A temporada lusa
de ciclismo de estrada chegou ao fim com inúmeros ciclistas portugueses a
destacarem-se pelos bons desempenhos nas provas nacionais e nas mais
importantes corridas internacionais. O ciclismo português vai tomando o seu
lugar no mundo, fruto da qualidade dos seus atletas, quer sejam profissionais
de valor confirmado quer sejam jovens talentos promissores. A somar a este
protagonismo, na última semana o ciclismo português tornou-se ainda mais no
centro das atenções pela desinformação gerada em torno de uma norma já
existente e de cariz internacional, a regra dos 28 anos das Equipas
Continentais.
Para
esclarecer as dúvidas surgidas, o Cycling
& Thoughts falou em exclusivo com Joaquim Andrade, Presidente da APCP -
Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais.
“Na regra que estava em
vigor até ao momento, a maioria dos ciclistas de uma equipa continental tinha que ter menos de
28 anos. Cada equipa pode ter no mínimo 8 ciclistas e no máximo 16, sendo que para
cumprir essa regra a maioria desses ciclistas teria que ter menos de 28 anos.
Com a nova regra para 2016, a Federação Portuguesa de Ciclismo instituiu uma
percentagem em que 60% dos ciclistas tem que ter menos de 28 anos. Isto irá
criar implicações apenas nas equipas que tenham 11/13/15/16 ciclistas, pois
todas elas terão que ter em 2016 mais um ciclista com menos de 28 anos do que tinham até 2015.”
Quadro disponibilizado pela Federação Portuguesa de Ciclismo sobre o impacto do novo regulamento das Equipas Continentais para 2016 |
“A regra existente é a nível
internacional e esta que irá entrar em vigor em 2016 é a nível interno, mas é
preciso realçar que é uma regra da UCI. Nós acabámos por ser dos países mais brandos. Por exemplo, em Espanha 70%
da equipa tem de ser constituída por ciclistas com menos de 25 anos e no mínimo
2 deles têm de ser sub-23. Agora, em Portugal foi feito um
reajustamento, penso eu para remediar um pouco a situação de neste ano alguns
ciclistas não terem chegado a fazer uma única prova, tendo sido apenas
contratados para cumprir o regulamento.”
“Ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, esta regra existe
há muitos anos nas equipas continentais. Pelas várias reuniões que tenho tido
com membros da UCI e das Associações de Ciclistas internacionais, penso que é
uma regra com os dias contados e se não for em 2017, talvez venha a terminar em
2018. Aliás, este facto chegou a ser afirmado publicamente no nosso país. Em
Viseu, em Agosto de 2014, no Colóquio “O Futuro do Ciclismo Profissional” em que
foi apresentada a reforma do ciclismo internacional, o Presidente da Comissão
de Estrada da UCI, Sr. Tom Van Damme, interpelado por mim em nome da APCP a propósito
da cessação dessa regra afirmou que em 2015 a mesma já não se iria aplicar, o
que não aconteceu devido ao atraso da implementação dessa mesma reforma. Foi
uma regra implementada na altura da criação das equipas continentais a pensar
na formação, porque na realidade as equipas continentais são encaradas pela UCI
como sendo de formação. No nosso país
não é o que acontece e, nos últimos anos, a nível internacional outros países adoptaram
as equipas continentais para fazer equipas profissionais como nós. Com isto, a
UCI está um pouco mais atenta a esta regra e provavelmente não a teremos por
muitos mais anos. A meu ver, é uma regra que não protege os ciclistas mais jovens,
porque o que tenho verificado nos últimos anos é uma grande quantidade de ciclistas
a subir a profissional, a fim de se cumprir regulamentos, e a terminarem ali
mesmo as suas carreiras. Foi o que voltou a acontecer este ano. Penso que um
ciclista tem de ser procurado pelo seu valor e não ser procurado por um
director desportivo para cumprir o regulamento. Os directores das equipas profissionais
têm de pensar mais no futuro do nosso ciclismo e dar mais oportunidades do que têm
dado a estes jovens. Temos uma nova geração bastante forte e com boas provas
dadas. Mas há que dar tempo ao tempo. Não se pode querer que um jovem de 20/21
anos comece logo a ganhar provas em cima de provas. As coisas demoram o seu
tempo. É uma geração forte, que está a assumir o poder e já o vimos nesta Volta
a Portugal, onde uma série de jovens se assumiu como principais corredores do
nosso pelotão.”
