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Júlio Gonçalves: “Pedalámos mais com o coração do que com a força que tínhamos”

“É um ciclista com potencial para se tornar trepador e com características de atleta de endurance com boa capacidade de recuperação. Tacticamente com muito a aprender, terá um futuro risonho na modalidade se mantiver a persistência e empenho.” Assim é definido o jovem ciclista Júlio Gonçalves pelo seu director desportivo Joaquim Andrade, da equipa Moreira Congelados-Feira-Bicicletas Andrade.


Aos 22 anos, Júlio Gonçalves faz parte do lote de jovens lusos com forte capacidade de singrar no ciclismo. Na sua jovem carreira, destacam-se os lugares cimeiros obtidos nos Campeonatos Nacionais das duas temporadas anteriores, a vitória da camisola da juventude no Grande Prémio Beira Baixa em 2016 e a aposta da Selecção Nacional na sua presença no exigente Grande Prémio Internacional Beiras e Serra da Estrela já este ano de 2017.

Numa entrevista em exclusivo, o Cycling & Thoughts quis conhecer um pouco mais deste jovem corredor, que prematuramente subiu a profissional pela equipa Sporting-Tavira em 2016, regressando à formação na presente temporada no Sport Ciclismo S. João de Ver para aperfeiçoar as qualidades demonstradas na época de 2015, na qual foi protagonista de performances que lhe conferiram grande visibilidade.
 
Júlio Gonçalves (© Helena Dias)

A maioria dos jovens ciclistas portugueses apresenta o argumento da paixão pelo ciclismo ao explicar a dedicação e empenho para com este desporto. Júlio Gonçalves não difere da maioria, percebendo-se nas suas palavras que a entrada no mundo das bicicletas se deu pela ligação imediata que sentiu às primeiras pedaladas.

“Na minha zona, em Viseu, não se faz muito ciclismo de estrada. Mesmo actualmente, há muita gente a andar de bicicleta, mas com o objectivo focado nas provas de BTT. Eu comecei precisamente por fazer BTT e depois virei-me mais para a estrada. Comecei a andar por brincadeira, deslocava-me de bicicleta para ir jogar futebol e outras coisas e apanhei-lhe o gosto. Agora não me vejo a fazer outra coisa.”

A história de Júlio Gonçalves no ciclismo começou em 2013, ano em que cumpriu 19 anos e deu as primeiras pedaladas nas equipas Zuribike e BTT Seia. Esta vertente não o prendeu por muito tempo, dando o salto para a estrada logo no ano seguinte com as cores da Vulcal e Viseu 2001.

“Eu via o BTT mais como uma brincadeira. Todos nós estamos habituados a ligar a televisão e ver ciclismo de estrada e, claro, em miúdo tinha a ambição de um dia correr com aqueles ciclistas.”

O que era uma simples brincadeira, depressa passou a um caso sério de pura paixão e entrega à bicicleta. O seu talento não passou despercebido, recebendo em 2015 o convite para ingressar numa das mais importantes equipas de sub-23 de Portugal. O ano na Anicolor [actual Miranda-Mortágua] trouxe-lhe o início da formação necessária para crescer neste exigente desporto.

“Foi o primeiro ano em que estive inserido neste pelotão profissional. Foi uma oportunidade pela qual estou muito grato ao chefe Pedro Silva, que não me conhecia de lado nenhum e inseriu-me numa das melhores equipas de sub-23 do pelotão. Evoluí muito, graças aos sermões que o chefe me dava. Na altura custava um bocadinho, mas sabia que era para meu bem. Foi um ano espectacular.”

Nessa primeira temporada, a partilhar o pelotão com as equipas continentais, Júlio Gonçalves obteve 11 lugares no Top 10 da juventude de competições com os profissionais, entre os quais a conquista da juventude no Grande Prémio Beira Baixa e 3º da juventude no Grande Prémio JN e na Volta ao Alto Tâmega. Foi também nesse ano que terminou em 5º a prova de fundo no Nacional de Sub-23.

Finalizado esse ano, Júlio Gonçalves preparava-se para ingressar no Sport Ciclismo S. João de Ver, mas a sua prematura vontade de subir a profissional fê-lo mudar o rumo da história, rumando à equipa continental Sporting-Tavira em 2016.

