Avançar para o conteúdo principal

De quem foi este Tour?

3360,3 km, 21 etapas, 198 ciclistas reduzidos a um pelotão de 160 heróis que cruzaram a meta nos Campos Elísios. Finalmente Paris, após três semanas de sofrimento puro e a luta por chegar a cada linha de meta, por cada sprint, por cada montanha, pela busca do êxito das fugas ou o seu anular, pelo evitar de quedas ou a sua superação, por enfrentar o extremo calor ou a chuva incessante, pela conquista da camisola amarela, branca, verde, das bolinhas ou do dorsal vermelho da combatividade. Paris soava distante e hoje recebeu os soldados do 102º Tour de France para a consagração de Chris Froome (Sky), pela segunda vez vencedor da Grande Boucle. Numa das mais duras edições dos últimos anos, de quem foi este Tour? 
Alpe d'Huez (foto www.letour.fr)
Sky
A esquadra britânica chegou ao Tour como uma das máximas favoritas à vitória final. Froome, já vencedor em 2013, concretizou o objectivo de voltar a vencer em 2015 perante adversários de qualidade extrema como mostraram ser Quintana, Valverde, Contador e Nibali. Uma conquista que se revelou de todos contra Froome… o britânico fez frente aos mais directos rivais, às pendentes no asfalto, a duras etapas de intermináveis montanhas, a bordures lançadas por equipas rivais, a alguma imprensa e a algum público com atitudes condenáveis na estrada. Superou tudo e subiu ao mais alto lugar do pódio.

A Sky apresentou-se sólida, praticamente imbatível a cada etapa disputada. Froome vestiu a camisola amarela na 3ª etapa, despiu-a à 4ª e regressou à liderança à 7ª etapa para não mais descer do pedestal do Tour. Entrou na segunda semana a vencer a jornada (Et10) com a primeira chegada em alto de categoria especial em La Pierre-Saint-Martin, nos Pirenéus, deixando a 59s o companheiro Porte e a 1m04s Quintana e os demais favoritos a mais de 2m. No início da terceira semana já a distância para os directos rivais marcava 3, 6, 8 e mais minutos, uma vantagem considerável para o destronarem da liderança. Ainda assim, quem luta por um Tour de France não se dá por vencido e nesta batalha Nibali e Contador, apesar da distância na geral, foram quem mais tentou dissipar esta mesma distância a cada oportunidade, a cada subida ou descida de montanha. Todos os terrenos foram válidos pela busca da vitória, que Froome não deixou levar. Nas duas últimas etapas de montanha nos Alpes, em La Toussuire e Alpe d’Huez, a Movistar de Quintana e Valverde tentou desfazer em dois dias o que a Sky tinha construído em dezoito. Demasiado tarde. O muro de mais de 3m construído por Froome apenas se viu reduzido a 1m12s de Quintana e 5m25s de Valverde, detentores dos demais lugares do pódio final. A amarela estava definitivamente conquistada a par da camisola da montanha. Froome venceu o Tour e para tal contou com soldados incontestáveis no seu labor como foram Richie Porte, Geraint Thomas e Wout Poels.

Movistar
Por alcançar o pódio da geral com o 2º lugar de Nairo Quintana e o 3º de Alejandro Valverde, a Movistar é impreterivelmente uma das esquadras deste Tour. Além disso, o colombiano agarrou a camisola branca da juventude e a equipa venceu no colectivo com cerca de 1h para a seguintes classificadas Sky e Tinkoff-Saxo. Quintana levou a nação colombiana a fervilhar de emoção pela qualidade que derramou a cada pedalada. Valverde desfez-se em lágrimas pelo sonho de carreira cumprido, terminar no pódio do Tour, algo perseguido há anos pelo campeão espanhol. Permanecerá sempre a dúvida se podiam ter ganho o Tour com uma estratégia diferente. De um lado, os resultados alcançados difíceis de lograr para qualquer esquadra. Do outro, as críticas à forma como disputaram a prova, parecendo lutar para segundo e terceiro do pódio em vez de batalhar por apenas um lugar, o primeiro.

