Passamos em revista os cinco momentos-chave que, para o Cycling & Thoughts, marcaram a época lusa de estrada em 2022.
1. A QUEDA DA W52-FC
PORTO
Estávamos no final de Abril, numa das mais importantes
competições da época organizada por um dos principais meios de comunicação
social, o Global Media Group detentor dos jornais O Jogo, Jornal de Notícias,
Diário de Notícias e da estação de rádio TSF, apenas para abordar os mais
impactantes no mercado dos media. Na madrugada da penúltima etapa do Grande
Prémio O Jogo, acordou-se para uma dolorosa realidade: buscas no hotel onde
estava a equipa W52-FC Porto e buscas em casa dos ciclistas, a que se seguiram manchetes
nos jornais e destaque na televisão, que raramente o ciclismo consegue usufruir
ao longo da época. Não se pode dizer que nada fazia antever este
desfecho. Embora muitos dos rumores que pululam no seio do pelotão não passem
disso mesmo, rumores, neste caso sentia-se ao longo dos tempos uma assertividade
tão grande na base dos rumores, que fazia com que se temesse o pior dos
desfechos a curto prazo. Assim sucedeu e aqui não queremos escamotear a
situação, já por si bastante danificadora para o ciclismo, mas não podemos
fugir ao facto deste acontecimento ter mudado o panorama do ciclismo português,
um pouco à imagem do sucedido com as equipas LA-MSS e Liberty Seguros. Passado
uma década, vive-se novamente o turbilhão do doping, que não só prejudica a imagem da modalidade a nível
nacional e internacional como também, e principalmente, traz consequências ao
nível da saúde de quem faz uso de substâncias proibidas. Passou muito pouco
tempo para a memória se ter desvanecido, para não se perceber o dano causado ao
ciclismo, mas principalmente aos próprios ciclistas e suas famílias. Que legado
se quer deixar na modalidade, no mundo, na sua própria história enquanto pessoa
e enquanto profissional de ciclismo? É esta a pergunta que deixamos no ar, a fim
de consciencializar as mentes das gerações vindouras.
2. A DESPEDIDA DE
TIAGO MACHADO
Não é todos os dias que se assiste a uma despedida tão sentida como a que aconteceu no Troféu Joaquim Agostinho, bem diante da estátua do mítico e carismático Joaquim Agostinho. As lágrimas da já sentida saudade, a presença da família, o abraço dos colegas e a emoção no rosto de todos os presentes marcaram a cerimónia no pódio, onde Tiago Machado (Rádio Popular-Paredes-Boavista) subiu para vestir uma camisola amarela de homenagem à sua carreira e ao tanto que deu ao ciclismo. Machado espelha o que é a verdadeira alma do ciclismo, aquele ciclismo romântico de antigamente e que hoje já não se vê tanto nas estradas. O ciclismo de hoje é mais mecanizado, à base de números e watts. Antigamente corria-se mais com o coração e Machado espelhou isso mesmo ao longo de toda a sua carreira. O próprio afirmou que podia ter ganho mais se corresse com a cabeça e não tanto com o sentimento que pulsava a cada batida no seu peito. Mas será que seria recordado de igual forma? Talvez não. O fervor com que abordava cada corrida, a verdade nas palavras e no olhar no final das provas quando as coisas não corriam como desejava, o ímpeto com que se atirava de cabeça na manhã seguinte para novo treino… tudo isso fez de Tiago Machado um ciclista singular, que deixa saudades mesmo sabendo-se que irá continuar na modalidade, agora como coordenador da Academia Efapel junto aos mais jovens.
3. O TRI DE FREDERICO
FIGUEIREDO
Frederico Figueiredo (Glassdrive/Q8/Anicolor) conseguiu o que mais nenhum outro ciclista conseguiu até hoje, vencer por três vezes consecutivas o Troféu Joaquim Agostinho. A forma como venceu, no alto de Montejunto, uma corrida icónica, fazendo jus à sua qualidade inata de trepador, é certamente um dos pontos mais altos da sua carreira. “É um marco muito importante na minha carreira ganhar uma corrida como o Troféu Joaquim Agostinho, que homenageia um grande ciclista, e é uma corrida internacional importante no nosso calendário”, assim nos afirmou no início de Julho em entrevista ao Cycling & Thoughts. Frederico Figueiredo chegou à camisola amarela na última etapa, na já típica chegada em alto na Serra de Montejunto, diante da Paisagem Protegida, refúgio de inúmeras espécies de animais e plantas, constituída por um maciço calcário estremenho de formação jurássica e guardada pela Capela de Nossa Senhora das Neves. A sua retumbante vitória foi alcançada com quase um minuto de vantagem sobre os rivais. Não foi apenas o tempo que deixou marcada esta vitória, mas também a forma como o fez ao arrancar a 6 quilómetros do alto, em solitário, pedalando a subida ao seu ritmo, o qual se revelou impossível de acompanhar por parte dos mais directos adversários. Como na altura nos comentou, “a faltarem 500 ou 600 metros da parte dura da subida, arranquei e tentei fazer a diferença nessa parte mais inclinada, que é a parte que me favorece mais”. Lido assim até parece fácil, mas quem conhece aquela subida sabe o quão difícil é fazê-lo. Atrás de si seguiram-se na meta três corredores de ProTeams: Joan Bou (Euskaltel-Euskadi), José Manuel Díaz (Burgos BH) e Jonathan Lastra (Caja Rural-Seguros RGA). Desta forma, Frederico Figueiredo escreveu um dos mais belos momentos da sua história.