“Eu tinha o sonho de ser ciclista profissional. No final da época de 2015, as equipas já estavam todas fechadas e foi então que falei com o chefe Joaquim Andrade, que abriu as portas para eu vir para o Sport Ciclismo S. João de Ver. Mas, entretanto, entrei em contacto com o Vidal [director desportivo Vidal Fitas da equipa Sporting-Tavira], vi que havia lugar para um atleta na equipa e surgiu a oportunidade.”

A temporada vivida com as cores Sporting-Tavira não correu de feição para Júlio Gonçalves. Entre as poucas competições em que esteve presente, destacou-se em 4º lugar na prova de fundo do Nacional Sub-23.

“Faltavam-me anos de aprendizagem. Sem dúvida, foi uma excelente oportunidade, mas acho que se fosse hoje tinha feito mais um ano de sub-23 para realmente aprender. Penso que a qualidade está cá, mas tenho de aprender e estou no sítio certo.”

Como se costuma dizer, demonstra sabedoria aquele que dá um passo atrás para posteriormente dar dois em frente. E assim fez Júlio Gonçalves, rumando em 2017 ao Sport Ciclismo S. João de Ver, sob o comando desportivo de Joaquim Andrade na equipa Moreira Congelados-Feira-Bicicletas Andrade. Como nos conta, os primeiros seis meses pautaram-se de muita aprendizagem e profissionalismo.

“A estadia tem sido muito boa. Tanto o staff como os atletas têm um carinho por nós incrível. A equipa é muito jovem, mas todos nós sabemos o que queremos e ninguém anda aqui na brincadeira. Levamos a aprendizagem a sério e a equipa tem cuidados como as profissionais.”

Uma das performances mais destacáveis de 2017 ocorreu no Grande Prémio Internacional Beiras e Serra da Estrela, com as cores da Selecção Nacional. Dos jovens que fizeram parte do grupo, apenas três terminaram a dura competição internacional, sendo Júlio Gonçalves o segundo melhor da Selecção.

“Foi uma corrida na minha zona, principalmente na Serra da Estrela, que é um sítio onde adoro treinar. Se pudesse, treinava perto da Serra todos os dias. Eu tinha dois sonhos. Um era ser profissional e o outro representar o nosso país. Sem dúvida, foi um orgulho imenso vestir aquela camisola. Foram etapas duras, longas, com muito calor e eu dou-me bem com essas características. O grupo também era fantástico e foi uma oportunidade que espero repetir.”

Com o ano já a meio, Júlio Gonçalves olha para a restante temporada com a mesma ambição inicial.

“Quero dar o melhor em todas as provas que faltam. Temos de aproveitar as poucas corridas que existem e não nos podemos desleixar.”

Na jovem carreira traçada no ciclismo, Júlio guarda um dia especial, que o marcou para sempre.

“A última etapa do Troféu Joaquim Agostinho o ano passado, em que nós tínhamos o Nocentini de amarelo. Eu tão pouco estava habituado a controlar uma corrida e tivemos de controlar uma das corridas principais do calendário português. Aí já pedalámos mais com o coração do que propriamente com a força que tínhamos. Foi uma etapa que não acabei, mas que me marcou muito pelo que se passou no staff e pelas palavras do Nocentini ao final da corrida. O Nocentini foi camisola amarela no Tour, é um orgulho correr com estes senhores do ciclismo.”

O futuro é uma incógnita, mas Júlio Gonçalves guarda uma certeza.

“O que me vejo a fazer daqui a 2-3 anos?… A andar de bicicleta e a fazer ciclismo. Daqui a 10 anos a mesma coisa. E um dia que já não consiga fazer ciclismo profissional tenho o curso de desporto e, sem dúvida, não vou abandonar esta modalidade.”

Quanto ao seu ídolo neste desporto, revela-nos.

“Tiago Machado, pela personalidade e maneira de ser. É um ciclista de trabalho, que tudo faz em prol da sua equipa e muitos não vêem nas transmissões televisivas, pois apenas mostram as últimas horas de corrida. Sem dúvida, um exemplo a seguir. Ciclista e amigo com uma enorme humildade e honestidade.”

Em 2016, Júlio Gonçalves no comando da defesa da amarela de Rinaldo Nocentini em plena subida da Carvoeira, no último dia do Troféu Joaquim Agostinho (© Helena Dias)

Júlio Gonçalves deu tudo pela defesa do seu líder Nocentini, que venceu o Troféu Joaquim Agostinho em 2016 (© Helena Dias)

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