O Cycling &
Thoughts entrevistou em exclusivo Joaquim
Andrade, presidente da APCP – Associação Portuguesa de Ciclistas
Profissionais e director desportivo da equipa sub-23 Moreira Congelados-Feira-Bicicletas Andrade, do clube de formação Sport Ciclismo São João de Ver.
Na entrevista concedida aquando da realização da Volta àsTerras de Santa Maria, Joaquim Andrade falou ao Cycling & Thoughts sobre o crescente papel assumido pela CPA – Cyclistes Professionnels Associés e pela APCP no ciclismo; o calendário português de estrada e as recentes subidas de escalão de provas como a Volta ao Algarve e a Volta ao Alentejo; as razões da não subida de escalão da Volta a Portugal; a qualidade do pelotão nacional e a entrada de ciclistas lusos no pelotão internacional; o comando desportivo do Sport Ciclismo São João de Ver; os objectivos que quer ver cumpridos num futuro próximo no ciclismo.
Na entrevista concedida aquando da realização da Volta àsTerras de Santa Maria, Joaquim Andrade falou ao Cycling & Thoughts sobre o crescente papel assumido pela CPA – Cyclistes Professionnels Associés e pela APCP no ciclismo; o calendário português de estrada e as recentes subidas de escalão de provas como a Volta ao Algarve e a Volta ao Alentejo; as razões da não subida de escalão da Volta a Portugal; a qualidade do pelotão nacional e a entrada de ciclistas lusos no pelotão internacional; o comando desportivo do Sport Ciclismo São João de Ver; os objectivos que quer ver cumpridos num futuro próximo no ciclismo.
A CPA tem aumentado o
seu raio de acção no ciclismo, intervindo num maior número de questões
relativamente aos direitos dos ciclistas bem como à sua segurança em prova.
Joaquim Andrade revelou o nome de um dos máximos responsáveis por esta mudança.
“O papel da CPA tem
vindo a crescer, principalmente pela entrada de novos países e por uma maior colaboração
com os ciclistas no activo, em particular Adam Hansen [ciclista australiano
de 35 anos da Lotto Soudal], que tem sido
interlocutor e tem tido um papel activo na CPA. O programa que temos de
auscultação na CPA, para saber a opinião dos ciclistas, foi criado por Adam
Hansen e é ele quem faz a gestão desse programa, onde todas as perguntas têm um
carácter anónimo. Nem sequer na CPA se sabe quem respondeu e tem uma precisão
notável, porque cada ciclista só pode responder uma vez e tem completa
confiança que ninguém vai saber que foi ele quem respondeu. Isso acaba por lhes
dar outra liberdade, porque a opinião dos ciclistas na imprensa muitas vezes não
tem nada a ver com o que eles pensam na realidade, porque são pagos por essas
marcas e numa questão de defesa não podem estar a dizer coisas que podem ir contra
aquilo que a marca quer. Principalmente na questão dos travões de disco, onde
os ciclistas nem sempre dizem aquilo que pensam. Cada vez mais vemo-los a afirmarem-se,
mas muitas vezes há interesses que colidem e esse programa é uma forma de
contornar essa prisão a que os ciclistas estão sujeitos, porque são
profissionais e pagos por empresas. O Adam Hansen empenhou-se a sério nesse
sistema e tem dado um grande contributo.”
Na actualidade, o
papel da CPA tem sido mais visível em questões como o protocolo das condições
meteorológicas extremas, os travões de disco e a colocação de delegados
representantes dos ciclistas em todas as corridas WorldTour. Mas há muito mais em curso.
“Há muitos outros
assuntos. Um que tem estado muito em voga é o Acordo Paritário para as Equipas
Continentais e WorldTour. As coisas estavam bem encaminhadas, mas a Associação
de Equipas não quis aceitar e ficámos num impasse. Não sei como vai terminar,
mas tem sido uma grande batalha. O Acordo Paritário tem a ver com as condições
de trabalho dos ciclistas dessas equipas, desde salários ao pagamento de
deslocações que têm de fazer, ao nível dos seguros e a cobertura a que estão
sujeitos. Tem vindo sempre a incrementar e o último grande objectivo era
aumentar um pouco essas condições, mas não foi possível, porque a Associação de
Equipas não quis aceitar. Esperemos que as coisas possam ir no bom caminho e
que possamos chegar a consenso.”
