O ciclismo é uma modalidade desportiva que alberga uma
beleza infinita. Da singularidade das paisagens naturais, passando pela
perfeição das bicicletas, até às emoções no rosto dos ciclistas, cada detalhe é
minuciosamente apreciado pelos poetas da fotografia. Em Portugal, o poeta das
imagens dá pelo nome de João Fonseca.
Nascido na Alemanha em 1971, João Fonseca viajou para
Portugal aos 9 anos de idade, mais precisamente para o Bombarral. Em terra de
ciclismo, viu a paixão pela fotografia unir-se à paixão por este desporto,
recordando ao Cycling & Thoughts
como tudo começou.
“Os meus pais eram
emigrantes na Alemanha e regressaram para o Bombarral. Nessa altura, o meu pai
fazia parte da direcção técnica de uma equipa, nos anos 80/90, e daí nasceu o
meu gosto pelo ciclismo”, recorda João.
Terminados os estudos, “Comecei
por trabalhar num ateliê de arquitectura, mas sempre gostei de fotografia e
levava sempre comigo a máquina quando ia assistir às provas de ciclismo.”
O hobby depressa passou a fazer parte da vida laboral de
João Fonseca. “A fotografia tornou-se algo
mais sério através da Maria João Gouveia, para quem comecei a trabalhar na
revista mensal ‘Super Ciclismo’, mais ou menos em 2002. Logo depois apareceu o interesse
das equipas profissionais de ciclismo, a perguntar quem era o fotógrafo daquela
revista, e assim surgiram os primeiros clientes, como o Luís Almeida da LA. Na altura,
ele patrocinava a equipa LA Alumínios-Pecol-Bombarral. É uma pessoa que admiro
e anda nisto há muitos anos.”
A fotografia passou a preencher a vida de João Fonseca, não
só através de trabalhos no ciclismo como também noutros eventos desportivos, moda
e publicidade. Mas entre todos os trabalhos, a preferência recai nas duas
rodas. “O ciclismo é mais criativo. É um
trabalho de rua e como sempre gostei de fotografar paisagens e arquitectura,
assim liguei uma coisa à outra. Apesar de já ter estado em competições de moda
internacionais, mantenho o ciclismo à frente de tudo.”
O mundo da moda já o fez viajar por países como a Turquia,
Malta e Inglaterra em eventos como o Best Global Model Of The Year e a Miss
European, mas João confessa: “Prefiro a
Volta ao Algarve.” Fotógrafo de referência nas mais importantes corridas
nacionais, a preferência continua a recair na Algarvia em comparação com a
prova rainha Volta a Portugal. A razão é simples: “Sendo fotógrafo oficial do evento, é outra responsabilidade. É outra
adrenalina saber que as imagens são difundidas para todo o mundo. E enquanto nas
fotografias da Volta a Portugal dão mais valor à publicidade, na Volta ao
Algarve dão mais valor ao ciclista.”
Enquanto fotógrafo oficial, o palmarés de João Fonseca engloba
diversos eventos da Federação Portuguesa de Ciclismo, nomeadamente as provas da
Taça de Portugal e os Campeonatos da Europa de Pista, sendo também a objectiva
oficial de importantes competições como o Grande Prémio Beiras e Serra da
Estrela, Grande Prémio JN, Grande Prémio do Dão, Grande Prémio Abimota, Troféu
Joaquim Agostinho e os Campeonatos Nacionais de Estrada.
No que toca ao trabalho com as equipas, João refere: “Aqui tenho a possibilidade de fotografar
alguns pormenores diferentes como os ciclistas com os bidões, sais, barras,
capacetes e luvas, detalhes que não são tão interessantes para os organizadores
das corridas, a quem interessa mais fotos das publicidades relativas à prova,
as partidas e as chegadas.”
Trabalhando directamente com uma equipa, João Fonseca tem
acesso aos bastidores do espectáculo que se vê na estrada, como a cumplicidade
na W52-FC Porto. “Há certos pormenores de
entreajuda numa equipa, que nem sempre se vêem de fora. A união de equipa da
W52-FC Porto vê-se para além das câmaras e é muito importante. Viu-se com o
Amaro na Volta a Portugal, que se quisesse podia ter ganho, mas aguentou e manteve-se
ao lado do Raúl.”
A proximidade e convivência com os ciclistas levam João
Fonseca a viver as vitórias como se fossem suas, ganhando um carinho e amizade
por muitos dos heróis fotografados. “Vivo
a vitória deles, mas não posso demonstrar, porque trabalho para diversas
equipas. Tento ser o mais imparcial possível, embora às vezes seja difícil
esconder a alegria. Falo mais pelos antigos, como no caso do Rui Sousa, a quem vi
com tantas camisolas vestidas e aquela última vitória na Volta foi um momento
especial. Afeiçoamo-nos a eles e acabamos por ser uma família, porque andamos o
ano todo a vê-los com alegrias, tristezas, longe da família ou até com a família ao
lado.”
