Rui Vinhas embarcou na
viagem da W52-FC Porto em busca da rainha de Gustavo Veloso. Um oceano de emoções,
numa extensão de 1607,3 km, foi o que ambos navegaram ao longo de doze intensos
dias. Um misto de emoções rodeou a equipa mais forte do pelotão português,
líder do Ranking nacional APCP, que entrou na Volta a Portugal para
conquistar o terceiro triunfo consecutivo de Veloso e saiu com a primeira e
histórica vitória de Vinhas.
Na estrada e fora dela,
Rui Vinhas [6/12/1986] é o reflexo da serenidade em pessoa. Em final de
temporada, encontrámos o vencedor da 78ª Volta a Portugal no Circuito da Malveira, que nos recebeu com a grandeza de um vencedor da Volta completamente
dissolvida no manto de humildade que o envolve. De sorriso fácil, acolhedor e ao mesmo tempo tímido, transmitiu em cada palavra da entrevista cedida em exclusivo ao Cycling & Thoughts a certeza de ter
conquistado um patamar jamais sonhado, a camisola amarela da prova rainha
lusitana.
O papel de gregário
enobrece qualquer corredor, que se entrega a ele de corpo e alma. Rui Vinhas
entregou-se devotadamente a esse papel durante a história da sua carreira,
passando por equipas como a LA Antarte, Louletano e nestes últimos dois anos a
W52, actualmente unida ao Futebol Clube do Porto. Foi com esta equipa que
venceu em 2015 a Volta a Portugal, com Veloso de amarela e Vinhas a festejar o
triunfo do seu líder e da equipa no colectivo. Em 2016, o cenário da celebração
repetiu-se em Lisboa e com a W52-FC Porto a ser novamente primeira no colectivo,
mas desta feita com Vinhas a ser o dono da camisola amarela.
Se o ‘ciclismo
romântico’ ainda existe no panorama internacional, aquém-fronteiras foi na
vitória de Rui Vinhas que muitos aficionados reencontraram esse ciclismo, que
supera todas as probabilidades e entrega o maior troféu do calendário nacional
a alguém que representa todos aqueles ciclistas de trabalho, que passam uma
carreira a construir triunfos, também seus mas representados numa outra pessoa.
A importância desta vitória aumenta quando se trata de um ciclista português
ganhar a maior corrida do país, algo que não sucedia desde Ricardo Mestre no
ano de 2011, agora companheiro de Vinhas e que viveu consigo esta nova vitória
portuguesa.
Assim que terminou o
contra-relógio em Lisboa, Rui Vinhas confessou a dificuldade de assimilar tudo
o que estava a suceder na sua carreira. Duas semanas após a histórica
conquista, ainda parece navegar num sonho.
“Foram
momentos de glória. Nunca pensei estar na vitória, visto que não era eu o
líder, era o Gustavo. Tive aquela oportunidade, consegui defender-me da melhor
forma e consegui a vitória. Mas aqueles momentos em Lisboa foram momentos de bastante
confusão, de emoção. Quando são coisas boas que acontecem, uma pessoa não tem
logo a noção da realidade, mas passados estes dias comecei a assimilar e já começo
a sentir o verdadeiro sabor da vitória.”
Tudo se precipitou
durante a terceira etapa, uma jornada de 158,9 km entre Montalegre e Macedo de Cavaleiros. Rui
Vinhas viveu-a integrado numa fuga formada com pouco menos de 100 km
percorridos, chegando a alcançar uma vantagem de perto de 10 minutos para o
pelotão, que apenas tentou apagar a distância à falta de 10 km para a chegada. Rui
Vinhas cruzou a linha em 8º, assumindo desde esse dia o comando da geral com
mais de 3 minutos de vantagem para os favoritos à conquista da Volta.
