“Decidi que esta seria a minha última Volta a Portugal. São 20
anos de carreira, chegou o momento de dizer adeus ao profissionalismo, mas não
ao ciclismo.” Estas foram algumas das palavras de Rui Sousa (RP-Boavista) na
conferência de imprensa marcada para o dia de descanso da 79ª Volta a Portugal
Santander Totta. Depois de alcançar aos 41 anos uma das mais belas vitórias da sua carreira, em Fafe, o coração vianense confirmou esta sexta-feira o adeus ao
ciclismo profissional.
Rui Sousa despede-se do ciclismo profissional em conferência de imprensa (© João Fonseca / Volta a Portugal) |
Numa carreira profissional iniciada em 1998, inúmeros são os resultados
de destaque e as competições nacionais e internacionais pelas quais passou o carinhosamente
chamado ‘ciclista do povo’. Através das equipas por onde passou, Rui Sousa
acumulou um vastíssimo palmarés, no qual se conta o título nacional de fundo em
2010, o 16º lugar na Vuelta a España de 2002, 5 pódios na geral e 13 vezes no
Top 10 da Volta a Portugal, a sua prova do coração, onde conquistou o mesmo
número 5 em vitórias de etapas.
Muito se escreveu ao longo deste dia sobre Rui Sousa e a sua
extensa carreira de duas décadas entregues ao desporto mais belo e simultaneamente
mais exigente que é o ciclismo. Aqui, no Cycling
& Thoughts, quem vos escreve não quer dissertar sobre o seu percurso, os
resultados ou as vitórias alcançadas, mas sim partilhar a significativa marca
que Rui Sousa deixa no ciclismo português e, para tal, conto dois episódios
vividos em distintas corridas.
Após a Volta a Portugal, o pelotão sempre ruma aos tradicionais
circuitos de fim de temporada. Integrados nas festas das localidades, estas
provas vão resistindo no calendário nacional, levando às gentes da terra a
proximidade com os heróis das bicicletas. Precisamente num desses circuitos, pude
perceber a ligação do público com Rui Sousa, sempre incansável no trato com as
pessoas.
Recuando ao ano de 2015, terminado o circuito de estrada, os
ciclistas dirigiram-se para a pista da Malveira para mais uma série de provas. Assim
que se vislumbrou a presença do Rui na pista, ressoou o seu nome aclamado pelo
público presente por entre os aplausos dirigidos ao herói de tantas batalhas na
estrada. O sentimento de reconhecimento ao ciclista, que dedicou metade da sua
vida à modalidade que os apaixona, fez-me ficar com pele de galinha ao perceber
que a entrega de tantos anos do Rui não foi em vão, é e será sempre lembrado pelo
público, que constantemente o acarinha.
Também nas corridas mais emblemáticas do nosso país, a presença
é notada e admirada à sua passagem. Este ano de 2017, pude comprová-lo em pleno
Troféu Joaquim Agostinho. Na Vila do Turcifal, onde habitualmente se celebra o
prólogo, no meio do público a assistir à passagem um a um dos ciclistas no
contra-relógio individual, os comentários fluíam em meu redor sobre este ou
aquele corredor, esta ou aquela equipa.
Por algumas ocasiões, perguntaram-me quem era um outro
ciclista, principalmente por não estarem familiarizados com um ou outro rosto
do nosso pelotão. Mas no meio daquele burburinho, algo chamou a minha atenção. À
passagem do Rui, prontamente soltaram “Olha,
ali vai o Rui Sousa”, seguido de “Este
ano vai tentar ganhar a Volta. Ainda não ganhou, mas esteve lá perto”,
concluindo com “É um grande ciclista, sem
dúvida”.
Não sei qual o segredo de Rui Sousa para tamanha estima do
público, mas há detalhes que podem explicar essa forte ligação: a longevidade
num desporto tão duro e exigente como é o ciclismo; a atenção dirigida a cada
pessoa que o aborda na estrada e nas redes sociais; a simpatia e humanismo na
interacção com os companheiros de pelotão e com a comunicação social; a
persistência no sonho de vencer a Volta a Portugal, que para si é muito mais do
que uma corrida, é a sua paixão.
As pessoas identificam-se com os seus heróis e o Rui é como o
símbolo de quem nunca desiste, por mais que o sonho, com o passar dos anos, pareça
cada vez mais distante de se tornar realidade. Quem de nós nunca passou por isto
na vida?
O epílogo da história de amor de Rui Sousa com a Volta a
Portugal pode não ter o desfecho mais desejado, a tão almejada vitória da
camisola amarela, mas a emoção e o turbilhão de sentimentos que nos fez viver
ao longo de tantas edições jamais serão apagados da nossa memória.
Por tudo isto e muito mais, o meu enorme agradecimento Rui
por todos estes anos de sorrisos e lágrimas, de expectativas e alegrias, de
lutas e conquistas, de palavras e entrevistas.
Como me disseste na última entrevista, “O público tem sido a minha força anímica”. Para nós, tens
sido a personalidade marcante do ciclismo lusitano.
Rui Sousa com Joaquim Gomes, director da Volta a Portugal (© João Fonseca / Volta a Portugal) |
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