O mote foi dado num comentário a uma publicação na minha página
de facebook por João Carlos Bernardino: “Não
deixem morrer os Circuitos”. Esta frase ficou na minha cabeça ao longo
destas duas semanas em que estive presente em seis Circuitos, corridas
tradicionais que marcam as últimas pedaladas da temporada lusa.
Este é o quarto ano consecutivo que assisto aos circuitos
portugueses. Ali, o ciclismo é saboreado na sua verdadeira essência, longe do glamour da Volta a Portugal e de outras
corridas de maior imponência, que o calendário oferece. Ali, o contacto com os
ciclistas prolonga-se pelas diversas voltas aos curtos percursos que serpenteiam
as localidades, que fecham as suas estradas para receber o colorido do pelotão.
Ali, no antes e no depois da competição, os ciclistas abrem
os braços para receber o carinho de quem os recebe com admiração pelo seu suado
trabalho e entrega à modalidade durante o ano. Não é que os ciclistas não o
façam nas demais competições, mas ali há mais tempo, mais vagar, porque os
Circuitos são acima de tudo o descomprimir de uma época inteira de tensão,
preocupação, pressão, alegria, angústia, objectivos alcançados, metas inalcançadas.
Os Circuitos são uma festa de ciclismo para as gentes das terras, que vibram e se
emocionam com os seus heróis.
Ao longo da história do ciclismo português, contam-se perto
de uma centena de Circuitos pedalados [podem ser consultados na página da FPC]. Poucos perduraram no tempo, disputando-se actualmente seis destinados
a Elites/Sub-23: Bombarral, S. Bernardo (Alcobaça), Nafarros (Sintra), o
estreante Póvoa da Galega (Mafra), Malveira (Mafra) e Moita (Marinha Grande). Há
ainda o Circuito da Curia (Anadia) para os jovens Sub-23.
São poucos? De maneira alguma. Parecem-me razoáveis seis
Circuitos no final de uma temporada. Então o porquê da frase “Não deixem morrer os Circuitos” ter
perdurado no meu pensamento ao longo destes dias? A razão prende-se com a menor
adesão de público a estas provas. Nos recentes anos, deparo-me com uma grande
oscilação no número de pessoas, que acorre aos quilómetros que concernem cada
Circuito. A maioria perde espectadores, enquanto outros ganham mas de forma
muito tímida. Ver as ruas despidas das gentes que inundavam cada recanto deixa
uma certa tristeza, que não é mais do que a sentida ao longo do ano, porque
este não é um sintoma exclusivo destas específicas provas.
O ciclismo tem perdido público nas estradas e muitas podem
ser as razões que explicam este facto. O país está diferente, as pessoas são
diferentes, o corrupio da vida não deixa espaço ao vagar de antigamente, porque
as pessoas têm simplesmente as suas vidas assoberbadas por uma realidade, que
não existia no passado em que o ciclismo teve o seu apogeu em Portugal: programas
culturais diversos, multi-canais de televisão, internet, redes sociais, espaços
comerciais, etc.
Mas também é um facto que o ciclismo não consegue manter uma
ligação forte com o público ao longo do ano e isso vem-se reflectindo ano após
ano com a perda de pessoas na estrada, já que não são criados laços fortes
entre o público e os heróis das duas rodas. No que se refere ao caso específico
dos Circuitos, estes são uma extensão dessa realidade, aos quais acresce o
facto de terem de ser alvo de um maior cuidado por parte das organizações e das
entidades responsáveis. O horário do começo tem de ser sempre respeitado, as
classificações exactas e na hora, as cerimónias de pódio mais céleres por
respeito a quem assiste e aos ciclistas, que necessitam retirar-se para algum
convívio, o merecido descanso e preparação para novo dia de corrida.
A ligação entre as gentes e o ciclismo não é a mesma de outrora.
Esta é uma premissa à qual ninguém pode fugir, pois está diante de todos. A
partir daqui, há que olhar o presente e encontrar um caminho que no futuro cative
o público, não apenas o que se perdeu, mas o que pode surgir de novo.
O ciclismo atrai multidões em alguns países europeus, tal
como já atraiu em Portugal. Existe um sem número de razões pelas quais uma
pessoa pode apaixonar-se por este desporto e não conseguir resistir a ir ver in loco os seus heróis das bicicletas.
Não tenho soluções nem pretensão em apresentar a luz ao fundo do túnel. Apenas
deixo uma questão: procurem dentro de cada um de vós o que vos fez apaixonar
por este desporto e trazer-vos inúmeras vezes para a estrada para ver tão-somente
os vossos ciclistas heróis passar. Talvez aí possamos começar a cativar
novamente as pessoas para esta exigente, bela e inspiradora modalidade.
Nos Circuitos vivemos o ciclismo na sua essência e sentimo-nos
abraçados pelo pelotão, que nos oferece corridas emocionantes. Não deixem perder-se este abraço, “Não deixem morrer os Circuitos”.
Pelotão no último Circuito da temporada, na Moita, Marinha Grande (© Helena Dias) |
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Crónicas Circuitos:
* João Matias triunfa ao sprint no Bombarral: “Faltava-me uma vitória como esta a nível profissional”
Álbuns Fotografias:
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