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Amore Infinito por João Almeida e Rúben Guerreiro

Ao longo de três semanas, os portugueses ganharam um Amore Infinito por João Almeida (Deceuninck-Quick Step) e Rúben Guerreiro (EF Pro Cycling). Os dois corredores lusos, presentes na 103ª edição do Giro d’Italia, escreveram uma importantíssima página no ciclismo nacional e internacional. João fechou a sua primeira grande volta no quarto lugar da classificação geral, após 15 dias na liderança da Maglia Rosa. Rúben terminou a sua segunda grande volta e primeiro Giro a vencer a Maglia Azzurra de rei da montanha e a nona etapa, em Roccaraso.

 

Rúben Guerreiro (© EF ProCycing) e João Almeida (© Wout Beel)

“Não consigo colocar em palavras o quanto estou feliz, isto é incrível, algo com que nunca tinha sonhado. A minha meta há três semanas atrás era terminar entre os 10 primeiros, portanto ser quarto na CG [Classificação Geral] desta bonita corrida é simplesmente alucinante! Isto não teria sido possível sem a ajuda de meus companheiros da Deceuninck-Quick Step, que sempre mostraram o incrível espírito Wolfpack e a quem estou muito agradecido. Aqui descobri muitas coisas sobre mim, esforcei-me mentalmente e dei tudo em cada momento. Deixo esta corrida com muitas lembranças bonitas, a melhor delas a ser o dia em que alcancei a maglia rosa no Etna. Ainda sou jovem e veremos o que o futuro reserva, mas o que posso dizer é que um dia espero usar esta icônica camisola novamente”, confessou João Almeida no final do dia em Milão.
 
Rúben Guerreiro também se mostrou muito feliz com a corrida: “Foi um Giro muito duro, não restou nada nas pernas. Gostei muito das três semanas do Giro d’Italia, foi um grande esforço da organização e todos estavam a lutar por uma etapa. Para nós foi muito importante, fizemos um Giro muito bom, com duas vitórias em etapa e a maglia azzurra. Para mim, é uma grande motivação para o futuro.” Questionado sobre uma eventual luta futura pela classificação geral, respondeu: “É difícil dizer, mas no ciclismo nunca se sabe. Ano após ano, sinto-me melhor e mais forte. Acho que não estou muito velho, por isso, vamos ver. Um dia, porque não? Agora quero desfrutar desta camisola, ir de férias e preparar a próxima temporada.” Sobre a vitória do amigo Tao Geoghegan Hart, Rúben concluiu: Corremos juntos, somos amigos. No início, ele ficou feliz por mim quando ganhei a nona etapa e eu disse-lhe que ele ia ter o momento dele e assim sucedeu. Também gostava de ver o João [Almeida] no pódio, são meus amigos e fizeram uma corrida muito boa. Estou orgulhoso deles.”
 
Os dois corredores atingiram patamares inéditos para o ciclismo luso na Corsa Rosa, embora Portugal já conte com uma bonita história neste Grand Tour. José Azevedo, actual director desportivo da equipa francesa Nippo Delko One Provence, detinha até hoje a melhor marca na classificação geral, um honroso quinto lugar pela equipa Once, em 2001. Acácio da Silva continua a ser o mais glorioso em etapas, com um total de cinco vitórias, sendo a mais marcante a que se refere ao ano de 1989, a segunda etapa com final no Monte Etna, que lhe valeu a liderança da camisola rosa por dois dias. A sua melhor marca na classificação geral foi um sétimo posto em 1986, ano em que conquistou duas etapas, a nona em Rieti e a 21ª em Bolzano. Já no ano anterior, em 1985, tinha conquistado igualmente duas etapas, a oitava em Matera e a 10ª em Paola.
 
