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O papel dos media no ciclismo português

Abordar o papel dos meios de comunicação social no ciclismo português é uma tarefa complicada, já que é praticamente inexistente ao longo do ano, surgindo apenas no grande momento da temporada com a Volta a Portugal. Este ano, nem na Volta os media deram o merecido relevo ao ciclismo.

Volta a Portugal 2015 (foto Helena Dias)

Diariamente surgem críticas à forma como o ciclismo é gerido em Portugal, de como o número de corridas tem vindo a diminuir nos últimos anos, os patrocinadores a desaparecer, as marcas a partir para outras paragens, as equipas a oferecer menores condições aos corredores. É verdade, não ignoramos a realidade e em alguns aspectos reconhecemos os problemas existentes. Há menos patrocínios, o calendário de provas reduziu em comparação com a época áurea, as equipas esforçam-se por se manter na estrada, alguns ciclistas vêem o salário atrasar de forma constante.

Contudo, da mesma forma que não ignoramos esta realidade, também não ignoramos a outra parte da realidade. Aquela que poucos ou nenhuns mostram, porque... nem sabemos bem o porquê. Nos recentes anos, as equipas têm tentado sobreviver lutando contra a crise instalada no país, mantendo-se na estrada encontrando curtos mas viáveis patrocínios e, principalmente, fruto da dedicação infinita dos ciclistas do pelotão nacional, que não desistem deste desporto. A formação sub-23 aumentou, em resultado de uma inestimável entrega dos directores desportivos deste escalão, que reviram o mundo e as suas próprias vidas para manterem vivo este sonho dos mais novos serem um dia ciclistas profissionais. A Federação Portuguesa de Ciclismo, com visíveis dificuldades, conseguiu manter algumas provas na estrada, tantas vezes com o fim à vista, e trazer algumas estreias para o calendário nacional, criando também o programa Cyclin’ Portugal, que foi um sucesso na vinda de equipas estrangeiras para Portugal nesses dias de prova, preenchendo hotéis e dando trabalho a profissionais lusos. Joaquim Gomes tem travado um combate incessante com a UCI para não deixar esmorecer a importância da Volta a Portugal no calendário europeu.

Entre as conhecidas dificuldades e os notórios aspectos positivos, há uma lacuna que continua a dificultar o progresso e o reavivar deste desporto no país. Os media não acompanham a vida do ciclismo. Não levam até ao público o trabalho desenvolvido ao longo do ano nem as provas disputadas mês após mês. Tudo o que decorre ao longo da temporada velocipédica torna-se invisível aos olhos da maioria do público, simplesmente porque a comunicação social não divulga este desporto. Os jornais desportivos são, na realidade, jornais futebolísticos. As estações de televisão, apesar de recomeçarem a olhar para o ciclismo, focam-se essencialmente nas provas internacionais e não dentro de portas. Ainda assim, realçamos o trabalho da estação pública RTP nos directos da Volta e nos resumos de outras provas do calendário na RTP2, embora tenhamos de assinalar o momento menos bom durante esta Volta ao cortar o directo antes da cerimónia de pódio da importante etapa da Sra. da Graça. O argumento utilizado pela estação, de que o atraso no início da jornada levou ao atraso do seu final e a programação subsequente à Volta não pode ser modificada, é um pouco subjectivo já que tantas vezes essa mesma programação é alterada em cima da hora por razões menos relevantes do que o pódio de uma das jornadas míticas da prova rainha do calendário de ciclismo.

Chegamos à Volta a Portugal e o mediatismo desta prova também já não é o que era. Os três jornais desportivos preferem chamar para primeira página as inúmeras transferências de jogadores de futebol e comentários de treinadores de clubes de futebol, sem qualquer relevância jornalística senão a procura pelo jornalismo sensacionalista. Pior os casos em que chamam a Volta para a primeira página com títulos completamente depreciativos [como O Jogo de 10-08-2015]. Numa clara observação da realidade, vivemos numa era de intoxicação do futebol como desporto único merecedor de divulgação e destaque. Nesta linha, também as estações de televisão inundam horas a fio as transmissões com programas repetitivos de comentário aos jogos, transferências e declarações de treinadores, sem acrescentar nada de novo e culminar tudo numa redundância de insistência dos mesmos acontecimentos dias sem fim.

É fácil, demasiado fácil, criticar o lado menos bom do ciclismo e os seus inerentes problemas. Difícil é trabalhar para fazer crescer este desporto, dar visibilidade ao que de bom se tem feito e dar retorno aos patrocinadores da aposta que fazem no ciclismo. Esta visibilidade, se maior por parte dos media, ajudaria a cativar mais marcas e empresas e, consequentemente, fazer crescer o ciclismo em Portugal. Restam-nos os meios locais, os que ainda não desistiram da presença assídua até nas provas de menor relevo que a Volta.

No decorrer da Volta a Portugal, numa entrevista à rádio Antena1, o director da prova Joaquim Gomes realçou que as equipas portuguesas precisam da Volta como de pão para a boca para sobreviver ao longo do ano e dar o devido retorno aos seus patrocinadores. Nós afirmamos que o ciclismo precisa dos media como de pão para a boca para cativar novos patrocínios e manter os que possui actualmente. Mais, só através da constante comunicação de provas e resultados do pelotão nacional se consegue criar novamente aquele enorme laço entre o público e os seus heróis das bicicletas, algo que tem de ser alimentado durante todo o ano e não somente nos onze dias de competição da Volta a Portugal.
O Jogo intitula "Uma Volta em
depressão profunda"
Imprensa local Jornal de Barcelos com
Volta a Portugal em grande destaque na 1ª página
______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

Comentários

  1. Apesar de tudo, apreciei a cobertura da aBOLATV ao fim do dia. E alguma comunicação em inglês talvez fosse benéfica, já que há quem assista lá fora ao stream da RTP (apenas fornecida pelo Cycling Quotes). Já a ausência de qualquer menção à Volta na capa de hoje do Record, é uma desgraça...

    Ainda assim, até que ponto é que é impossível trazer melhores equipas estrangeiras em futuras edições? Tirando 3 ou 4, as restantes foram invisíveis...

    E um muito obrigado pelos artigos e pela cobertura durante a volta tanto aqui como no twitter!

    - u/edlll91

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  2. Acompanho as notícias sobre ciclismo e mais uma vez lhe dou os meus parabéns pela forma como acompanhou a volta a Portugal mas sobretudo como acompanha o ciclismo durante o ano inteiro.Quanto a este artigo mais uma vez parabéns pela visão muito correta do assunto.

    ResponderEliminar

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