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Daniela Reis e o reerguer do ciclismo luso feminino

O ciclismo feminino luso tem sofrido inúmeros avanços e recuos, não deixando uma clara visão de como se encontra actualmente… se a avançar ou a retroceder. Reflexo disto, a constante resposta das atletas lusas à pergunta sobre o estado do ciclismo feminino em Portugal… “não existe”. Embora se perceba a afirmação, pois profissionalmente não existe, acreditamos que existe em cada uma das atletas que se debate diariamente pela igualdade de oportunidades dadas à modalidade no masculino. Cada uma tem contribuído para trazer uma esperançosa luz ao fundo do túnel, como a mais recente atleta internacional Daniela Reis.

Ao longo dos anos, Portugal tem tido ciclistas femininas capazes de rivalizar com os maiores valores internacionais, se para tal existisse uma estrutura sustentada da modalidade no país, pois qualidade é o que não falta. Daniela Reis é um desses talentos capazes de brilhar nos mais altos palcos do ciclismo mundial. A actual campeã nacional de fundo e contra-relógio cumpriu este ano a primeira temporada no pelotão internacional. Pela equipa francesa DN17 Poitou-Charentes competiu maioritariamente no calendário francês e português, sobressaindo nas Taças de ambos os países. Na Taça de França obteve o 4º lugar na geral e 3º em sub-23, conquistando o troféu em Portugal ao vencer quatro das cinco provas pontuáveis. Se a nível nacional o seu talento era reconhecido, além-fronteiras não passou despercebido sendo considerada a revelação do ano no ciclismo francês. Uma distinção assinalável para a corredora de 22 anos.


Precisamente no dia do seu aniversário, a 6 de Abril, Daniela alcançou a primeira vitória internacional no Prix de la Ville du Mont Pujols, um triunfo isolado na meta ao fim de 116 km e 2h55m53s. O ano da estreia internacional revelou-se brilhante para uma atleta a competir entre elites no seu último ano de sub-23. Entre as mais conceituadas atletas do mundo conquistou o 16º lugar no Madrid Challenge by La Vuelta, terminou em 24º o Campeonato da Europa e em 83º o Mundial em Richmond, entre as 135 corredoras que o disputaram e 88 que chegaram à meta. Entre outros resultados destaca-se o 14º lugar no Grand Prix de Plumelec-Morbihan Dames, 14º na prova de fundo dos Jogos Europeus em Baku, 24º na Classique Morbihan, 29º no Trophée d’Or Féminin e 31º Tour de Bretagne Féminin.

Daniela Reis vai subindo degraus extremamente difíceis de escalar no ciclismo feminino, para mais conhecendo a flagrante disparidade existente entre a competição portuguesa e a vivida no estrangeiro. Começar aos 16 anos na pequena equipa de formação ACD Milharado e estar aos 22 anos numa equipa francesa é uma proeza e, acima de tudo, uma demonstração da crescente qualidade da ciclista lusa nascida na terra do grande e carismático Joaquim Agostinho, Torres Vedras.

Numa altura em que se refere o crescimento do número de atletas federadas, mas que na estrada não se reflecte numa aposta realística na promoção, desenvolvimento e crescimento do ciclismo feminino em Portugal, mostra-se necessária a realização de um trabalho de fundo com vista a cativar a atenção para a vertente, tanto a nível de atletas como a nível mediático. Longe de ser uma tarefa fácil, dadas as dificuldades pelas quais passa igualmente a vertente masculina, não se pode deixar passar mais esta oportunidade de ter uma atleta a ganhar notoriedade no estrangeiro e nada fazer na reestruturação do ciclismo luso feminino. Um trabalho que deve passar primeiramente por incutir o gosto pela modalidade nas camadas mais jovens, o simples desfrutar da bicicleta sem pressa nem pressão, deixando a evolução natural da atleta coincidir com a maturidade que só a idade traz para se entregar à competição. Se passamos as etapas naturais do crescimento, perdemos irremediavelmente futuras atletas de alto valor desportivo.

Diversos nomes marcam momentos importantes na história do ciclismo português, sendo esses rostos uma mais-valia na construção de uma estrutura sustentada da modalidade, que leve à essencial constituição de equipas femininas de estrada, uma lacuna importante na realidade nacional. Daniela Reis pode ser um modelo actual de encorajamento e motivação para inúmeras jovens, que começam a olhar o ciclismo mais a sério, bem como os seus resultados interligados à crescente relevância do ciclismo feminino mundial podem servir de estímulo ao patrocínio da modalidade. Para pensar na forma como a desenvolver, torna-se primordial a experiência vivida na pele, mais ainda se vivida no âmbito nacional e internacional. Esta experiência pode ser a peça-chave para o tão desejado desenvolvimento do ciclismo feminino no país, pois ela abarca um conhecimento real das dificuldades e necessidades inerentes. Atletas como Isabel Caetano, com uma carreira invejável, experiência e visão internacionais, podem ajudar a estruturar o ciclismo feminino português de forma a não se perder num ano o que tanto custou a ganhar nos anos anteriores.

Por tudo o que alcançaram as anteriores e actuais atletas, há que agarrar esta chama de atenção ateada por Daniela Reis e pedalar para reerguer o ciclismo feminino em Portugal.

Comentários

  1. Excelente artigo.Mais uma vez de relevar o trabalho que faz em prol dos protagonistas e da modalidade.Este blogue está naturalmente de parabéns.

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  2. Enorme aplauso para a Daniela, mas tb para a autora deste blog fantástico! Bem haja!

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