Uma grande
volta tem sempre um momento polémico. Apimenta a corrida, exalta os ânimos entre
os adeptos, aumenta a tensão no campo de batalha. A Volta a Portugal, “Grandíssima” como é conhecida
internacionalmente, não foge à regra das grandes voltas e hoje brindou-nos com um
final a toda a velocidade envolto numa discussão sobre a justeza do sprint de
José Gonçalves (Caja Rural-Seguros RGA) sobre o camisola amarela Gustavo Veloso
(W52-Quinta da Lixa). Regular ou irregular, eis a questão.
Um dia antes
do merecido descanso, o pelotão percorreu 155,3 km entre Ovar, mais
precisamente Furadouro, e a polémica chegada a Oliveira de Azeméis. Uma recta
da meta a parecer infindável para os corredores, que no seu final conta com 400m
a 7% de inclinação. É nessa pendente que se desenrolou a controvérsia. José
Gonçalves arrancou cedo para um sprint que lhe deu a vitória, perdida momentos
depois ao ser desclassificado pelo Colégio de Comissários por sprint irregular.
O regulamento existe para ser seguido, a clara mudança de trajectória foi junto
ao risco de meta. Poderiam os comissários ter sido benevolentes e não levar à
risca o regulamento? Podiam, mas se fosse ao contrário iriamos defender essa
benevolência? Analisemos o sprint…
A 350m da linha de meta [minuto 19:00 no vídeo abaixo], José Gonçalves arrancou e ganhou uma curta
distância para o grupo na sua roda. Largou rivais e até os seus óculos para
trás com a força exercida nesse início desse sprint, que foi perdendo velocidade
à medida que os derradeiros metros passavam. Na marca dos 25m, já Gustavo
Veloso estava do seu lado direito, vendo-se nitidamente que depois o líder da Volta
teve de parar de pedalar para não ir contra as barreiras, fruto da mudança de
trajectória de José Gonçalves.
Logo após a
jornada, ainda com a vitória na mão, o ciclista português admitiu aos
microfones da RTP a não intencional mudança de trajectória: “Arranquei muito cedo, podia ter perdido a
etapa. Agora vi as imagens e na parte final fui um bocadinho para a direita. Foi
mais por cansaço e não me apercebi que [o Gustavo] vinha pela direita.”
Gustavo
Veloso afirmou à estação pública de televisão não querer polémicas e aceitar a
vitória de José Gonçalves: “Nessas
alturas, eu também sou ciclista e sei que chegamos no limite. Penso que o José
foi mais uma perda de equilíbrio do que alguma manobra de propósito. Sei que
tive de parar de pedalar um bocado e não sei se tivesse espaço se conseguiria passá-lo
ou não, porque foi mesmo em cima do risco. Não vale a pena fazer polémica. Ele
arrancou, foi valente, mereceu ganhar e a etapa é dele.”
Minutos
depois chegava a notícia da desclassificação do português, sendo a vitória entregue
ao galego líder da Volta, que se mostrou ansioso pelo dia de descanso: “Penso que todos queremos descansar. Preciso
fisicamente, mas sobretudo psicologicamente. A camisola amarela implica stress
e tudo o que envolve… o pódio, as entrevistas, chegar 1h30 mais tarde do que os
colegas ao hotel, 1h30 menos de descanso cada dia. Espero fazer um 'reset' nesse
dia.”
Pelo caminho
desta etapa perdeu-se a aguardada disputa da meta ao sprint entre Manuel
Cardoso (Team Tavira) e Davide Vigano (Team Idea 2010 ASD), italiano que
elogiou à partida a classe do ciclista português. O impecável trabalho da Team
Tavira ao longo da jornada, com ajuda da Team Idea 2010 ASD, culminou num 7º
lugar na meta pelo português e 5º pelo italiano. Também na história desta sexta
jornada fica a fuga de oito aventureiros, entre eles Filipe Cardoso a
destacar-se pela sua combatividade, o desentendimento entre Héctor Sáez (Caja
Rural-Seguros RGA) e Dennis Bakker (Parkhotel Valkenburg) em plena fuga levando
à chamada de atenção pelo comissário da prova e, nos derradeiros momentos da
aventura, a troca de palavras entre Filipe Cardoso e Jordi Simón (Team
Ecuador), recusando o espanhol colaborar após o português ter desferido
anteriormente um ataque.
Com a fuga
alcançada a 12 km da meta, do pelotão ainda tentaram a sorte David de la Fuente
(Efapel), Sandro Pinto (Louletano-Ray Just Energy) e Antonio Molina (Caja
Rural-Seguros RGA). A 6 km estava novamente o pelotão compacto e liderado pela
W52-Quinta da Lixa. Dentro dos 3 km, uma infortunada queda levou Ricardo Vilela
(Caja Rural-Seguros RGA) a sentir o asfalto. No sprint já rectificado, Veloso agarrou a vitória da
jornada, seguido de Vicente de Mateos (Louletano-Ray Just Energy), Delio
Fernández (W52-Quinta da Lixa) e o jovem Rafael Silva (Efapel), melhor
português da jornada.
