Não é todos os dias que podemos assistir a uma corrida de
ciclismo como a que nos proporcionou hoje o pelotão da 79ª Volta a Portugal
Santander Totta. Rui Sousa, o ciclista veterano de 41 anos que vem apaixonando
o público lusitano ao longo de duas décadas entregues ao ciclismo profissional,
escreveu poesia durante 182,7 km, rematando o seu belo poema com uma vitória
emocionada assinada em Fafe. No decorrer da sua escrita, combateu contra a
força demolidora da W52-FC Porto, não deixando a armada do camisola amarela
Raúl Alarcón apagar o epílogo vitorioso da sua história de amor com a prova
rainha do calendário luso.
As palavras emocionadas de Rui Sousa à RTP demonstram a
importância deste triunfo, a quinta vitória em etapas da Volta na sua longa
carreira: “Nem tenho palavras para descrever aquilo que sinto. Desde o início
desta Volta comecei com o objectivo de tentar discutir a geral. A partir da
Sra. da Graça percebi que não tinha capacidade para discutir a Volta a
Portugal. Comecei a pensar que o lugar na classificação geral não era
importante, o importante era tentar vencer uma etapa.”
“Ontem, depois de todo aquele calor humano a passar na minha terra Viana
do Castelo, mais senti que teria de dar uma vitória não só ao meu povo, mas a
todos os portugueses, que na verdade são tantos e eu não mereço tamanha
gratidão do povo. Acho que tem a ver com esta longevidade de carreira, são 20
anos de profissionalismo, dedicação, muito sacrifício, muitas alegrias e também
outras tristezas. Acreditei hoje que, com um bocadinho de sorte, poderia vencer
na etapa mais difícil até ao dia de hoje. No alto do Viso, depois do grupo do
camisola amarela me ter apanhado, fui ao carro e disse ao Professor
[José Santos] ‘hoje vou ganhar’”, concluiu Rui Sousa.
Quanto a Raúl Alarcón, deixou à RTP a antevisão que tudo
pode mudar nos próximos dias: “Continuamos na luta pela vitória com três
corredores, o Amaro, o Gustavo e eu. Hoje tentámos aumentar o tempo para os
rivais e com o Marque conseguimos, com os outros chegámos com o mesmo tempo. Faltam
quatro etapas, tudo pode acontecer. Hoje estou eu com a camisola, mas um dia
podemos fazer uma táctica para que ele [Gustavo Veloso] a
possa conseguir e é assim, já o fizemos noutras provas.”
A sexta etapa disputou-se entre Braga e Fafe, num total de
182,7 km. No menu montanhoso apresentou-se a subida a Bom Jesus em Braga (3ª
cat. km 40,2), Viso (1ª cat. km 130,6), Salto da Pedra Sentada (2ª cat. km
163,8) e Golães (4ª cat. km 177,9). Pelo segundo ano consecutivo, a Volta levou
o pelotão a enfrentar a terra batida no mítico troço do Rali de Portugal, tendo
antes uma primeira passagem pela meta a 31 km para o final.
Numa das etapas mais desgastantes desta 79ª edição, uma
numerosa fuga fugiu ao pelotão logo aos primeiros quilómetros, ficando 7 na
frente na subida de 3,9 km do Bom Jesus em Braga, mas unindo-se 20 km à frente.
Na fuga, Sebastian Baldauf (Team Vorarlberg) coroou o alto,
acompanhado pelo vencedor da Volta de 2011 Ricardo Mestre e o companheiro de
equipa vencedor da montanha de 2014 e 9º na geral António Carvalho (W52-FC
Porto), o rei da montanha de 2015 Bruno Silva (Efapel), Jesús Ezquerra
(Sporting-Tavira), Rui Sousa e Filipe Cardoso (RP-Boavista), Nuno Almeida (Louletano-Hospital
de Loulé), Hamish Schreurs (Israel Cycling Academy), Simone Ravanelli (Unieuro
Trevigiani-Hemus1896), Christopher Prendergast (H&R Block), Jasper De Laat
(Metec-TKH Continental Cyclingteam p/b Mantel), Mikel Bizkarra e Txomin
Juaristi (Euskadi-Murias), Guillaume de Almeida (LA
Alumínios-Metalusa-BlackJack) e Bjorn Thurau (Kuwait-Cartucho.es).