Como presidente da
APCP, Joaquim Andrade fez um trabalho notável a nível internacional, entre
outros temas, no que toca à Regra dos 28 anos, bastante castradora para um país
como Portugal, que tem visto um número de ciclistas terminar as suas carreiras
de forma precoce por não ter lugar no pelotão. Joaquim Andrade batalhou nas
instâncias internacionais para fazer cair essa Regra, conseguindo-o fazer,
embora a Federação Portuguesa de Ciclismo ainda não tenha deixado cair a Regra
este ano.
“Não caiu este ano e
eu percebo um pouco as razões pelas quais não tenha caído. Embora não concorde
com elas, tem a ver essencialmente com o caso de Espanha ter mantido a mesma
Regra. Foi um pouco como uma defesa para que os ciclistas espanhóis, que não
conseguem colocação lá, não venham todos aqui parar a Portugal, impedindo que
alguns ciclistas portugueses possam ter um lugar nas equipas. Tem um pouco a
ver com isso, embora publicamente as pessoas não o tenham dito directamente.
Penso que Espanha tem de dar um passo em frente e acabar com essa Regra. Estou
convencido que no próximo ano essa Regra terá que cair por terra, até porque no
fundo é anti-regulamentar e não tem de ser aceite. Se uma equipa quiser
inscrever os ciclistas, a Federação não pode fazer nada, porque eles têm todo o
direito já que a UCI não impede que esses ciclistas sejam inscritos.”
Joaquim Andrade é um
dos maiores conhecedores do estado do ciclismo nacional. Tem um olhar atento
sobre o panorama actual e o calendário de estrada, que este ano já viu serem
canceladas as duas primeiras competições da Taça de Portugal, troféu que este
ano volta a reunir Elites e Sub-23, tendo este escalão de formação perdido a
sua Taça exclusiva.
“A nível profissional,
este ano o calendário teve uma melhoria, está melhor desenhado. Contudo, a
nível Sub-23 está mais pobre e esse é um ponto que tem de ser melhorado. Na próxima
época, os Sub-23 têm de ter alguma competição entre eles, principalmente pelos
mais jovens. Este ano houve uma grande quantidade de ciclistas a ascenderem do
escalão de Juniores para Sub-23, acabando por serem praticamente massacrados no
tipo de provas que tem havido este ano. As equipas profissionais, por força
desse mesmo calendário exigente, apresentaram-se numa condição muito superior à
que tinham apresentado nos outros anos.”
“A grande maioria dos
ciclistas Sub-23, se calhar 80% deles, são estudantes, têm a sua vida académica,
os Sub-23 de 1º ano normalmente estão no ano que entram na Universidade e não é
fácil baterem-se de igual para igual com ciclistas superiores, com outra
preparação, que são profissionais e só fazem aquilo. Eles não, eles têm de
dividir a sua vida na fase de formação e isso faz com que alguns acabem por
abandonar prematuramente. Se houver mais algumas provas… e não tem de ser uma
Taça Sub-23, até porque o ano passado não funcionou muito bem, competiram mas
não é uma prova que deixe grandes lembranças às equipas nem aos ciclistas. Mas têm
de se encontrar soluções. A nossa vizinha Espanha, principalmente a Galiza,
vive quase o mesmo problema que nós. Na Galiza só há duas corridas para o
escalão Sub-23 e mais duas corridas de um dia. Eu sei que na nossa apresentação da equipa de S. João de Ver houve conversações entre o presidente da Federação
Galega e o presidente da Federação Portuguesa para tentarem chegar a um
entendimento, que possam conciliar de forma a tirarem partido os dois dessa
lacuna que tem existido e que é importante colmatar.”
O calendário nacional
contou com algumas novidades em 2017, nomeadamente as subidas de escalão da
Volta ao Algarve e da Volta ao Alentejo, tendo a subida da Algarvia reunido
mais consenso do que a da Alentejana, prova que acabou por não trazer as
equipas internacionais esperadas e retirou as equipas de clube lusas do pelotão.
“Sinceramente, acho
que quando se sobe de escalão é sempre positivo e benéfico para as equipas
portuguesas e para os ciclistas portugueses, porque quando conseguem vitórias têm uma pontuação maior. O que
seria importante era ter encontrado uma solução para os Sub-23 não terem aquele
período tão grande sem competição. Normalmente, a Volta ao Alentejo é uma prova
onde os ciclistas Sub-23 têm o objectivo de tentar aguentar e chegar até ao
fim. Retirando essa prova, se houvesse uma competição menor, nem que fosse só
de um dia só para eles, acabava por ser positivo e não se notava a paragem.