Nesse momento,
o gregário passou a líder da amarela e a vitória começou a ser traçada. “Quando
cortei a meta e vi que ia vestir a camisola amarela…” Rui detém-se nas palavras por uns
segundos, como se estivesse a relembrar o momento. “Sinceramente nunca pensei. No dia seguinte [a vestir a camisola], estava feliz e nem sequer pensei. Mas à
noite, quando me fui deitar, comecei a pensar em como ia ser difícil. O meu
primeiro objectivo era andar o máximo de dias possível de camisola amarela,
porque era português e para a Volta é sempre bom um português andar de amarela.
Vi que no dia a seguir respondi da melhor forma e fui passando dia-a-dia. A
equipa esteve sempre do meu lado, apoiou-me muito e nunca falhou com nada. A
eles agradeço bastante tudo o que fizeram para eu conseguir manter a camisola.
Sofri muito, mas consegui a vitória e estou bastante contente.”
Os dias que se
sucederam não se adivinhavam fáceis na defesa da liderança. Rui Vinhas teve
pela frente logo nos dias posteriores a mítica etapa da Sra. da Graça, a
jornada com chegada a Viseu contendo a dura 1ª categoria em estreia de S.
Macário, seguindo-se após o dia de descanso a etapa da dupla passagem pela
Torre. Passou com distinção o exigente teste, finalizando esses dias na meta em
5º, 11º e novamente 5º respectivamente. Chegou ao derradeiro contra-relógio
individual mantendo a liderança com mais de 2 minutos.
“Nos
primeiros dois dias [de
etapas em linha], trabalhei bastante para
o Gustavo e para a equipa. Pensei que ia pagar esse esforço, mas recuperei bem
de uns dias para os outros, o estado de forma era o melhor. Como demonstrei,
estava muito bem fisicamente, trabalhei bastante para isso. Mas não deixava de
estar surpreendido comigo mesmo. Com o passar dos dias cedia uns poucos
segundos para o Gustavo, mas para os mais directos adversários quase não cedia,
a não ser no dia da Sra. da Graça, e o que é certo é que passei dia-a-dia e
mantive. Depois, defendi-me da melhor forma no contra-relógio.” Fechou o esforço individual pedalando o 4º melhor tempo.
Ao longo de toda a competição,
Rui Vinhas impôs a sua serenidade à pressão mediática exercida
sobre si e o companheiro Gustavo Veloso. A cada dia surgia a constante pergunta
a ambos sobre a liderança da equipa e para quando o assumir de posição por
parte de Vinhas. O ciclista português foi sempre peremptório na resposta, nunca
se afastando dos seus valores enquanto ciclista, entregando em cada palavra a
liderança a Veloso e sabendo gerir a cerrada pressão mediática.
“Sempre
lidei bem [com a
pressão], porque como eu disse, e é a
realidade, o Gustavo é que era o líder e eu ia respeitá-lo a ele, ao director e
a toda a equipa. As ordens eram para cumprir e se me mandassem parar ou puxar
pelo Gustavo, se me mandassem ficar à espera de algum colega, eu esperava. Não
pensava duas vezes. Se calhar por ser humilde e estar sempre pronto para ajudar
os companheiros é que me ajudaram tanto.”
A conquista da Volta a
Portugal catapultou o nome de Rui Vinhas para o centro da atenção do público em
geral. Contudo, no seio do pelotão as suas qualidades eram já sobejamente conhecidas.
Dos companheiros de equipa aos adversários no asfalto, passando por
ex-ciclistas profissionais, todos teceram largos elogios ao valor do mais
recente vencedor da Volta. Nomes como o ex-profissional Manuel Cardoso,
actualmente a colaborar com a inGamba Tours, ou de Ricardo Martins,
actual manager da equipa Skydive Dubai-Al Ahli Club, foram dos primeiros a
reconhecer o grande ciclista que é e a sua elevada capacidade enquanto trepador.
