Avançar para o conteúdo principal

Depressão, quando o ciclismo nos devolve à vida

A depressão é como uma caminhada que estás a fazer e, de repente, deixas de ter caminho para percorrer. Pura e simplesmente cais num buraco profundo e sombrio, no qual não vês saída, muito menos encontras qualquer tipo de motivação para tentar sair dele. Como tão bem Justin Coulson descreve no seu artigo de Novembro no site Cycling Tips, “Para quem nunca experienciou a depressão, é quase impossível de entender. (…) Queres escalar as paredes, mas a procura de motivação para começar a escalar deixa-te a sentir vazio. O cinzentismo gradual de tudo o que importa deixa a pessoa deprimida a sentir nada. Apenas desespero.”

Neste artigo intitulado “Cycling and depression: can riding help beat the ‘black dog’?”, o qual aconselho a leitura completa [aqui], aborda-se a relação existente entre o exercício físico e a saída do estado depressivo, mais particularmente através da prática do ciclismo. Também apresenta casos reais nos quais o ciclismo foi peça fundamental na ajuda a sair da depressão. Falar deste tema continua a parecer um pouco tabu nos dias de hoje, principalmente para quem o vive na pele. Não é fácil assumir o problema, muito menos identificá-lo na própria pessoa. Na generalidade, as pessoas sentem tristeza e associam a depressão, o que está totalmente longe da realidade. A depressão vai muito para além da tristeza momentânea e pode ser desencadeada quando menos se espera e por qualquer factor menos positivo sucedido na vida de cada um. Quando isso sucede, não sabemos lidar com o que estamos a sentir, procurando esconder dos outros e de nós próprios o que está a acontecer. Até que se torna impossível continuar a ocultar a razão pela qual já não somos a mesma pessoa que costumávamos ser e o porquê de se ter apagado o sorriso tão característico do nosso eu. Tudo se apaga no nosso interior e ao nosso redor, restando somente um vazio impossível de preencher.

O primeiro passo, talvez o mais difícil e fundamental de todos, é assumir para nós próprios o problema, dizer a nós próprios ‘tenho depressão’. Pode demorar uma eternidade até conseguirmos dar este passo, mas quando o conseguimos é como um recomeço da nossa vida, já que a sensação que se tem é literalmente a de voltar a aprender a ‘andar’ na vida. Depois vem o assumir perante quem nos é próximo, muitas vezes a quem restou daqueles que não quiseram ver ou entender o processo pelo qual estamos a passar. E bem mais tarde, assumir perante a sociedade, que tantas vezes nos fecha portas, porque simplesmente é mais fácil viver com isto não vivendo. É irónico, não é?

Ao assumir aqui o meu caso pessoal perante quem me lê, os meus leitores que são sem dúvida pessoas importantes no meu percurso, é um risco que corro e quero correr para me libertar cada vez mais desta amarra que percebi existir há já 8 anos. O porquê de escrever agora relaciona-se com o referido artigo, pois no meu caso particular também o ciclismo foi fundamental em todo o processo, não a pedalar na estrada mas sim conhecendo e escrevendo sobre este desporto. Em 2007 assumi para mim mesma o problema, mas somente em 2010 encontrei um ponto de motivação para querer escalar em definitivo as tais paredes que aos meus olhos pareciam intransponíveis. Nesse ano conheci a história de um ciclista profissional, embora bastante diferente do meu caso, que me ajudou a perceber que por mais difícil que pareça o caminho, ele é possível de ser percorrido se lutarmos e acreditarmos com todas as nossas forças, porque “Querer é poder”. Como é fácil entender, falo de Alberto Contador e de como a sua história de vida ajudou a mudar o rumo da minha.

A partir daí, desse simples momento de estar a ver uma corrida [o Tour de France de 2010] e querer saber mais sobre aquele determinado corredor, tudo se desenrolou sem eu dar bem conta de como vim parar ao ciclismo. Apaixonei-me ainda mais por este desporto, do qual só conhecia um pouco da realidade nacional, pelos seus protagonistas que trato por heróis, pois eles superam inúmeras adversidades na estrada como nós na vida, e as coisas sucederam-se até começar a escrever sobre este desporto. Reencontrei-me com o meu antigo eu, apaixonada pela escrita e pelo jornalismo, voltando a sentir o gosto pela vida e o delinear de novos objectivos. Tudo isto acompanhado pelo indispensável exercício físico e, apesar de não pedalar na estrada, colmatando com a bicicleta estática a promessa ainda não cumprida de aprender a andar de bicicleta. Não posso deixar de mencionar a companhia diária e incondicional da minha Mãe, fundamental e inestimável.