Toda esta
azáfama culminou na não-vitória de José Gonçalves e na sabedoria de Gustavo Veloso
em lidar com a situação: “O regulamento
está aí. Na verdade, eu não gosto de ganhar assim com esse tipo de polémicas. Se
os comissários decidissem que quem ganhava era o Gonçalves, eu ficava tranquilo
e satisfeito na mesma. [Se a vitória do José é justa] Se é justa ou não, nunca
se vai saber. A verdade é que eu tive de parar de pedalar, só que foi tão em
cima do risco, que eu também tenho dúvidas evidentemente. Ele ia pela esquerda
de tudo, eu ia pela direita e foi ele que veio para cima de mim. Agora, não vou
entrar em polémicas. A minha equipa nem reclamou nada da vitória, foram os comissários
que viram a repetição e tomaram a decisão. As imagens estão aí para quem as
quiser ver.”
Vídeo da etapa, sprint inicia ao minuto 19:00
Resultados Et6
1º Gustavo
Veloso (Esp) W52-Quinta da Lixa 3:44:33
2º Vicente de
Mateos (Esp) Louletano-Ray Just Energy m.t.
3º Delio
Fernández (Esp) W52-Quinta da Lixa m.t.
4º Rafael
Silva (Por) Efapel m.t.
5º Davide
Vigano (Ita) Team Idea 2010 ASD m.t.
6º Jóni
Brandão (Por) Efapel m.t.
7º Manuel
Cardoso (Por) Team Tavita m.t.
8º Jasper Ockeloen (Ned) Parkhotel Valkenburg m.t.
9º César
Fonte (Por) Rádio Popular-Boavista m.t.
10º Gaetan Bille (Bel) Verandas Willems Cycling Team
m.t.
C.Geral
1º Gustavo
Veloso (Esp) W52-Quinta da Lixa 26:54:44
2º Delio
Fernández (Esp) W52-Quinta da Lixa +21”
3º Jóni
Brandão (Por) Efapel +51”
4º Amaro Antunes (Por) LA Alumínios-Antarte +1:02”
5º Alejandro
Marque (Esp) Efapel +1:12”
6º Ricardo
Vilela (Por) Caja Rural-Seguros RGA +1:18”
7º António
Carvalho (Por) W52-Quinta da Lixa +1:26”
8º Hernâni
Brôco (Por) LA Alumínios-Antarte +1:36”
9º João Benta
(Por) Louletano-Ray Just Energy +1:46”
10º Daniel
Silva (Por) Rádio Popular-Boavista +1:47”
11º Rui Sousa
(Por) Rádio Popular-Boavista +1:51”
14º Ricardo
Mestre (Por) Team Tavira +2:07”
36º Hugo Sabido (Por) Louletano-Ray Just Energy +12:39”
Camisolas
Geral:
Gustavo Veloso (Esp) W52-Quinta da Lixa
Juventude: Aleksey
Rybalkin (Rus) Lokosphinx
Montanha:
Bruno Silva (Por) LA Alumínios-Antarte
Pontos: Gustavo
Veloso (Esp) W52-Quinta da Lixa
Combinado:
Gustavo Veloso (Esp) W52-Quinta da Lixa
Equipas:
W52-Quinta da Lixa
Resultados completos aqui
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Et5 Volta a Portugal: É portuguesa, com certeza!
Et4 Volta a Portugal: Graça, não fujas de mim
Et3 Volta a Portugal: tudo menos transição
Et2 Volta a Portugal: Larouco enaltece talento luso-galego
Et1 Volta a Portugal: fuga de impulsos
Volta a Portugal: prólogo de sentimentos mistos
(escrito em português de acordo com a
antiga ortografia)
Numa altura em que um pouco por todos os foruns/blogs de ciclismo se debate a qualidade da nossa volta (percursos, equipas, organização, caravana, etc etc, como se tudo se centrasse nestes 10 dias) fica aqui o meu agradecimento a quem divulga e oferece um contributo positivo ao ciclismo nacional ao longo de todo o ano. Um bem-haja cyclingandthoughts!
ResponderEliminarMuito obrigada, Pedro Antunes. A Volta é a prova rainha do nosso calendário e a sua importância é clara. Mas como diz, o ano não se limita à Volta, temos várias provas ao longo da temporada, que necessitam de igual divulgação a par do trabalho dos nossos ciclistas. Obrigada pelo acompanhamento do blogue.
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