“O
Manuel Cardoso é meu amigo, meu ex-colega de treino, convivi muito com ele e
conversei muito com ele durante a Volta. Penso que eles ficam contentes por eu
ser um gregário e ter esta oportunidade de conseguir a vitória. Quando a
vitória surge a um colega que é trabalhador, humilde e ajuda os companheiros, a
pessoa fica muito contente, tem outro sabor. Os meus colegas felicitaram-me e
acho que ficaram contentes. Mesmo o Gustavo ficou bastante contente. Na hora de
terminar o contra-relógio ficou um pouco triste, porque vinha para ganhar. Depois
lidou da melhor forma com isso, tivemos uma conversa os dois e ele ficou
bastante contente por mim e achou que foi justa a minha vitória.”
Rui Vinhas já tinha vivido
por dentro a vitória da Volta a Portugal em 2015, experienciando com a equipa W52
a celebração da conquista da maior corrida portuguesa. Contudo, esta temporada
a equipa uniu-se ao Futebol Clube do Porto, o que engrandeceu os festejos e o coroar dos heróis em pleno Estádio do Dragão com a presença no relvado no
intervalo do jogo FC Porto – Estoril, perante milhares de adeptos.
Para Rui Vinhas, “O regresso do FC Porto ao ciclismo tem sido
muito benéfico, tem-se muito mais público a apoiar. O apoio das pessoas
notou-se bastante na estrada durante a Volta a Portugal e noutras corridas como
o Grande Prémio Jornal de Notícias. A vinda dos clubes, do Porto e do Sporting,
é bastante benéfica para todos os ciclistas. Melhor seria se houvesse o
regresso do Benfica.”
Em final de temporada,
é hora de olhar ao futuro e perceber quais as aspirações do ciclista que passou
de gregário a grande campeão da Volta. “Agora
vou olhar à competição de maneira diferente, mais confiante, visto que consegui
uma vitória histórica. Não é todos os dias que se alcança uma vitória destas. Seguramente,
a equipa que representar vai colocar muito mais responsabilidades sobre mim. E
mesmo eu tenho de assumir outras responsabilidades e tentar lutar por outras
vitórias para além desta.”
Como é reconhecido pelo
pelotão, as contratações em Portugal arrastam-se ao longo dos últimos meses do
ano, deixando os ciclistas numa incerteza quanto ao seu futuro profissional.
Como vencedor da Volta, questionámos sobre a abertura de novos horizontes e se
algo mudou na brevidade do surgimento de ofertas.
Rui Vinhas foi rápido
na resposta: “Ainda é muito cedo.” E
acrescentou: “Os corredores de trabalho
deviam ser os primeiros a assinar contrato, mas às vezes as pessoas não sabem
reconhecer isso e são sempre os últimos, muitos com vidas difíceis e filhos
para manter. Penso que isso deveria ter muito mais atenção por parte dos
directores, pois sem estes ciclistas de trabalho os directores não conseguem
obter os resultados que obtêm. Deviam ser mais considerados em termos de
contratos e de dinheiro. Eu pertenço a esse leque de ciclistas trabalhadores…”
E novamente detém-se nas palavras, assimilando a nova realidade. “Bem, agora mudaram um bocado as coisas, mas
continuo a pensar que deviam ser muito mais recompensados e os directores
deviam andar mais atentos a esse aspecto.”
O dia na Malveira
acabou com mais uma vitória para a W52-FC Porto. Gustavo Veloso venceu o
Circuito e Rui Vinhas recebeu a devida homenagem e os aplausos do público
presente.
Mais uma magnífica entrevista. Está de parabéns o entrevistado notando-se a simplicidade nas palavras de um ciclista com tanto valor. Quanto a quem entrevistou e escreveu o meu apreço pelo cunho muito pessoal e especial como faz o seu trabalho sempre com o intuito de divulgar e engrandecer a modalidade e seus protagonistas.Helena não desistas e continua o maravilhoso trabalho que fazes todos os dias.
ResponderEliminar