João Almeida conseguiu assim o feito histórico de vestir a camisola da liderança do Giro em 15 das 21 etapas, batendo-se dia-a-dia não só por manter essa liderança, como também por tentar aumentar a vantagem para os mais directos adversários. O holandês Wilco Kelderman (Team Sunweb), de 29 anos, foi o responsável pela perda dessa mesma liderança ao final da 18ª jornada, mas que viria a perder para o companheiro de equipa, o australiano Jai Hindley no final da 20ª. Contudo, as contas da geral não ficariam por aqui, com o britânico Tao Geoghegan Hart (Ineos Grenadiers) a conquistar a camisola rosa no contra-relógio final, em Milão. Os três completaram o pódio da geral com Geoghegan Hart em primeiro, Hindley em segundo e Kelderman em terceiro.
 
Não se pense que esta foi uma edição fácil, senão vejamos alguns dos nomes que fecharam entre os 10 primeiros da classificação geral. Kelderman já correu as três grandes voltas, num total de 11 vezes, das quais esta é a quarta vez que termina no Top 10, primeira no pódio. O espanhol Pello Bilbao (Bahrain-McLaren) já fez igualmente por 11 vezes grandes voltas, sendo este o melhor lugar na geral, em quinto, superando o sexto posto alcançado no Giro de 2018. O dinamarquês Jakob Fuglsang (Astana) já correu 15 grandes voltas, sendo o sexto lugar deste ano a sua melhor marca. O italiano Vincenzo Nibali (Trek-Segafredo), este ano sétimo na geral, já correu 23 grandes voltas, vencendo dois Giros d’Italia, um Tour de France e uma Vuelta a España. O austríaco Patrick Konrad (Bora-hansgrohe) correu seis grandes voltas, terminando este Giro em oitavo, mais um lugar do que a sua melhor marca no Giro de 2018. Destaca-se que João Almeida é o corredor mais novo do Top 10, com 22 anos, seguido de Hindley com 24 e Geoghegan Hart com 25. Acrescente-se ainda que, dos ciclistas no activo, Nibali foi quem vestiu por mais dias a camisola rosa, num total de 20, seguido de Tom Dumoulin (Jumbo-Visma) com 17 dias e o português João Almeida durante 15 dias.
 
Para sempre ficará na história deste jovem corredor o feito alcançado em 2020, no seu primeiro ano no WorldTour com a Deceuninck-Quick Step, equipa belga com a qual tem contrato por mais uma temporada. Natural de A dos Francos, nas Caldas da Rainha, João Almeida chegou ao patamar mais elevado do ciclismo vindo de dois anos com a norte-americana Hagens Berman Axeon, após um ano na búlgara Unieuro Trevigiani-Hemus 1896. Até esse ano de 2017, a sua formação de estrada, em cadete e júnior, foi feita em equipas lusas, nomeadamente o Clube de Ciclismo José Maria Nicolau, Bombarralense e Bairrada. Antes de entregar-se à estrada, passou pelo BTT, em cross country olímpico (XCO), com a equipa EcoSprint, e também pelas modalidades de natação e futebol. Vencedor da Volta a Portugal de Juniores e campeão nacional de fundo e de contra-relógio nas camadas de formação, inclusive em sub-23 no ano transacto, João viu o seu maior triunfo chegar no ano de 2018 com a conquista da clássica Liège-Bastogne-Liège Sub-23, sendo ainda segundo na geral do Giro d’Italia Sub-23, tendo no seu primeiro ano de sub-23 alcançado a vitória do Tour of Mersin, em 2017. Esta temporada brilhou ao lado do companheiro de equipa Remco Evenepoel, com este a vencer a Volta ao Algarve e a Vuelta a Burgos, corridas nas quais o jovem luso foi essencial e ainda fechou em terceiro em Burgos e nono no Algarve. Neste ano de 2020, venceu ainda a camisola da juventude no Tour de l’Ain, foi segundo no Giro dell’Emilia e terceiro na Settimana Coppi e Bartali. Terminou entre os 10 primeiros em 11 das 21 etapas do Giro d’Italia, que finalizou em quarto da geral.
 