Um dos maiores desafios com que se depara ao longo da
temporada velocipédica prende-se com o facto de fotografar vezes sem conta os
mesmos ciclistas, tendo de inovar a cada ‘shot’. “Não é fácil. Chegamos a um ponto, como o ano passado com o Rui Vinhas na
Volta, onde não havia nada mais a inovar… só faltava fazer uma paragem como o
Dumoulin no Giro, por necessidades fisiológicas. A inspiração no momento é que
faz a diferença e também ir vendo o que é feito lá fora pelos fotógrafos de
referência, que para mim são o Bettini e o Graham Watson. A nível nacional tive
uma referência com quem aprendi muito, o Paulo Maria, que actualmente está nos
Ralis.”
Fotografar um pelotão a alta velocidade requer experiência e
um aprendizado não só para o fotógrafo como também para quem o conduz. “Cada vez mais tem de haver motards
especializados e que tenham noção do que é o ciclismo. Por vezes, os organizadores
não têm orçamento para pagar um motard experiente e, a meu ver, é melhor investir
em alguém conhecedor do que manchar uma prova com um acidente. Pode acontecer a
qualquer um, mas há coisas que se podem evitar. Não será fácil se o motard não
tiver noção nenhuma do que é uma corrida de ciclismo, do que é ultrapassar um
pelotão. A actual medida da UCI de redução do pelotão tem uma parte com a qual
concordo, que se prende com a segurança, mas também tem a outra parte
prejudicial das equipas não necessitarem do mesmo número de ciclistas.”
Sendo a fotografia a sua grande paixão, João confessa: “O que mais gosto neste trabalho é o facto
de fotografar situações diferentes e tentar mostrar às pessoas o que vivo através
do meu olhar.” Como em tudo na vida, há o lado menos bom: “O que menos gosto são os ‘pára-quedistas’ que
aparecem de vez em quando, os colegas que não têm espírito de equipa. Encontram-se
não só no ciclismo como na moda. Se forem profissionais a sério são capazes de
desenrascar um cartão, pilhas ou uma lente. Há concorrência boa e má. A boa é bem-vinda,
porque faz-nos melhorar o nosso trabalho.”
Finalizada mais uma época de ciclismo, João Fonseca oferece
aos amantes da modalidade a oportunidade de saborear um pouco da sua poesia
fotográfica na exposição “Portugal em Bicicleta”, patente de 18 de Setembro a 1
de Outubro no centro comercial La Vie, nas Caldas da Rainha.
O Cycling &
Thoughts viajou pela exposição na companhia de João Fonseca, que elegeu
quatro imagens que o marcaram em 2017, explicando o porquê dessa escolha:
‘Consagração da vitória’. Raúl Alarcón na Volta a Portugal.
“Já vi o Raúl em
equipas inferiores, a trabalhar no duro e esta vitória foi mais que merecida. Tal
como Rui Vinhas fez noutros anos e venceu. É bom haver um vencedor surpresa, mesmo
no caso do Raúl, em que não foi tanta a surpresa pela grande época que realizou.”
“Esta foto é importante por ser a última Volta do Rui. Conheço-o há muitos anos, fiz tantas fotos com ele. E houve também a conferência de imprensa da sua despedida, que foi um momento emotivo. Acho que não houve ninguém que não tivesse chorado.”
‘Por entre as cinzas’. Pelotão na passagem por Vila Velha de Ródão, Volta a Portugal.
“Esta é uma foto que demonstra o sentimento do muito que se perdeu este ano à custa dos incêndios. É triste ver a paisagem assim, que contrasta com as outras em que está tudo verde.”
‘Campeão do Mundo Contra-Relógio’. Tony Martin na Volta ao Algarve.
“A importância desta foto passa por termos um campeão do mundo nas estradas nacionais e por ter sido uma foto que vi partilhada pelo mundo inteiro.”
‘Por entre as cinzas’. Pelotão na passagem por Vila Velha de Ródão, Volta a Portugal (© Helena Dias) |
‘Campeão do Mundo Contra-Relógio’. Tony Martin na Volta ao Algarve (© Helena Dias) |
Exposição de João Fonseca: 'Portugal em Bicicleta' (© Helena Dias) |
Exposição de João Fonseca: 'Portugal em Bicicleta' (© Helena Dias) |
Exposição de João Fonseca: 'Portugal em Bicicleta' (© Helena Dias) |
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