Parece que
ainda ontem estávamos expectantes com o início do Giro d’Italia e este domingo já caiu o pano na 98ª edição,
uma das melhores dos últimos anos. Três semanas de intenso ciclismo, muito
espectáculo, luta cerrada e cerca de 3500 km que passaram a voar para o
espectador e certamente vão deixar saudade. A dureza desta Corsa Rosa multiplicou-se pela forma como o pelotão a pedalou,
sempre com médias altas e uma batalha incessante e indecisa até ao final pela
montanha e pelos pontos. Quanto à geral, poucas vezes mudou de mãos. O poderio de
Alberto Contador (TCS) não deixou escapar a sua velha conhecida maglia rosa.
Contador não
corre por correr. Precisa de desafios, de superar-se a cada temporada, de ver
até onde pode engrandecer o seu já rico palmarés. Vencer mais uma grande volta
em 2015 parecia pouco para o campeão espanhol. Buscava algo mais especial, algo
apenas alcançado por poucos e sublimes ciclistas. Coppi (1949/52), Anquetil
(1964), Merckx (1970/72/74), Hinault (1982/85), Roche (1987), Induráin
(1992/93) e Pantani (1998) tocaram o Olimpo do ciclismo ao arrebatar Giro e Tour
no mesmo ano, um desafio que soou perfeito para Contador e para o qual trabalhou
afincadamente na pré-temporada.
O Giro começou bem para a equipa russa de Oleg Tinkov. A
Tinkoff-Saxo superou todas as expectativas no contra-relógio colectivo inaugural,
pedalando o segundo melhor tempo e colocando os mais directos adversários em
sentido. Contador partiu para a verdadeira batalha em vantagem sobre Fabio Aru
(AST), Richie Porte (SKY) e Rigoberto Urán (EQS), o trio visto como o mais
perigoso para o objectivo do espanhol conquistar mais um Giro, acrescentando
ainda os nomes de Domenico Pozzovivo (ALM) e Ryder Hesjedal (TCG) à lista de
favoritos à geral.
Na batalha
montanhosa, Contador foi rei e os adversários seus súbditos. À primeira chegada
em alto, em Abetone, vestiu a maglia rosa
e desde essa 5ª etapa apenas despiu a liderança à 13ª etapa, regressando logo
em seguida ao trono do Giro. Não terminaria a primeira semana sem o susto de
uma queda e deslocação do ombro esquerdo, que levaria a especular sobre um
possível abandono da prova, mas tudo não passou disso mesmo… um susto.
O início da
segunda semana começou com toda a cautela para Contador, testando a sua forma
física e sempre atento aos escassos segundos que pendiam entre si e Aru. O
italiano tinha-se tornado no mais perigoso rival, agora que Pozzovivo já não
estava entre o pelotão, vítima de queda e abandono, Porte tinha sofrido uma
penalização de 2 minutos [por aceitar uma roda de Simon Clarke (OGE), não
companheiro de equipa], Urán lutava contra uma primeira semana mal sucedida que
o tinha colocado a 2 minutos, o mesmo sucedendo com Hesjedal já a 6 minutos de
distância e para lá da 20ª posição.
Numa prova de
três semanas todos os segundos contam e Alberto Contador sabe isso melhor que
ninguém. Estar atento a qualquer oportunidade de ganhar tempo e um bom posicionamento
no pelotão são demandas cruciais para alcançar o objectivo máximo. Na segunda
semana, viveu de tudo um pouco. À 12ª etapa deixou Aru para trás, ganhando mais
alguns segundos de vantagem na chegada a Monte Berico. Contudo, viu a liderança
assombrada logo em seguida, perdendo a maglia
rosa para Aru após ficar envolvido numa queda à 13ª jornada. Numa nova
reviravolta, no dia seguinte foi arrebatador no longuíssimo contra-relógio
individual de 59,4 km, impondo um verdadeiro ‘Olé’ espanhol a 45,634 km/h e fazendo o terceiro melhor tempo na
chegada a Valdobbiadene, regressando à liderança do Giro com mais de 2 minutos
de soberania.