Fruto da
alteração desta regra foram proferidas várias declarações, tanto nos meios de
comunicação social como nas redes sociais, por parte de ciclistas, directores
desportivos e pelo Presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo. A este respeito,
Delmino Pereira afirmou à agência Lusa que o ajustamento desta norma tinha como
finalidade tornar o pelotão mais jovem e com isso cativar novos patrocinadores:
“Sentindo que é uma modalidade que
fomenta a juventude, estou convencido que outras marcas se poderão associar ao
ciclismo”.
A este
respeito, Joaquim Andrade esclareceu-nos: “A Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais
teve uma reunião com o Presidente da Federação e ele não nos referiu isso.
Disse apenas querer que fossem dadas mais oportunidades aos ciclistas jovens, pois se não fossem estas percentagens as equipas provavelmente quase não
teriam inscrito ciclistas jovens nestes últimos anos. Se ele afirmou isso, eu não
concordo. Penso que os patrocinadores procuram que as equipas tenham os
melhores ciclistas e não que seja uma equipa imposta por descriminação de
idades, que no fundo é o que acontece.”
Quisemos
também saber qual o feedback que Joaquim Andrade recebeu por parte dos
ciclistas, principais visados com esta alteração. “Os ciclistas ficaram
desagradados, embora acabem por aceitar. Curiosamente, este é um ano em que as
equipas se vão manter praticamente intactas, porque apenas 3 ciclistas do
actual pelotão nacional vão completar 28 anos em 2016. Assim, não vai haver uma
grande implicação na constituição das equipas. Já 2017 poderá ser um ano complicado, pois no nosso actual pelotão há 9
ciclistas que irão cumprir 28 anos nesse ano.”
“Contudo, quero
salientar que esta é uma medida pela qual a Associação se bate contra há muitos anos,
desde o tempo em que Paulo Couto era Presidente da APCP. Aproveito para
relembrar os ciclistas que é importante que haja união e que não estejamos a
pensar nisto só quando fizermos 28 anos. Lembro-me de termos feito uma acção
durante a Volta a Portugal de 2012 e praticamente nenhum ciclista se dar ao
trabalho de marcar presença. Hoje, alguns desses ciclistas já estão
a ser afectados por essa regra. Os ciclistas têm de ser mais solidários, têm de
pensar e agir como um todo. Se todos forem protegidos e se mantiverem unidos,
acabam por ter mais força e conseguir levar as coisas a bom termo.”
Outra questão
levantada nestes dias foi a eventualidade desta alteração poder entrar também
nas contas da constituição das equipas para a Volta a Portugal. “A propósito desta regra criou-se
uma grande confusão na opinião pública, porque a Federação Portuguesa de
Ciclismo apresentou aos directores das
equipas uma possível alteração a uma norma respeitante à Volta a Portugal e essa notícia
infelizmente andou em comentários públicos. Um director desportivo de uma
equipa lançou o tema para a opinião pública e criou uma enorme confusão, o que
para mim é uma atitude nada responsável. A atitude responsável seria falar com
as partes envolvidas, contactar a Associação de Ciclistas ou os ciclistas
representantes, que iriam pôr-me ao corrente da situação. No fundo, passou uma
confusão muito grande para a opinião pública e criou-se uma má imagem do nosso
ciclismo, totalmente desnecessária”, afirma Joaquim Andrade.
Quanto a mais
alterações, o Presidente da APCP salienta que “A principal mudança é com os
ciclistas neo-profissionais, que são os ciclistas com contrato profissional
pela primeira vez. O salário este ano era de 6.000 Euros e passa a ser de 7.500
Euros. É um passo em frente, já que no primeiro ano em que este salário foi instituído,
em 2013, era de 2.400 Euros. A Federação e a Associação
foram criticadas por isso, mas foi um começo, um incentivo para que as equipas estivessem
mais atentas aos jovens e lhes dessem mais oportunidades. Pouco a pouco, eles
acabam por ter um salário minimamente digno para que possam, num primeiro ano e
num primeiro contacto com os profissionais, estar ao abrigo das mesmas
condições e dedicar-se ao ciclismo. Todos nós queríamos que fosse mais, não só
para os neo-profissionais mas para todos. Atendendo à realidade do momento que
se vive, penso que é aceitável. É preciso é que as equipas cumpram esses
salários mínimos e que os ciclistas não aceitem outros valores. Se aceitam
outros valores, é responsabilidade sua. Se mantiverem a união e fizerem valer
os seus direitos, de certeza que as equipas acabarão por respeitar esses
salários mínimos.”