BMC
A equipa norte-americana chegou ao Tour com Tejay van Garderen de líder, um valor que se tem imposto no pelotão internacional. Três foram as vitórias alcançadas nesta edição, que acabou com o infortúnio abandono de van Garderen. O primeiro triunfo chegou na etapa inaugural com Rohan Dennis num magnífico contra-relógio individual a quebrar o recorde existente, pedalando o esforço individual mais rápido da história da Grande Boucle. Um voo a 55,446 km/h ao longo de 13,8 km em Utrecht, na Holanda, batendo os especialistas Tony Martin e Fabian Cancellara por 5 e 6s. Nova vitória chegou novamente num contra-relógio, desta feita por equipas (Et9). Um voo colectivo a 52,093 km/h ao longo de 28 km acidentados e chegada a Plumelec, deixando Sky e Movistar a 1 e 4s. A terceira vitória surgiu à 13ª etapa, na meta em Rodez, pelos pedais de Greg van Avermaet impondo-se a Sagan. Da glória e alegria, a BMC desceu às lágrimas de van Garderen e ao abandono na 17ª etapa. A sua luta por se manter em prova foi dos momentos mais marcantes numa etapa com cinco subidas categorizadas e chegada a Pra-Loup onde não chegou, vencendo esta luta a infecção respiratória que o levou a deixar o seu melhor Tour de sempre ocupando o 3º lugar da geral. Sem van Garderen, a BMC teve em Samuel Sánchez o melhor homem da geral em 12º (+22:50”). O campeão olímpico espanhol esteve bem neste Tour e foi um gosto vê-lo terminar entre os dez primeiros em La Toussuire, etapa ganha por Nibali.

MTN-Qhubeka
Boasson Hagen, Steve Cummings, Tyler Farrar, Jacques Janse van Rensburg, Reinardt Janse van Rensburg, Merhawi Kudus, Louis Meintjes, Serge Pauwels e Daniel Teklehaimanot deram corpo à primeira equipa africana da história do Tour de France. A MTN-Qhubeka viveu uma estreia inesquecível com Teklehaimanot a ser o primeiro ciclista eritreu a vestir a camisola da montanha no Tour, com Cummings a conquistar a primeira vitória de uma equipa africana no Tour e logo no Dia de Mandela. O triunfo em Mende irá perpetuar-se na memória de um país para quem esta equipa é muito mais que simples golpes de pedal, é uma filosofia que pedalam a cada prova e que realizou o sonho de correr o Tour. “Bicycles change lives”, as bicicletas mudam vidas e para cada um dos ciclistas africanos desta equipa, presentes ou não no Tour, a MTN-Qhubeka realmente mudou as suas vidas, tal como tenta mudar a vida de tantos jovens africanos. Uma corrida que se escreveu perfeita na história desta equipa, que através de simples bicicletas pedalada esperança na construção de um país melhor e com futuro para os seus jovens.

Tinkoff-Saxo
Alberto Contador não concretizou o sonho da dupla vitória Giro-Tour no mesmo ano. Algumas quedas e o cansaço da conquista do Giro levaram El Pistolero a finalizar em 5º da geral (+9:48”). Contudo, por diversas ocasiões tentou fazer uma diferença que Froome não deixou concretizar. Desde bordures na primeira semana a ataques deferidos nas montanhas pirenaicas e alpinas, a Tinkoff-Saxo não baixou os braços. Um esforço que não chegou ao brilho da amarela, mas a uma vitória de etapa (Et11) por Rafal Majka em Cauterets, onde a fuga terminou num êxito superando pelo meio a subida do Tourmalet. O grupo viveu o duro abandono de Ivan Basso, ao ser diagnosticado cancro nos testículos. O italiano foi operado com sucesso, deixando todos com um sorriso ao marcar presença no final do Tour em Paris. Em Peter Sagan a equipa teve a imagem de uma brutal força da natureza. Pedalou com incrível determinação na ajuda a Contador pela busca da amarela, lutando em simultâneo pela camisola verde dos pontos. Protagonista de inúmeras fugas, pontuou nos sprints intermédios e lutou pela vitória de etapas, que teimou sempre em fugir. Em 21 jornadas, terminou 11 entre os cinco primeiros com cinco 2º lugares, dois 3ºs, três 4ºs e um 5º lugar. E a camisola verde, bastante suada, ficou nas suas mãos.

Outros rostos
O campeão italiano Vincenzo Nibali (Astana) mostrou garra de campeão, mesmo distante na geral. Tentou fazer a diferença em diversas etapas, conseguindo à 19ª na chegada a La Toussuire. Ataques constantes ao longo dos 138 km pedalados desde Saint-Jean-de-Maurienne levaram o destemido tubarão a enfrentar os últimos 16 km de jornada em solitário até ao triunfo na linha de meta, somando assim a quinta etapa conquistada no Tour de France, que já foi seu em 2014, ano em que agarrou quatro etapas. Terminou em 2015 em 4º da geral (+8:36”).