Assim, foi um espaço muito grande e, claro, a seguir a esse espaço ter de
competir com ciclistas profissionais, já com uma rodagem bem maior, acabou por
se notar ainda mais as diferenças existentes. Estou de acordo com a subida de
escalão, estou de acordo como foram encaixadas no calendário, não estou tanto
de acordo com os Sub-23 terem estado tanto tempo sem competir.”
A Volta a Portugal
também tentou subir de escalão, o que não foi conseguido. Joaquim Andrade
apontou as razões.
“Primeiro, tem muito a
ver com o número de dias que a competição tem. A União Ciclista Internacional
não é muito apologista e não quer este tipo de corridas com tantos dias. A
Volta a Portugal, na minha opinião bem, quer manter o número de dias. Outro
facto tem a ver com um dos argumentos que a UCI deu, respeitante à Volta ter de
ter um pelotão com mais qualidade. É impossível ter um pelotão com mais
qualidade quando naquelas datas há uma série de corridas em que as equipas
WorldTour têm de estar presentes. Mesmo que queiram vir à Volta a Portugal, não
conseguem ter corredores para estarem aqui presentes. Claro, uma coisa leva a
outra e não podemos ter um pelotão mais competitivo se as equipas que poderiam
tornar esse pelotão mais competitivo têm outras provas em que são obrigados a
competir.”
“Inclusive a Volta a Colômbia,
este ano sinceramente não verifiquei no calendário, o ano passado foi alterada
e coincidiu com a Volta a Portugal, onde vinha sempre alguma equipa colombiana
e também eles não puderam vir. Acho que para podermos ter um pelotão mais
competitivo é preciso haver uma salvaguarda da Volta a Portugal e que não coloquem
tantas provas na mesma data da Volta, porque assim é impossível.”
Falando em qualidade,
o pelotão nacional tem sofrido um aumento de qualidade nos mais recentes anos
com vários rostos visíveis, entre eles os de Amaro Antunes e Joni Brandão. Os
ciclistas portugueses têm conseguido fazer valer essa qualidade e, alguns
deles, encontrar um espaço no pelotão internacional. Será agora mais fácil sair
de Portugal para o mundo?
“Nunca é fácil dar o
salto para as grandes formações, mas nunca houve uma quantidade tão grande de
ciclistas a conseguir dar o salto. E agora cada vez mais jovens, o que é um
ponto positivo. Penso que isso será um crescendo, porque está mais que visto
que em Portugal há muita qualidade, só não vê isso quem não quer ver.”
“Em Portugal, o número
de Sub-23 deve rondar os 60 a 70 ciclistas, enquanto em Espanha devem ser 1000
ou mais. A percentagem de ciclistas que conseguimos meter no WorldTour, apesar
de diminuta, é muito grande principalmente tendo em linha de conta que não temos
nenhuma equipa do escalão Profissional Continental nem WorldTour, além do
calendário ser muito caseiro. Esta quantidade de ciclistas que temos a nível
internacional é uma quantidade muito grande e cada ciclista português que dá o
salto nunca defrauda as equipas por onde tem estado. Lembro-me há uns anos
atrás, também eu fiz algumas tentativas com alguns directores para que ciclistas
pudessem ir para essas equipas e lembro-me que ficavam sempre muito apreensivos
e não tinham grande confiança no ciclismo português. Agora isso inverteu-se por
completo e cada vez mais os resultados obtidos pelos ciclistas portugueses têm
sido muito bons.”
“É pena que, além da
Volta a Portugal do Futuro, não tenhamos a nível de Sub-23 mais uma prova
internacional. Seria muito positivo e uma maneira de dar a conhecer o valor que
há na formação, porque um ciclista que não faça parte da Selecção Nacional,
dificilmente consegue estar nas provas que são a montra do ciclismo de formação.
Numa Volta a França do Futuro, quando temos entrada, correm seis corredores e é
difícil, porque nós temos mais do que esses corredores com qualidade, mas
normalmente essas equipas quando procuram um ciclista andam um pouco à procura
dos resultados desse tipo de provas. A Volta a Portugal do Futuro, apesar de
ser internacional, acaba por não ter ainda grande peso e, por essa razão,
gostava que houvesse mais uma prova internacional… Quem sabe um dia a Volta às Terras de Santa Maria consiga também ascender a esse escalão, é um sonho que
iremos tentar a breve prazo e seria uma forma de dar a conhecer a boa qualidade
que existe em Portugal.”
Com uma larga
experiência como director desportivo no escalão de formação, Joaquim Andrade chegou
há poucos anos ao Sport Ciclismo S. João de Ver e fez-nos um balanço da estadia
iniciada em 2015.