Com os dois companheiros na frente, a W52-FC Porto não
assumiu o comando do pelotão, ficando a esquadra Sporting-Tavira a impor o
ritmo juntamente com Louletano-Hospital de Loulé e Efapel. A vantagem da fuga de
cerca de 5 minutos desceu rapidamente na aproximação à subida de Viso.
Contudo, ao longo da subida de 8,2 km de Viso, o cenário da
corrida mudou por força da W52-FC Porto, que tomou conta da corrida quer na
frente quer no pelotão, onde Rui Vinhas e Amaro Antunes reduziram o grupo a
poucos elementos e deixaram em dificuldade o mais perigoso rival e até então 4º
na geral Alejandro Marque (Sporting-Tavira) e os homens da Efapel.
A estratégia pareceu bem delineada pela poderosa armada azul
e branca, que à distância de 55 km para a meta lançou o ataque do próprio camisola
amarela Alarcón, precisamente quando Marque estava prestes a reentrar no
reduzido grupo de favoritos.
O que se seguiu foi uma luta incessante de Marque a tentar
apagar a distância que Alarcón conseguiu abrir na estrada, levando consigo o
companheiro Amaro Antunes, Vicente de Mateos (Louletano-Hospital de Loulé),
João Benta (RP-Boavista) e Rinaldo Nocentini (Sporting-Tavira). Gustavo Veloso
também perdeu momentaneamente o contacto na passagem pelo alto do Viso,
conseguido posteriormente regressar ao grupo.
Enquanto isso, na fuga preparava-se mais uma acção
importante para o bloco da W52-FC Porto, fazendo descair Ricardo Mestre e
António Carvalho até ao grupo de Alarcón, ficando na frente apenas Rui Sousa e
Mikel Bizkarra.
Na descida da montanha de 1ª categoria houve ainda tempo
para um susto quando Ricardo Mestre sentiu o asfalto, sem consequências
de maior.
O duo não conseguiu continuar na frente por muito tempo,
sendo alcançados antes da primeira passagem pela meta em Fafe. Nesse momento,
seguiam na frente no grupo de Alarcón mais três companheiros Amaro Antunes,
António Carvalho e Gustavo Veloso, juntamente com De Mateos, Nocentini e João Benta,
mais os homens da fuga do dia Bizkarra, Thurau e Rui Sousa.
Atrás debatia-se o trio da Efapel com Henrique Casimiro,
Sérgio Paulinho e Bruno Silva, que tudo fizeram para chegar ao grupo do
camisola amarela, sendo o enorme esforço recompensado à falta de 30 km para o
final, mas apenas para os dois primeiros que lutam pela geral. O mesmo não
aconteceu ao grupo de Alejandro Marque, que na companhia de Hugo Sancho (LA
Alumínios-Metalusa-BlackJack), Daniel Mestre (Efapel) e os homens da fuga
inicial Simone Ravanelli e Sebastian Baldauf não conseguiram apagar a distância
para a frente de corrida, apesar do esforço incessante de Marque com a ajuda de
Sancho.
Restava a dureza da terra batida, o famoso sterrato que podemos vislumbrar nas
terras italianas de Strade Bianche, numa extensão de 1,6 km a coincidir com a
subida do Salto da Pedra Sentada. Aqui começou a ser escrita a principal
estrofe da poesia de Rui Sousa, quando o conhecido como ‘ciclista do povo’
tomou as rédeas da corrida e iniciou a pedalada para a conquista da etapa.