Joaquim Rodríguez (Katusha) tentou com toda a garra tomar para si a camisola da montanha. Não conseguiu, mas obteve algo bastante precioso. Duas vitórias de etapa no Mur de Huy, frente a Froome e Vuillermoz, e em Plateau de Beille debaixo de intensa chuva, isolado e com mais de 1m sobre Fuglsang e Bardet.

Tony Martin (Etixx-Quick Step) venceu uma das mais temidas etapas, a 4ª que ligou Seraing a Cambrai ao longo de sete apaixonantes troços de pavé, relembrando a rainha das clássicas Paris-Roubaix. Uma vitória que lhe fugia por segundos desde o primeiro dia e que chegou juntamente com a amarela, a mesma camisola com a qual se despediu do Tour no final da 6ª etapa. Ainda cruzou a meta ladeado pelos companheiros, mas a queda a metros da linha em Le Havre tinha deixado uma consequência insuperável para continuar no Tour, uma fractura de clavícula. Um dia de sentimentos opostos para a Etixx-Quick Step, que logrou a vitória da etapa com o senhor do ciclocrosse, Zdenek Stybar.

Outro camisola amarela tinha abandonado este Tour. Fabian Cancellara (Trek Factory Racing), líder no final da 2ª etapa, não chegou a disputar a etapa do seu querido pavé. Uma queda afastou-o de viver o terreno que mais gosta nesta temporada, à semelhança de não ter disputado este ano a Paris-Roubaix.

Romain Bardet (AG2R La Mondiale) animou o Tour com a sua constante luta pela montanha e por uma linha de meta. A camisola fugiu-lhe, mas não a vitória da sua primeira etapa. O jovem francês brilhou na chegada a Saint-Jean-de-Maurienne, depois de muito suar e fugir a Pierre Rolland (Europcar). Não conseguiu igualar o 6º lugar alcançado na geral em 2014, mas não ficou muito longe ao finalizar em 9º (+16:00”) e sagrando-se o mais combativo da 102ª edição. A AG2R La Mondiale alcançou ainda outra vitória com Alexis Vuillermoz, no Mûr-de-Bretagne na 8ª etapa, e teve em Jean-Christophe Peraud o herói do Tour ao superar uma dolorosa queda, deixando dilaceradas marcas no corpo, que levou desde a 13ª etapa à derradeira meta em Paris.

André Greipel (Lotto Soudal) foi o sprinter mais feliz desta edição ao conquistar quatro etapas. Em Neeltje Jans (Et2) superou Sagan e Cancellara, em Amiens (Et5) fez novamente frente a Sagan e Cavendish, em Valence (Et15) imperou sobre Degenkolb e Kristoff, nos Campos Elísios (Et21) bateu Coquard e Kristoff. Ainda assim, ficou longe da camisola verde tal como Mark Cavendish (Etixx-Quick Step), para quem a vitória chegou na meta de Fougères (Et7) frente a Greipel e Sagan.

De outras vitórias se desenharam as metas do Tour. Rubén Plaza (Lampre-Merida) triunfou em Gap (Et16), Simon Geschke (Giant-Alpecin) em Pra Loup (Et17) onde em lágrimas descreveu a terceira vitória da carreira aos 29 anos, Thibaut Pinot (FDJ) superou as 21 curvas de Alpe d’Huez (Et20) e triunfou num terreno importante para a França.

Armindo Fonseca (Bretagne-Séché Environnement) foi o primeiro a atacar para a primeira fuga desta edição e Sébastian Chavanel (FDJ) foi o lanterne rouge em 2015.

Lusos
Da história deste Tour também fizeram parte quatro ciclistas lusos, sobrevivendo a quedas e más sensações. Três chegaram a Paris, abandonando Rui Costa (Lampre-Merida) em plena ascensão do Tourmalet (Et11), conhecendo-se hoje o resultado dos exames médicos indicando, para além da queda sofrida, gastroenterite, hipoglicemia e inflamação nos dois rins. Nelson Oliveira (Lampre-Merida) finalizou em 47º da geral (+2:15:32”), demonstrando nas 21 etapas a sua reconhecida qualidade e animando a última fuga em Paris, Tiago Machado (Katusha) em 72º da geral (+2:54:31”) e José Mendes (Bora-Argon 18) em 140º da geral (+4:07:47”), ambos afirmando não terem estado na melhor forma, o que não os impediu de lutar até ao último quilómetro e cruzar a derradeira meta nos Campos Elísios numa das mais duras edições dos últimos anos. De louvar a bravura de todo o pelotão.