“Tem sido bastante
positivo. Encontrei bastantes dificuldades, encontrei uma equipa completamente
desbaratada, onde os melhores valores que existiam saíram todos. Mas tenho
vindo a construir ciclistas, que ninguém conhecia, e que quando chega ao fim do
ano fico sem eles outra vez. É bom sinal, é sinal que as coisas têm funcionado
bem e quando as pessoas acreditam no trabalho que fazemos normalmente chegam
longe. O difícil é fazê-las convencer disso, mas vamos dando um passo de cada
vez. Temos um grande projecto a nível de escolas, onde há uma grande qualidade
por trás de todos os escalões que temos e é um trabalho que tenho feito em
conjunto. Ao contrário do que acontecia anteriormente, agora há uma maior
interacção entre nós e penso que deste leque de 50 ou 60 ciclistas, que tem
passado quase todos os anos por nós, uma grande percentagem deles serão daqui a
uns anos nomes maiores do nosso ciclismo.”
Uma estrutura como o
Sport Ciclismo S. João de Ver, iniciado em 1995 e que abarca todas as camadas
de formação desde Escolinhas a Sub-23, requer muito empenho e trabalho para se
manter na estrada ao longo de tantos anos. Joaquim Andrade falou-nos sobre as
maiores dificuldades em manter as equipas no activo.
“As maiores
dificuldades são financeiras. Nós temos onze viaturas sempre na estrada e quem
tem carro sabe o que isso custa, desde combustível, portagens, seguros, só aí
vai uma grande quantidade de dinheiro. Se quiséssemos desistir de alguns
escalões e concentrarmo-nos num só escalão, se calhar tínhamos a melhor equipa
do país, mas o nosso objectivo não é esse. O nosso objectivo é fazer com que haja
um grande número de jovens que sonham ser ciclistas que o possam ser e, se não
forem ciclistas, pelo menos que vivam a fase da adolescência feliz e que sirva
de escola para o resto da vida.”
“Constantemente, encontramos
ex-ciclistas nossos que agora estão noutras funções e a grande maioria deles
estão muito bem encaminhados na vida. Todos reconhecem que o tempo aqui passado
contribuiu em muito para esse facto e isso é o que nos faz continuar a lutar,
tentar melhorar as condições financeiras e conseguir mais apoios, o que não é
fácil dada a visibilidade de uma equipa de formação não ser assim tanta. Apesar
de estarmos no norte, centro e sul do país, como aconteceu ainda na semana
passada, nós estamos mais concentrados a nível local. As empresas que têm
trabalhado connosco, como a Moreira Congelados, não se têm queixado, porque têm
tido uma grande visibilidade, principalmente agora que a Moreira é o nome
principal da equipa, acabando por reconhecer que temos dado um grande
contributo para o crescimento que têm tido na empresa.”
Joaquim Andrade tem
uma ligação de vários anos ao ciclismo, passando pelo pai Joaquim Andrade vencedor
da Volta a Portugal em 1969, até ao próprio Joaquim manter o recorde do
Guinness com o maior número de Voltas a Portugal disputadas (21). Apesar das
dificuldades que enfrentou ao longo da sua carreira de ciclista profissional e
actualmente como director desportivo e presidente da APCP, o laço de ligação
permanece forte ao ciclismo e explicou-nos o porquê.
“É a paixão, o gostar
de ciclismo. Quando nos metemos numa coisa, e toda a minha vida fui assim, não
gosto de deixar a meio. Se conseguisse acabar tudo o que tenho em mente, todos
os projectos, se calhar chegava ao fim e podia parar. A maior parte dos
objectivos que tracei não foram cumpridos e é essa persistência de tentar
chegar lá, de tentar alcançar a maioria deles. Mas acima de tudo é a paixão
pelo ciclismo, que desde muito pequenino me tem acompanhado.”
A finalizar a
entrevista, quisemos desvelar alguns desses objectivos ainda não cumpridos.
“São muitos… acima de
tudo, o principal, gostaria de dar o último passo neste clube e fazer com que
venha a ter também uma equipa continental, que poderá ser com uma grande
maioria de ciclistas jovens e que façam a ponte e a travessia de Sub-23 para
Profissional. Também ter a nossa Volta às Terras de Santa Maria na categoria
internacional do escalão Sub-23 e muitos mais... Há muitas coisas que nos vão
surgindo no dia-a-dia, vamos idealizando e que de um dia para o outro mudam,
mas temos de andar conforme a corrente.”
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