Para a história fica igualmente Rúben Guerreiro, de 26 anos, como o primeiro ciclista português a conquistar uma camisola numa grande volta, a camisola da montanha do Giro d’Italia. Foi preciso suar muito, e pedalar ainda mais, para conquistar a Maglia Azzurra. Vestiu-a ao final da nona etapa, após vencer a jornada com brio na chegada a Roccaraso. Essa etapa antecedeu o dia de descanso, que marcava também o final da primeira de três semanas competitivas ao mais alto nível. Precisamente na etapa antecedente ao segundo dia de descanso, Rúben viria a perder a camisola para o italiano Giovanni Visconti (Vini Zabù- KTM), mas não por muito tempo, já que o Guerreiro luso não deu a batalha por vencida e foi à luta, recuperando a liderança da montanha no final da 17ª jornada. Nesse momento, 50 pontos separavam a sua liderança do mais directo rival Visconti, que não tomou a partida no dia seguinte. Contudo, ainda havia perigo à espreita e impunha-se somar pontos nas derradeiras montanhas do Giro, o que foi feito pelo corredor português, que acabou por conquistar a camisola com 234 pontos, mais 77 do que Tao Geoghegan Hart e 112 para Thomas De Gendt (Lotto Soudal).
 
A sua carreira tem um ponto em comum com a de João Almeida. Também Rúben Guerreiro passou dois anos na Hagens Berman Axeon, quando saiu do pelotão nacional em 2015. Com a equipa norte-americana conquistou o GP Liberty Seguros/Troféu Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, sagrou-se campeão nacional de fundo sub-23 e conquistou o GP Palio del Recioto, sendo ainda terceiro na Liège-Bastogne-Liège Sub-23 e terceiro melhor jovem do Amgen Tour of California. Até aí chegar, fez a sua formação nas equipas lusas Mato-Cheirinhos, Alcobaça Clube de Ciclismo e Sport Ciclismo São João de Ver (na equipa de clube Liberty Seguros), vencendo nesta última casa a Volta a Portugal do Futuro e a Taça de Portugal Sub-23. O ano de 2017 marcou a entrada no WorldTour com a Trek-Segafredo, com a qual esteve dois anos, sagrando-se campeão nacional de fundo. Em 2019 mudou-se para a Katusha-Alpecin, estreando-se numa grande volta, a Vuelta a España, onde terminou em 17º da geral, quinto da juventude e duas etapas entre os primeiros cinco na meta, destacando-se o segundo lugar na chegada do Santuario del Acebo. No presente ano de 2020 vestiu as cores da EF Pro Cycling, equipa norte-americana com a qual tem contrato por mais uma temporada. Anteriormente a alcançar as vitórias de etapa e da camisola da montanha no Giro d’Italia, mostrou semanas antes que estava determinado em alcançar vitórias neste difícil ano, ao finalizar em segundo na penúltima etapa da Tirreno-Adriatico, sendo apenas superado em 4s na chegada a Loreto pela estrela do ciclocrosse Mathieu van der Poel (Alpecin-Fenix).  Se recuarmos um pouco no tempo, até Março e aos dias de confinamento, Rúben afirmou em entrevista a este blogue que a EF Pro Cycling “é uma estrutura muito bem organizada e pensada, temos ciclistas muito fortes para ganhar qualquer corrida do calendário”. E assim sucedeu, com Rúben a vencer no exigente Giro.

Ao João Almeida e ao Rúben Guerreiro, os mais sinceros parabéns pelos feitos alcançados no 103º Giro d’Italia!

 
Classificação Geral – Giro d’Italia 2020:
1º Tao Geoghegan Hart (Ineos Grenadiers) 85h40m21s
2º Jai Hindley (Team Sunweb) a 39s
3º Wilco Kelderman (Team Sunweb) a 1m29s
4º João Almeida (Deceuninck-Quick Step) a 2m57s
5º Pello Bilbao (Bahrain-McLaren) a 3m09s
6º Jakob Fuglsang (Astana) a 7m02s
7º Vincenzo Nibali (Trek-Segafredo) a 8m15s
8º Patrick Konrad (Bora-hansgrohe) a 8m42s
9º Fausto Masnada (Deceuninck-Quick Step) a 9m57s
10º Hermann Pernsteiner (Bahrain-McLaren) a 11m05s
33º Rúben Guerreiro (EF Pro Cycling) a 1h58m58s

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