Bruno Pires é dos
nomes mais reconhecidos do pelotão nacional. Com uma carreira iniciada em
Portugal e engrandecida no estrangeiro, pedalou no WorldTour durante cinco
anos, na Leopard-Trek e Tinkoff, terminando a carreira no final de 2016, após
um ano na Pro Continental Team Roth. Em 2018, prepara-se para abraçar um novo
projecto e falou ao Cycling &
Thoughts sobre o adeus ao pelotão e a criação do “SenteSport by Bruno Pires”, onde dará vida a toda a experiência
adquirida nos anos entregues ao ciclismo profissional.
Um ano após a
despedida do ciclismo profissional, como olhas à carreira e a forma como
acabou?
“Penso que foi uma carreira bem conseguida. Tive momentos de
realizações pessoais e muitas conquistas pelas equipas. Realizei sonhos, como
passar a profissional na melhor equipa do país em 2004, ser campeão nacional,
correr nas melhores equipas do Mundo, ter dado o meu grão de areia na vitória
de uma grande volta e ter sido colega de equipa de uma lenda do ciclismo
mundial de todos os tempos (Alberto Contador). E outros que pensei realizar e
não consegui, como participar num Tour. A forma como acabou, não foi a que
desejava. No entanto, foi na corrida que me fez sonhar e lutar para fazer deste
desporto a minha profissão durante uma parte da minha vida, a Volta a Portugal.”
Ficaram mágoas ou
somente momentos bons?
“Felizmente, foram muitos mais os bons do que os maus
momentos, mas todos existiram e não se podem mudar. Não posso negar que a forma
como terminei a carreira me marcou bastante e ficou algum sentimento que podia
ter continuado mais um ano, pois tive resultados nesse ano que assim o indicavam.”
Correste em duas das
maiores equipas do WorldTour, Trek e Tinkoff.
O mundo de sonho que
transparece para o público é real ou há muito mais por detrás destes projectos
milionários?
“Nas melhores equipas do mundo há realmente muitas condições
de trabalho, mas também muita competitividade e necessidade de resultados. Os
grandes nomes têm outro tratamento em relação aos ciclistas com menos estatuto,
o que é normal, mas que por vezes é difícil aceitar e aí o problema é de quem
não aceita. Há muita ‘media’ à volta e, por vezes, passa a imagem que convém
ser passada. As condições desses projectos são um privilégio, mas faz falta
mais investimento e formação na área da alimentação/nutrição e na gestão emocional
e apoio aos seres humanos, que também são ciclistas. Não pode ser só as bicicletas,
a roupa e os treinos.”
Guardas amigos desses
anos?
“Felizmente, sim. Tenho a minha forma de estar na vida, por
vezes um pouco particular. É verdade que com o tempo perde-se um pouco a
ligação ou o contacto mais próximo, mas sempre que encontro ou falo com muitos
desses colegas, é sempre agradável. Passámos muitas horas e experiências
juntos, mantenho contacto regular com o Benjamim Noval e o Alberto Contador. Estive
o ano passado na casa dele em Madrid e vamos trocando mensagens. Com o Jesús Hernández
estive agora no curso de directores desportivos e revivemos umas histórias. Tenho
relação de amizade com o Tiago Machado, José Mendes e Sérgio Paulinho.”
O último ano foi na
Roth, que encerrou a equipa profissional no final da época 2016. Surgiram
convites para continuar na estrada?
“Não surgiram, pois esse ano muitos corredores tiveram que
terminar a carreira, lembro-me de serem mais de 100. E a nós, que nos comunicaram
em Outubro, ainda agravou mais a situação. Também não procurei muito, os
últimos meses tinham sido difíceis por um problema respiratório. Propuseram-me
continuar na Roth, mas tinha que ficar a viver na Suíça e o projecto não me
dava garantias de um bom calendário.”
Quando a carreira
acabou, o que ficou?
“Ficou a experiência, a informação, a visão do que deve e
não deve ser feito para se ter sucesso neste desporto tão duro e exigente, a nível
físico mas mais a nível mental. Ficaram amigos e pessoas de valor que nos
apoiam e motivam, ficou a forma do quanto se tem que ser determinado, mas ao
mesmo tempo flexível para nos podermos adaptar e seguir em frente. Também ficou
a sensação que vivemos durante um tempo uma experiência que não é real, sabendo
disso, mas não a sentimos enquanto estamos metidos na bolha. No entanto, é uma
experiência de vida, porque nos faz crescer e ver tudo de uma forma diferente.”
Mas não estás parado.
Continuas a pedalar e vem aí um novo projecto.
“No início foi um processo difícil, mas a bicicleta foi o
meu anti-depressivo, tal como a área que estou a estudar de Bioneuroemoção. Uma
área que me ajudou muito a despir a camisola, como costumo dizer, e perceber
que podia utilizar muito do aprendido. Assim, surgiu a ideia de juntar essa
informação a outras áreas que gosto e fizeram parte da minha vida, a alimentação
e o treino desportivo. Através de workshops e palestras, por Portugal e
Espanha, levo informação a todos os amantes de vida saudável e de desporto,
para que entendam facilmente o porquê das reacções que o corpo tem, pois as
três áreas estão completamente ligadas. Decidi chamar a este projecto
SenteSport by Bruno Pires, porque a alimentação e os treinos proporcionam
sensações físicas, mas também sentimentos e emoções.”
Foi difícil reinventar
após tantos anos dedicados ao ciclismo?
“Não tem sido fácil nem difícil… As coisas acontecem sempre por
alguma razão. Na maioria das vezes, o que fazemos é culpar os outros ou a nós próprios,
o que provoca apenas mais revolta e tristeza. Como atleta, era muito focado no meu
trabalho e descuidei alguns aspectos, que também fazem parte de um ser humano. Hoje
em dia, observo mais à minha volta sem julgar tanto, sabendo que tudo tem um
sentido e uma razão de ser. É um processo de mudança duro e espero que quando o
tenha integrado possa ajudar outras pessoas, que passam pelo mesmo que eu estou
a passar… o de nos reinventar e continuar a tirar o nosso potencial, porque
isso só depende de nós.”
SenteSport, by Bruno Pires |
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