CG Tour de France
1º Christopher Froome (GBr) Team Sky 83:19:15
2º Nairo Quintana (Col) Movistar Team +1:12”
3º Alejandro Valverde (Esp) Movistar Team +5:25”
4º Vincenzo Nibali (Ita) Astana Pro Team +8:36”
5º Alberto Contador (Por) Tinkoff-Saxo +9:48”
6º Robert Gesink (Ned) Team LottoNL-Jumbo +10:47”
7º Bauke Mollema (Ned) Trek Factory Racing +15:14”
8º Mathias Fränk (Sui) IAM Cycling +15:39”
9º Romain Bardet (Fra) AG2R La Mondiale +16:00”
10º Pierre Rolland (Fra) Team Europcar +17:30”
47º Nelson Oliveira (Por) Lampre-Merida +2:15:32”
72º Tiago Machado (Por) Katusha +2:54:31”
140º José Mendes (Por) Bora-Argon18 +4:07:47”

TDF 2015: 1º Chris Froome 2º Nairo Quintana
3º Alejandro Valverde (foto @Movistar_Team)
______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

Comentários

  1. Mais uma vez acabei de ler uma crónica muitíssimo bem escrita que nos relata com realidade aquilo que se passou no Tour.Pela qualidade do trabalho parabéns.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Artigos Mais Lidos

Apresentação Liberty Seguros/Feira/KTM 2014

Esta quinta-feira, a Biblioteca Municipal de Sta. Maria da Feira recebeu a apresentação do 6º GP Liberty Seguros/Volta às Terras de Sta. Maria e das equipas de formação Liberty Seguros/Feira/KTM do Sport Ciclismo S. João de Ver. Entre as personalidades presentes destacaram-se os patrocinadores das equipas, nomeadamente a Liberty Seguros, a KTM e a Câmara Municipal de Sta. Maria da Feira. Também não faltaram antigos corredores da casa, actualmente a pedalar no pelotão profissional nacional, entre outros o campeão nacional Joni Brandão, César Fonte, Edgar Pinto, Frederico Figueiredo, Mário Costa, Rafael Silva e o internacional André Cardoso. Nem o campeão do mundo Rui Costa faltou à chamada de um dos directores desportivos mais acarinhados no país, Manuel Correia, deixando em vídeo uma mensagem sentida de agradecimento pelo seu percurso e aprendizagem no clube. Precisamente de Manuel Correia surgiu o momento mais marcante da cerimónia, aquando do seu anúncio de fim de ciclo

Os velódromos de Portugal

Velódromo de Palhavã (© Arquivo Municipal de Lisboa) Em Portugal, o ciclismo já foi considerado o desporto da moda entre as elites. Para chegarmos a esse momento da história, temos de recuar ao tempo da monarquia, até finais do século XIX, para encontrar o primeiro velódromo em território nacional, o Velódromo do Clube de Caçadores do Porto , na Quinta de Salgueiros, não sendo a sua data totalmente precisa, já que a informação a seu respeito é muito escassa. Em alguns relatos, a sua inauguração data de 1883, enquanto noutros data de 1893.

Tour de France 2015: percurso e lusos da 102ª edição

A prova rainha do ciclismo mundial está a chegar. O 102º Tour de France estará entre nós de 4 a 26 de Julho, naquela que promete ser uma das edições mais emocionantes dos últimos anos. A razão prende-se com o luxuoso pelotão que irá percorrer 3360 quilómetros de Utrecht a Paris, onde nos magníficos Champs-Élysées se conhecerá o vencedor de 2015. Alberto Contador (TCS), Chris Froome (SKY), Nairo Quintana (MOV) e Vincenzo Nibali (AST) são os máximos favoritos ao maillot jaune , mas as surpresas sempre sucedem no decorrer de uma grande volta e esta, provavelmente, não será excepção na luta pelo pódio. Maior é a expectativa pelo desafio que o campeão espanhol e recente vencedor do Giro d’Itália traz nos pedais. Contador quer alcançar a dupla vitória Giro-Tour no mesmo ano , nesta que transparece ser uma edição de dureza extrema e de escaladas colossais nas duas últimas semanas. Na luta pelos lugares cimeiros da geral, há que ter em conta os nomes de Rui Costa (LAM) , Joaquim ‘Purito’ Ro