube do Porto
até tolero mais, no sentido de compreender que há ali uma junção de interesses,
com a empresa a ter sede no Sobrado e o clube naturalmente aproveita por estar
sediado no norte, identificam-se.”
“Já em relação à
junção Sporting e Tavira, eu lamento mais pelo Tavira, ou seja, não é que não
fique contente por ver as camisolas do Sporting, naturalmente que fico, pois é
o meu clube. Não é isso que está em causa. O que está em causa é anular um
clube histórico, o mais antigo do ciclismo português. Não digo que tenha
desaparecido, mas é engolido pelo peso do Sporting. As próprias pessoas de
Tavira claro que apoiam e continua a ser um projecto deles… os dirigentes são
de lá, os directores da equipa e o staff é o mesmo, mas para o público em geral
o que interessa é o Sporting. O Tavira e o Eng. Brito da Mana, que está algures
aí a acompanhar deve dizer: ‘o meu projecto de alguma forma desapareceu’. É
apenas isso que tenho pena.”
“O facto de eles
estarem no ciclismo deixa-me muito contente, sempre é mais alguém que vem, mais
alguém para além de nós que estamos sempre no ciclismo, que até olham para o
ciclismo, coisa que não fazem se não estiverem lá os clubes deles. Nesse aspecto,
muito bem. Pessoalmente, gostaria muito mais de ver coisas feitas de raiz nos
clubes, como aconteceu noutros tempos, com gente da casa e que se identificasse
com aquele clube para depois criar uma estrutura à volta. Não foi o caso. Volto
a dizer, foi um aproveitar daquilo que existia e no caso do Sporting com o
Tavira é o anular de um clube, que tenho muita pena.”
Olhando ao pelotão
profissional nacional, Marco Chagas destacou a importância dos ciclistas
gregários pela elevada qualidade do seu trabalho, por vezes encoberto nas
vitórias dos seus líderes.
“A nível nacional temos
um conjunto de corredores, maioritariamente portugueses, que passam ao lado das
vitórias. Aquilo que aconteceu o ano passado na Volta a Portugal acaba por ser
um caso excepcional, que é o caso do Rui Vinhas. Era um corredor de equipa e que
ganhou a Volta. Esse conjunto de corredores anda muito bem, trabalha muito ao
longo de uma temporada, não só na Volta, com o objectivo de apoiar os sprinters
das equipas, os líderes das equipas. Normalmente, esses corredores não são
destacados como merecem. Sei que a Associação dos Ciclistas Profissionais
[APCP] criou um troféu do melhor
equipier. Acho que faz sentido, como faz sentido destacarmos ou darmos
importância àqueles que, na sombra, dão por vezes 70% do trabalho que leva a uma
vitória ou a um bom resultado do colega.”
Na conclusão da
conversa do Cycling & Thoughts com Marco Chagas, quisemos saber a sua
opinião sobre se Portugal está bem representado no pelotão internacional.
“Nesse aspecto, sim. Além-fronteiras
temos corredores de enorme qualidade. Para além do Rui [Costa], claro, que está num patamar muito acima,
temos o Nelson [Oliveira] como um dos
melhores corredores do mundo em termos de contra-relógio e não só. Vai ser um
corredor de clássicas, um corredor de equipa fantástico. O Tiago [Machado] continua o seu percurso, se calhar um pouco
aquém do que nós esperávamos, eu pessoalmente esperava. Mas compreendo, porque
o Tiago é daqueles corredores que desde muito jovem se entregou a fundo, ou
seja, não tem meio-termo. Normalmente, isso paga-se caro em termos da longevidade
e do rendimento do atleta. Quando comecei a ver o Tiago correr, logo desde os
sub-23, vi o potencial dele, achei que tinha condições para ganhar muito mais
do que aquilo que acaba por ganhar. Os resultados individuais dificilmente os
terá, porque está transformado num bom corredor de equipa.”
Marco Chagas na cerimónia de apresentação das equipas do Clube de Ciclismo José Maria Nicolau (© Helena Dias) |
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