A alta
montanha que se seguiu desfez quaisquer dúvidas quanto ao poderio de Contador. Antes
do dia de descanso, a escalada de Madonna di Campiglio arredou de vez Richie
Porte de qualquer luta pelo pódio, já não pedalando a terceira semana. Quanto
ao campeão espanhol, aproveitou o merecido descanso para iniciar a derradeira
semana intratável na subida de Mortirolo, que antecedia a chegada da 16ª etapa
a Aprica. Nesta brutal jornada de 177 km com cinco altos categorizados, El Pistolero chegou à entrada de
Mortirolo com Aru a ganhar 1 minuto no terreno. O italiano aproveitara o ataque
desferido pela Katusha no momento em que Contador ficava parado devido a um
problema mecânico. Mas no final ‘o feitiço virou-se contra o feiticeiro’.
Contador deu o seu habitual recital pedalando com mestria cada metro do
Mortirolo, apagando o espaço conseguido pelo líder da Astana, que acabou o dia
vendo o companheiro Mikel Landa assumir o seu 2º lugar na geral após vencer a
segunda etapa consecutiva.
Contador
somava então 5 preciosos minutos numa liderança bem consolidada e contava com
uma liderança bicéfala na rival cazaque Astana, que se dividia entre esperar ou
não por Aru, apoiar ou não Landa nas duas últimas jornadas com chegada em alto
que estavam por vir. A surpresa surgiu pelos pedais de Aru, que venceu nessas
duas metas de Cervinia e Sestriere, vitórias de raiva e coração no rosto ao
cruzar a linha e que o fizeram regressar a 2º da geral. Contador não perseguiu
o italiano na subida de Cervinia, como que obrigando o espanhol Landa a ficar
junto a si e não ir atrás do seu líder, caindo este novamente para 3º da geral.
Já na escalada de Sestriere, a subida que lhe antecedeu de Colle delle Finestre
com um bom pedaço em ‘sterrato’
deixou Contador sem a força de dias anteriores para fazer frente aos rivais. A
experiência fê-lo gerir o esforço, perdendo cerca de 2 minutos para o vencedor
do dia Aru, mas permanecendo incólume na liderança do Giro para a derradeira
etapa de consagração.
Em Milão, Alberto
Contador fez a festa após 88h22m25s de luta, dor, sofrimento e alegria. Não
venceu nenhuma etapa, mas conquistou o terceiro Giro d’Italia da sua carreira,
como fez questão de frisar com um gesto ao cruzar a última linha no asfalto. O
tiro de partida para o grande desafio da temporada acertou em cheio no alvo.
Que é capaz de vencer o Giro, todos sabemos. Que é capaz de vencer o Tour,
também sabemos. Chegar à conquista de ambos no mesmo ano, estamos perto de
descobrir. Sabemos sim que é capaz de vencer duas grandes voltas no mesmo ano,
pois já o alcançou em 2008 com o triunfo Giro-Vuelta, sendo estas mais
espaçadas entre si.
Conta ainda o
98º Giro que o 2º e 3º lugares do pódio ficaram muito bem entregues a Fabio Aru
e Mikel Landa, lutadores até final. Também para a história desta edição fica a
marcante corrida de alguns dos nomes do Top 10… o brilhante desempenho do
costa-riquenho Andrey Amador (MOV), a extraordinária recuperação do canadiano
Ryder Hesjedal (TCG), a confirmação do checo Leopold König (SKY) e a boa
corrida do holandês Steven Kruijswijk (TLJ), que muito lutou pela montanha
ganha finalmente pelo italiano Giovanni Visconti (MOV). A camisola dos pontos
decidiu-se no último dia, recaindo o triunfo sobre Giacomo Nizzolo (TFR). Na
juventude reinaram os italianos com Aru a triunfar com quase 2 horas sobre
Davide Formolo (TCG), vencedor de uma etapa, e Fabio Felline (TFR). A Astana
demonstrou ser a equipa mais forte no colectivo.