4. JOÃO MATIAS
APIMENTOU A VOLTA A PORTUGAL
Numa Volta a Portugal de fraca emoção na luta pela camisola amarela, um pouco do espectáculo da corrida foi salvo por João Matias (Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados) e o rival Scott McGill (Wildlife Generation), que mantiveram acesa a chama da camisola dos pontos e das chegadas ao sprint até ao cair do pano. Esta saudável rivalidade na estrada esteve ao rubro e deliciou os espectadores, graças à persistência do português de 31 anos, que não desistiu do sonho de erguer os braços na Volta a Portugal. No final, o placar contou com um empate em vitórias de etapa, duas para cada lado com Matias a vencer em Castelo Branco e Viseu, enquanto McGill triunfou em Elvas e na Maia. Já no que toca à camisola dos pontos, de cor verde como a esperança de um dia alcançá-la, o barcelense ainda chegou a vesti-la por dois dias, brigando pelos sprints intermédios no decorrer das etapas, para além dos óbvios finais ao sprint. Não foi por muito que a perdeu para McGill, ficando 22 pontos a separar o primeiro do segundo lugar. João Matias deu assim um tempero especial à 83ª edição da Volta a Portugal. Já o norte-americano de 24 anos ganhou uma passagem de duas épocas para a ProTeam norte-americana Human Powered Health.
5. GLASSDRIVE/Q8/ANICOLOR
VENCEU A VOLTA A PORTUGAL
Finalmente, após 10 anos de tentativas, a estrutura de Carlos e Rúben Pereira conseguiu conquistar a camisola amarela da Volta a Portugal. A Glassdrive/Q8/Anicolor insistiu, persistiu e em 2022 venceu a prova com Mauricio Moreira, que aos 27 anos se converteu no primeiro ciclista uruguaio a conquistar a rainha do ciclismo lusitano, precisamente uma década após o triunfo alcançado com David Blanco (em 2012 na designada Efapel), ciclista galego que até então tinha as mesmas quatro vitórias do campeão português Marco Chagas. Num ano não tão favorável, devido à lesão no joelho e por ter sido assolado duas vezes pela Covid-19, Mauricio fez o pai e ex-ciclista profissional Federico Moreira chorar de emoção no Porto, após vencer o contra-relógio final e subir ao mais alto lugar do pódio como vencedor da 83ª edição da Volta a Portugal. Não foi uma conquista fácil, não tanto pelos rivais, mas pela superioridade do companheiro de equipa Frederico Figueiredo, que viveu a sua melhor época e podia ter levado a camisola amarela para casa, não fosse ter mantido a palavra de não passar por cima dos seus princípios, deixando com tranquilidade a camisola seguir o seu rumo para o companheiro líder da equipa na Volta. O trepador luso podia ter ganho uma vantagem superior em etapas anteriores ao contra-relógio final, mas não o fez em proveito do colega. Os anos vindouros irão mostrar se esta foi a possibilidade mais próxima que teve de vencer a prova rainha lusa ou se poderá viver mais tarde este momento ímpar na carreira de qualquer ciclista português. Além da camisola amarela, Mauricio Moreira acabou por vencer duas etapas, uma delas a mítica Torre, na Serra da Estrela.
Não é todos os dias que se assiste a uma despedida tão sentida como a que aconteceu no Troféu Joaquim Agostinho, bem diante da estátua do mítico e carismático Joaquim Agostinho. As lágrimas da já sentida saudade, a presença da família, o abraço dos colegas e a emoção no rosto de todos os presentes marcaram a cerimónia no pódio, onde Tiago Machado (Rádio Popular-Paredes-Boavista) subiu para vestir uma camisola amarela de homenagem à sua carreira e ao tanto que deu ao ciclismo. Machado espelha o que é a verdadeira alma do ciclismo, aquele ciclismo romântico de antigamente e que hoje já não se vê tanto nas estradas. O ciclismo de hoje é mais mecanizado, à base de números e watts. Antigamente corria-se mais com o coração e Machado espelhou isso mesmo ao longo de toda a sua carreira. O próprio afirmou que podia ter ganho mais se corresse com a cabeça e não tanto com o sentimento que pulsava a cada batida no seu peito. Mas será que seria recordado de igual forma? Talvez não. O fervor com que abordava cada corrida, a verdade nas palavras e no olhar no final das provas quando as coisas não corriam como desejava, o ímpeto com que se atirava de cabeça na manhã seguinte para novo treino… tudo isso fez de Tiago Machado um ciclista singular, que deixa saudades mesmo sabendo-se que irá continuar na modalidade, agora como coordenador da Academia Efapel junto aos mais jovens.
