Entrevista Joaquim Andrade: Volta a Portugal, calendário nacional, Portugal e Espanha, formação São João de Ver
A temporada
lusa velocipédica está no seu epílogo. Num ano de muita competição nacional,
calendário renovado, número de equipas consolidado e jovens promessas a acrescentar
valor ao pelotão, é tempo de fazer um pequeno balanço ao ano de 2015. Em plena
fase dos tradicionais circuitos pós Volta a Portugal, o Cycling & Thoughts esteve
à conversa com Joaquim Andrade no Circuito de São Bernardo, em Alcobaça.
O Presidente
da Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais viveu mais uma edição da
Volta a Portugal in loco. Na visão de
Joaquim Andrade, “Foi uma edição bem
disputada, muito bem preparada pela W52-Quinta da Lixa. Os adversários tentaram
fazer-lhes a vida difícil, mas eles estavam bastante bem organizados e o
Gustavo Veloso era o ciclista mais forte. De qualquer maneira, penso que o mais
importante a reter para o ciclismo português é o surgimento e a afirmação de
alguns jovens que futuramente vão ser dos nossos melhores ciclistas. Desde o
José Gonçalves, Jóni Brandão, Frederico Figueiredo, Amaro Antunes, António
Carvalho e Rafael Reis no contra-relógio. É uma geração que está a chegar e se tem
afirmado. Já davam indicações, mas penso que agora foi a confirmação de todos
eles.”
Relativamente
ao percurso e a algumas críticas quanto à falta de dureza das etapas, Joaquim
Andrade é peremptório: “Ao contrário do
que alguns directores afirmaram, o percurso tinha dureza suficiente. Se os
corredores não atacarem, qualquer corrida pode tornar-se mais ou menos fácil,
são eles que fazem com que a corrida seja dura. Quando vejo directores fazer
esse tipo de afirmações e têm uma etapa como a da Sra. da Graça onde praticamente
não atacam e estão à espera dos últimos quilómetros, aí sim é difícil
contrariar os mais fortes. Na altura, a W52-Quinta da Lixa era a mais forte e nesse
dia pôde controlar a etapa calmamente, sem grande esforço, porque houve uma
falta de vontade ou teriam outro tipo de expectativa para a subida final. Penso
que havia dureza suficiente, facto demonstrado pelas poucas vezes que os
sprinters puderam discutir uma chegada.”
No que toca à
organização e segurança da Volta, destaca que “Uma vez mais foi um exemplo a seguir. As equipas estrangeiras e as
pessoas que acompanham a Volta a Portugal sabem bem que é das melhores
organizações do mundo a nível de segurança. Foi impecável e a equipa da Brigada
da GNR fez um trabalho excelente.”
Além da prova
rainha, o pelotão nacional teve este ano um calendário mais recheado de provas,
que culminará com o fecho da temporada no estreante Grande Prémio do Dão, em
Setembro. “Houve um grande acréscimo de
provas, para mais competitivas, e a Federação Portuguesa tentou coordenar o
calendário de forma às equipas portuguesas poderem participar em provas
internacionais, principalmente em Espanha, coordenação que funcionou bem. Faltou
a cobertura pelos meios de comunicação social, que praticamente ignoraram importantes
provas e esse é o ponto negativo. De resto, foi uma evolução positiva e
esperamos no próximo ano manter esse nível de provas, porque é esse o caminho para
o nosso ciclismo: provas competitivas, com participação de equipas de todo o
mundo. Só é preciso o acompanhamento da comunicação social, que não venha fazer
apenas a cobertura da Volta a Portugal, porque durante o resto do ano também há
muito ciclismo.”
Joaquim
Andrade realça a importância da criação do programa de provas englobadas no Cyclin’
Portugal: “Permitiu que as equipas
portuguesas pudessem competir ao mais alto nível, levando a que nos meses seguintes
tivessem participações em Espanha, ombreando com os melhores corredores
espanhóis e com resultados bastante assinaláveis. É bom que se possa manter o
projecto, penso que as coisas estão bem encaminhadas nesse sentido e as provas já
estão previstas no calendário. É primordial para que o ciclismo português possa
avançar.”
Uma das
questões mais abordadas em final de temporada é a continuidade das esquadras do
pelotão nacional. “Penso que todas as
equipas profissionais e sub-23 têm continuidade garantida. Pelo menos, não há
nada que se ouça falar em contrário. Fala-se do surgimento de mais um projecto.
Esperemos que sim, com pernas para andar e bem organizado. Principalmente a
nível de sub-23, é importante que tenha o mínimo de condições e com o número
mínimo de atletas para poder participar nas provas. Não basta dizer que se tem
uma equipa, é preciso que possa funcionar como equipa.”
Em Portugal,
a aposta na formação tem sido evidente ao longo dos últimos anos. O país tem-se
evidenciado pela formação de qualidade, reflectindo-se no número cada vez mais
sólido de jovens valores a progredir e tomar lugar de destaque no pelotão. Na estrada,
os sub-23 pedalam lado a lado com os profissionais, o que para Joaquim Andrade
tem os seus benefícios, mostrando a importância de haver conjuntamente
um número de provas exclusivamente direccionadas a este escalão. “Não sou da opinião de haver um calendário
só para eles. Penso que o melhor é haver um número razoável de provas destinadas
aos sub-23, como tentámos já este ano e correu bem. Nas provas com os profissionais
eles aprendem a colocar-se, a alimentar-se e a saber gerir o esforço, mas não
sabem ter intervenção na corrida. Quando correm sozinhos nota-se essa lacuna,
que todas as equipas têm e para isso fazem falta mais provas só deles. Contudo,
prefiro o nosso formato a ter por exemplo o calendário espanhol, onde as
corridas de amadores são corridas de elites. A grande maioria dos ciclistas que
discutem as provas no calendário espanhol acabam por ser corredores elites e os
corredores mais jovens têm ainda menos destaque do que em Portugal. Nós fazemos
algumas provas em Espanha e é um pouco complicado, porque na maioria são
ciclistas bastante experientes, que poderiam ser profissionais. Em Portugal, quando
um ciclista sub-23 consegue um resultado mais destacado acaba por ter impacto e
por ser falado. Prefiro o nosso formato do que aquele, que penso não estar a
resultar para a formação.”