No fecho
desta história, a prestação lusa desenhou-se com Sérgio Paulinho (TCS) a fazer
parte da vitória do seu líder Contador, finalizando a sua estreia em 97º. No
seu segundo Giro consecutivo, André Cardoso (TCG) foi novamente crucial no
apoio ao líder Hesjedal, conseguindo ainda um bom 21º posto na geral. O jovem
Fábio Silvestre (TFR) trabalhou para a conquista da camisola dos pontos por
parte de Nizzolo, finalizando a sua estreia em 149º lugar.
CG Giro d’Italia
1 Alberto Contador
(Esp) Tinkoff-Saxo 88:22:25
2 Fabio Aru
(Ita) Astana +1:53”
3 Mikel Landa
(Esp) Astana +3:05”
4 Andrey Amador
(CRc) Movistar Team +8:10”
5 Ryder
Hesjedal (Can) Team Cannondale-Garmin +9:52”
6 Leopold
König (Cze) Team Sky +10:41”
7 Steven Kruijswijk (Ned) Team LottoNL-Jumbo +10:53”
8 Damiano
Caruso (Ita) BMC +12:08”
9 Alexandre
Geniez (Fra) FDJ.fr +15:51”
10 Yuri Trofimov (Rus) Team Katusha +16:14”
21 André Cardoso (Por) Team
Cannondale-Garmin +1:19:27”
97 Sérgio Paulinho (Por) Tinkoff-Saxo
+4:32:23”
149 Fábio Silvestre (Por) Trek Factory
Racing +5:54:39”
Vencedores Etapas
Et1 - 17,6 km CRE San Lorenzo al Mare / Sanremo
Orica-GreenEdge
Et2 - 177 km Albenga / Genova
Elia Viviani (Ita) Team
Sky
Et3 - 136 km Rapallo / Sestri Levante
Michael Matthews (Aus)
Orica GreenEdge
Et4 - 150 km Chiavari / La Spezia
Davide Formolo (Ita)
Team Cannondale-Garmin
Et5 - 152 km La Spezia / Abetone
Jan Polanc (Slo)
Lampre-Merida
Et6 - 183 km Montecatini Terme / Castiglione della
Pescaia
André Greipel (Ger)
Lotto Soudal
Et7 - 264 km Grosseto / Fiuggi
Diego Ulissi (Ita)
Lampre-Merida
Et8 - 186 km Fiuggi / Campitell Matese
Beñat Intxausti (Esp)
Movistar Team
Et9 - 215 km Benevento / San Giorgio del Sannio
Paolo Tiralongo (Ita)
Astana
Et10 - 200 km Civitanova Marche / Forlì
Nicola Boem (Ita)
Bardiani-CSF
Et11 - 153 km Forlì / Imola
Ilnur Zakarin (Rus) Team Katusha
Et12 - 190 km
Imola / Vicenza
Philippe Gilbert (Bel) BMC
Et13 - 147 km
Montecchio Maggiore / Jesolo
Sacha Modolo (Ita) Lampre-Merida
Et14 - 59,4 km
CRI Treviso / Valdobiandene
Vasil Kiryienka (Blr) Sky
Et15 - 165 km
Marostica / Madonna di Campiglio
Mikel Landa (Esp) Astana
Et16 - 174 km
Pinzolo / Aprica
Mikel Landa (Esp) Astana
Et17 - 134 km
Tirano / Lugano
Sacha Modolo (Ita) Lampre-Merida
Et18 - 170 km
Melidee / Verbania
Philippe Gilbert (Bel) BMC
Et19 - 236 km
Gravellona Toce / Cervinia
Fabio Aru (Ita) Astana
Et20 - 196 km
Saint-Vincen / Sestriere
Fabio Aru (Ita) Astana
Et21 - 185 km
Torino / Milano
Iljo Keisse
(Bel) Etixx-Quick Step
______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)
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