No fecho da
conversa com Joaquim Andrade, quisemos a sua perspectiva relativamente ao
estado do ciclismo português. “Nos últimos anos, o ciclismo tem vivido os
piores tempos da sua história mais recente. Tem havido pontos positivos, como o
afirmar do ciclismo português a nível internacional. Apesar de serem poucos
ciclistas a competir no estrangeiro, esses poucos têm dado bem conta do recado
e têm conseguido resultados importantes, o que acaba por ajudar quem está cá
dentro. Este último ano houve um incremento importante de competições
internacionais e que tudo aponta para terem continuidade em 2016. Nos últimos dois
anos houve um crescimento de equipas, passando de 4 para 6 equipas continentais.
Estes sinais positivos levam-me a crer que estamos no caminho certo."
"O menos
positivo tem sido o pouco investimento das marcas no ciclismo. Tem havido um
afastamento principalmente a nível de equipas, onde os patrocínios são escassos
e a verba que disponibilizam é muito pequena. Infelizmente, somos muito
afectados, porque as equipas não têm receitas, vivem pura e simplesmente dos
seus patrocinadores e cada vez que um patrocinador sai ou faz um corte na verba
isso vai logo afectar toda a gente e com implicações muito grandes. O nosso
desporto está muito centrado no futebol e as firmas fazem investimentos, alguns
sem qualquer tipo de retorno, em qualquer evento ou equipa de futebol. Seria bom
que a mentalidade da nossa sociedade e das nossas empresas mudasse um pouco e
que se apercebessem do grande retorno que o ciclismo dá. A prová-lo estão as
firmas que têm feito um maior investimento no ciclismo, todas elas têm-se dado
bastante bem e não estão nada arrependidas. Qualquer empresa que se alie ao
ciclismo, por um período mínimo de três anos, tem um enorme retorno garantido e
por uma verba bastante irrisória comparada a outro tipo de investimento que às
vezes são feitos.”
Neste tema,
Joaquim Andrade conseguiu uma importante parceria como director desportivo da
equipa de clube Moreira Congelados-Feira-KTM, esquadra de formação do Sport
Ciclismo São João de Ver. Esta parceria foi estabelecida com a Corso Sports, do
empresário português João Correia, com o fim desta empresa altamente conceituada
no meio mundial do ciclismo acompanhar a evolução dos jovens corredores lusos. “Por
vezes, estas situações estão baseadas em questões de confiança e amizade. Como
a que aconteceu comigo, o João Correia é um grande amigo meu e as coisas aconteceram.
É importante que estas ligações ajudem e possam dar o seu contributo para que
possa haver mais ciclistas portugueses a usufruir de uma oportunidade de entrar
no maior pelotão e nas melhores corridas do mundo. Somos um país com grande
tradição no ciclismo, mas a nível internacional somos um país que sempre esteve
bastante isolado. Hoje temos 13 ciclistas lá fora e mais uma série de
mecânicos, massagistas, directores desportivos. Penso que é importante essas
pessoas olharem para nós aqui em Portugal e não se esquecerem dos jovens que
estão a lançar agora as suas carreiras. É importante que dêem o seu contributo
para que possam haver mais portugueses nas estradas do mundo.”
Perante tanta notícia sensionalista e muitas vezes de desinformação nunca é demais salientar o trabalho aqui feito sempre na base de salientar o trabalho dos ciclistas em prol da modalidade com o cuidado de informar de uma forma isenta e responsável. Parabéns mais uma vez a quem entrevistou e ao entrevistado.
ResponderEliminarObrigada pelo constante acompanhamento do blog e do ciclismo português!
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