Pela
proximidade territorial, sempre existiu uma ligação entre os dois países,
chegando-se mesmo a falar sobre a junção dos dois calendários na criação de um único
calendário ibérico. “A Federação
Portuguesa já tentou fazê-lo, só que enquanto nós cumprimos os compromissos, a Federação
Espanhola não cumpriu, pois não consegue ter controlo sobre as várias Associações
e tem menor autonomia do que a nossa. A forma como eles têm o ciclismo
organizado é muito diferente, tornando-se difícil conciliar ambas as partes. O
que se tem tentado é ajustar o calendário português de forma às equipas
portuguesas poderem estar presentes nas provas espanholas.”
Além da
presidência da APCP, Joaquim Andrade é também director desportivo de equipas de
formação há vários anos, razão pela qual é uma das pessoas mais conceituadas e
conhecedoras da globalidade do ciclismo nacional. Esta temporada estreou-se em
São João de Ver na direcção da equipa de clube Moreira Congelados-Feira-KTM, um
projecto desafiante que não teve receio de abraçar. “Fui desencorajado por muitas pessoas para não agarrar o projecto,
porque tinha uma equipa muito mais débil do que costumavam ter já que os
melhores ciclistas tinham subido a profissionais ou ido para outras equipas. Mas
toda a minha vida gostei de desafios, segui em frente e estou bastante
satisfeito. Apesar de ser uma equipa bastante jovem, pouco a pouco tem vindo a
afirmar-se e estado a bom nível em todas as provas. Quanto aos resultados,
talvez não sejam os que estávamos habituados noutros anos, mas atendendo à
realidade da equipa, à sua juventude e pouca experiência, estou bastante
satisfeito e penso que no próximo ano seremos mais competitivos, se
conseguirmos manter a grande maioria da estrutura.”
“Temos uma equipa que está em formação,
com quatro a cinco ciclistas com um grande futuro pela frente, se não se
perderem pelo caminho. É sempre prematuro destacar um nome, porque vejo muitas
vezes colocarem jovens ciclistas num pedestal e depois acontecer completamente
o oposto. De qualquer forma, falo do Tiago Ferreira, porque é um ciclista na
fase final da sua formação. Está no 3º ano sub-23, foi um dos melhores sub-23
ao longo de todo o ano, mas curiosamente as pessoas parecem estar um pouco
distraídas ou a não acompanhar o ciclismo. Nas provas mais duras foi sempre dos
melhores sub-23 e esteve muitas vezes com os melhores ciclistas profissionais. É
um pouco desalentador para mim e principalmente para o ciclista, pois em tantos
corredores que são chamados à Selecção Nacional ele nunca fez parte sequer de
uma pré-convocatória. Seria um incentivo que dariam ao ciclista e uma
oportunidade para o conhecerem melhor e avaliar as suas capacidades. Acabou a
Taça de Portugal sub-23 em 3º lugar, apesar de partir com alguma desvantagem por
alguns percalços pelo caminho e por competir menos que os adversários, alguns com
presença em Campeonatos da Europa. Mas acabou por se apresentar em boa forma e segurar
o lugar no pódio, que era o objectivo principal.”
Sendo o único
clube no país a apostar numa formação alargada a diversos escalões etários, não
é fácil manter uma estrutura tão vasta na estrada. “Todos os anos temos vindo a alargar o escalão de escolas, onde às
vezes há pouca gente, mas estamos a fazer um esforço para cativar mais crianças
a praticar a modalidade. É um escalão que até aos 13/14 anos tem pouca
competição, mais direccionada para os miúdos aprenderem a andar de bicicleta,
que é o mais importante nessas idades e é uma parte que temos tentado reforçar.
O ciclismo para poder crescer é importante que se comece desde cedo a
acompanhar os miúdos. A grande maioria não vai chegar a ser ciclista
profissional, mas não perdem nada em passar por ali. Em todos estes anos, notamos
que estes jovens que nos acompanham normalmente têm um futuro melhor pela
frente, seja no ciclismo ou noutra área. Isso deixa-nos orgulhosos e faz-nos
continuar a acreditar nesta forma de trabalhar.”
O sucesso do
Sport Ciclismo São João de Ver reflecte-se no número de ciclistas profissionais
que passaram pelo clube ao longo da sua formação. “A grande maioria dos ciclistas desta última geração passou pela nossa equipa.
Deixa-nos orgulhosos e demonstra que o trabalho feito é um bom trabalho, senão
não haveria tanto sucesso. Esperemos que assim continue a suceder e para isso é
preciso manter os apoios que temos e alargar um pouco mais, porque quanto mais
a equipa cresce maiores são os gastos. A Moreira Congelados é uma marca que
está ligada ao ciclismo há muitos anos e ligada à nossa equipa quase desde o
início. O Município da Feira, que nos dá todo o apoio necessário, e as bicicletas
KTM. Depois temos um grande leque de patrocinadores, que são muito importantes
desde a nutrição com a Oxi à Beppi, Rox e mais. Esperamos manter para o ano todas
estas parcerias”, realça Joaquim Andrade.
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(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)
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