Quilómetro após quilómetro, o mais combativo do dia Rui Sousa foi abrindo um curto
espaço de cerca de 20 segundos, mas decisivo para persistir no sonho de chegar
à vitória. A perseguição lá atrás seguia ao ritmo da vontade de Rui Sousa de
vencer e a força despendida nos seus golpes nos pedais reflectiam a sua
determinação.
Depois do movimento atacante por entre a terra branca, Rui
Sousa continuou rumo à derradeira subida de Golães, onde por instantes viu
encurtar a distância para os perseguidores. Os quilómetros finais foram vividos
sobre a tensão de sentir cada vez mais perto o grupo do camisola amarela, onde
Bizkarra tinha atacado.
A faixa dos 3 km passou e a dos 2 km também. Os últimos 1000m
foram pedalados com o olhar de quando em vez a ser focado no que se passava
atrás, mas a vitória já não iria fugir. Emocionado, Rui Sousa ergueu os braços
e entregou o coração vianense a uma das mais belas vitórias da sua carreira.
A 4 segundos chegou o grupo encabeçado por Vicente de
Mateos, seguido de Nocentini, Veloso e Alarcón. Alejandro Marque cruzou a meta
em 16º, a 1 minuto e 22 segundos, descendo para 10º na geral.
Raúl Alarcón cruzou a meta em 5º, mantendo a liderança da
camisola amarela e do combinado. Vicente de Mateos (Louletano-Hospital de
Loulé) subiu à liderança da classificação por pontos, Krists Neilands (Israel
Cycling Academy) permaneceu no comando da juventude, João Matias (LA
Alumínios-Metalusa-BlackJack) da montanha e a W52-FC Porto a liderança por
equipas.
Amanhã, o pelotão descansa para depois afrontar as decisivas
etapas da Volta a Portugal Santander Totta.
Resultados Et6 [resultados completos]
1º Rui Sousa (Por) RP-Boavista 4:41:50
2º Vicente de Mateos (Esp) Louletano-Hospital de Loulé +4s
3º Rinaldo Nocentini (Ita) Sporting-Tavira +4s
4º Gustavo Veloso (Esp) W52-FC Porto +4s
5º Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto +4s
6º João Benta (Por) RP-Boavista +4s
7º Henrique Casimiro (Por) Efapel +4s
8º Amaro Antunes (Por) W52-FC Porto +4s
9º Sérgio Paulinho (Por) Efapel +4s
10º António Carvalho (Por) W52-FC Porto +4s
Classificação Geral
1º Raúl Alarcón (Esp) W52-FC Porto 28:09:22
2º Rinaldo Nocentini (Ita) Sporting-Tavira +24s
3º Amaro Antunes (Por) W52-FC Porto +30s
4º Vicente de Mateos (Esp) Louletano-Hospital de Loulé +34s
5º Gustavo Veloso (Esp) W52-FC Porto +39s
6º João Benta (Por) RP-Boavista +1:28s
7º António Carvalho (Por) W52-FC Porto +1:35s
8º Henrique Casimiro (Por) Efapel +1:40s
9º Sérgio Paulinho (Por) Efapel +1:48s
10º Alejandro Marque (Esp) Sporting-Tavira +1:56s
11º Daniel Mestre (Por) Efapel +2:48s
12º Rui Sousa (Por) RP-Boavista +2:50s
13º Mikel Bizkarra (Esp) Euskadi-Murias +3:37s
14º Hugo Sancho (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack +3:44s
15º Ricardo Mestre (Por) W52-FC Porto +5:23s
16º Krists
Neilands (Lat) Israel Cycling Academy +6:54s
17º Patrick
Schelling (Sui) Team Vorarlberg +7:14s
18º César Fonte (Por) LA Alumínios-Metalusa-BlackJack +7:16s
19º Egor Silin (Rus) RP-Boavista +7:26s
20º Bruno Silva (Por) Efapel +7:43s
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