Frederico Figueiredo (Glassdrive/Q8/Anicolor) conseguiu o que mais nenhum outro ciclista conseguiu até hoje, vencer por três vezes consecutivas o Troféu Joaquim Agostinho. A forma como venceu, no alto de Montejunto, uma corrida icónica, fazendo jus à sua qualidade inata de trepador, é certamente um dos pontos mais altos da sua carreira. “É um marco muito importante na minha carreira ganhar uma corrida como o Troféu Joaquim Agostinho, que homenageia um grande ciclista, e é uma corrida internacional importante no nosso calendário”, assim nos afirmou no início de Julho em entrevista ao Cycling & Thoughts. Frederico Figueiredo chegou à camisola amarela na última etapa, na já típica chegada em alto na Serra de Montejunto, diante da Paisagem Protegida, refúgio de inúmeras espécies de animais e plantas, constituída por um maciço calcário estremenho de formação jurássica e guardada pela Capela de Nossa Senhora das Neves. A sua retumbante vitória foi alcançada com quase um minuto de vantagem sobre os rivais. Não foi apenas o tempo que deixou marcada esta vitória, mas também a forma como o fez ao arrancar a 6 quilómetros do alto, em solitário, pedalando a subida ao seu ritmo, o qual se revelou impossível de acompanhar por parte dos mais directos adversários. Como na altura nos comentou, “a faltarem 500 ou 600 metros da parte dura da subida, arranquei e tentei fazer a diferença nessa parte mais inclinada, que é a parte que me favorece mais”. Lido assim até parece fácil, mas quem conhece aquela subida sabe o quão difícil é fazê-lo. Atrás de si seguiram-se na meta três corredores de ProTeams: Joan Bou (Euskaltel-Euskadi), José Manuel Díaz (Burgos BH) e Jonathan Lastra (Caja Rural-Seguros RGA). Desta forma, Frederico Figueiredo escreveu um dos mais belos momentos da sua história.
Numa Volta a Portugal de fraca emoção na luta pela camisola amarela, um pouco do espectáculo da corrida foi salvo por João Matias (Tavfer-Mortágua-Ovos Matinados) e o rival Scott McGill (Wildlife Generation), que mantiveram acesa a chama da camisola dos pontos e das chegadas ao sprint até ao cair do pano. Esta saudável rivalidade na estrada esteve ao rubro e deliciou os espectadores, graças à persistência do português de 31 anos, que não desistiu do sonho de erguer os braços na Volta a Portugal. No final, o placar contou com um empate em vitórias de etapa, duas para cada lado com Matias a vencer em Castelo Branco e Viseu, enquanto McGill triunfou em Elvas e na Maia. Já no que toca à camisola dos pontos, de cor verde como a esperança de um dia alcançá-la, o barcelense ainda chegou a vesti-la por dois dias, brigando pelos sprints intermédios no decorrer das etapas, para além dos óbvios finais ao sprint. Não foi por muito que a perdeu para McGill, ficando 22 pontos a separar o primeiro do segundo lugar. João Matias deu assim um tempero especial à 83ª edição da Volta a Portugal. Já o norte-americano de 24 anos ganhou uma passagem de duas épocas para a ProTeam norte-americana Human Powered Health.
Finalmente, após 10 anos de tentativas, a estrutura de Carlos e Rúben Pereira conseguiu conquistar a camisola amarela da Volta a Portugal. A Glassdrive/Q8/Anicolor insistiu, persistiu e em 2022 venceu a prova com Mauricio Moreira, que aos 27 anos se converteu no primeiro ciclista uruguaio a conquistar a rainha do ciclismo lusitano, precisamente uma década após o triunfo alcançado com David Blanco (em 2012 na designada Efapel), ciclista galego que até então tinha as mesmas quatro vitórias do campeão português Marco Chagas. Num ano não tão favorável, devido à lesão no joelho e por ter sido assolado duas vezes pela Covid-19, Mauricio fez o pai e ex-ciclista profissional Federico Moreira chorar de emoção no Porto, após vencer o contra-relógio final e subir ao mais alto lugar do pódio como vencedor da 83ª edição da Volta a Portugal. Não foi uma conquista fácil, não tanto pelos rivais, mas pela superioridade do companheiro de equipa Frederico Figueiredo, que viveu a sua melhor época e podia ter levado a camisola amarela para casa, não fosse ter mantido a palavra de não passar por cima dos seus princípios, deixando com tranquilidade a camisola seguir o seu rumo para o companheiro líder da equipa na Volta. O trepador luso podia ter ganho uma vantagem superior em etapas anteriores ao contra-relógio final, mas não o fez em proveito do colega. Os anos vindouros irão mostrar se esta foi a possibilidade mais próxima que teve de vencer a prova rainha lusa ou se poderá viver mais tarde este momento ímpar na carreira de qualquer ciclista português. Além da camisola amarela, Mauricio Moreira acabou por vencer duas etapas, uma delas a mítica Torre, na Serra da Estrela.
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