O artigo do Cycling Tips aborda ainda a outra ligação existente entre a depressão e o ciclismo, exemplificando com casos em que a alta competição leva o indivíduo ao estado depressivo. A pressão diária a que o ciclista está sujeito leva-o a perder o gosto com o qual se entregou inicialmente de corpo e alma àquela modalidade, podendo levar consequentemente ao abandono desportivo. No fundo, nunca se deve deixar chegar ao ponto limite de se estar a fazer algo, onde já não se sente aquele gosto inicial e somente a pressão de resultados está presente, pois perde-se a capacidade de atingir o que quer que seja de bom e o afastamento torna-se praticamente inevitável.

O ciclismo foi literalmente a minha motivação diária para voltar à vida, para voltar a sorrir. A bicicleta pode fazer o mesmo por vocês que me lêem e possam estar a passar pela mesma situação. A minha vida voltou a fazer sentido pedalando palavras e este pode ter sido o artigo mais difícil que escrevi até hoje.

(© Helena Dias)

Comentários

  1. Por mais sinuosos que sejam os caminhos quando se quer muito há sempre uma forma de ultrapassar os obstáculos e alcançar o que tanto desejamos.É preciso não desistirdos nossos sonhos a sua realização por vezes tarda mas um dia quando menos esperamos serão realidade. Mais uma vez parabéns pelo trabalho sério honesto e com muita qualidade e sobretudo pela coragem.

    ResponderEliminar
  2. Não o digo a muita gente, mas digo-o muitas vezes: de há muitos anos, tenho uma enorme dívida de gratidão com o Ciclismo. Durante pardos momentos da minha vida sempre tive a felicidade, mesmo competindo, de poder andar de bicicleta. Em relação a isso devo dizer, que sempre estive numa equipa com gente, que sabia e sabe, que muitas vezes, e para a maior parte dos jovens, andar de bicicleta é mais importante do que competir. Por isso mesmo, após encostar as rodas da competição (com resultados modestos... mas todos honestos) fui orgulhosamente dirigente dessa aparentemente pequena equipa durante mais 10 anos. Por isso mesmo, continuo, com prazer, a andar de bicicleta (não a estática!!). Por isso mesmo, vejo corridas (no local, sempre que possível) devoro livros, vídeos, fotografias, tralhas, tudo e mais alguma coisa sobre ciclismo, todo o ciclismo, e sobretudo, sendo discreto, gosto muito de ouvir pessoas. Bem ou mal, tanto faz. Bem, de preferência. Por isso mesmo, quando alguém do ciclismo e da bicicleta me pede alguma coisa, raramente digo que não. É o meu vício!

    ResponderEliminar
  3. Helena, obrigado por ter partilhado algo tão pessoal e tão difícil de mostrar aos outros.
    Espero que consiga superar na sua vida todas as paredes que aparentam ser intransponíveis, porque faz-nos falta os seus artigos (bem escritos) sobre ciclismo.
    Eu sou um amante do ciclismo de estrada, e fui até praticante federado durante uns 5 belos anos da minha vida. Atualmente uso a bicicleta apenas por lazer e para queimar umas gorduritas. Quando estou tenso ou preocupado com alguma coisa, então aí faço um treino mais duro e tento "descarregar" tudo na estrada. Aprenda a andar de bicicleta, vai ver que dá mais prazer do que a estática. ;)
    Tudo de bom!

    ResponderEliminar
  4. Tudo de bom Helena. Ainda bem que este maravilhoso desporto trouxe de novo a alegria de viver a vida! Tudo de bom e obrigado por continuares a escrever sobre esta paixão de tantos

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Artigos Mais Lidos

Apresentação Liberty Seguros/Feira/KTM 2014

Esta quinta-feira, a Biblioteca Municipal de Sta. Maria da Feira recebeu a apresentação do 6º GP Liberty Seguros/Volta às Terras de Sta. Maria e das equipas de formação Liberty Seguros/Feira/KTM do Sport Ciclismo S. João de Ver. Entre as personalidades presentes destacaram-se os patrocinadores das equipas, nomeadamente a Liberty Seguros, a KTM e a Câmara Municipal de Sta. Maria da Feira. Também não faltaram antigos corredores da casa, actualmente a pedalar no pelotão profissional nacional, entre outros o campeão nacional Joni Brandão, César Fonte, Edgar Pinto, Frederico Figueiredo, Mário Costa, Rafael Silva e o internacional André Cardoso. Nem o campeão do mundo Rui Costa faltou à chamada de um dos directores desportivos mais acarinhados no país, Manuel Correia, deixando em vídeo uma mensagem sentida de agradecimento pelo seu percurso e aprendizagem no clube. Precisamente de Manuel Correia surgiu o momento mais marcante da cerimónia, aquando do seu anúncio de fim de ciclo

Os velódromos de Portugal

Velódromo de Palhavã (© Arquivo Municipal de Lisboa) Em Portugal, o ciclismo já foi considerado o desporto da moda entre as elites. Para chegarmos a esse momento da história, temos de recuar ao tempo da monarquia, até finais do século XIX, para encontrar o primeiro velódromo em território nacional, o Velódromo do Clube de Caçadores do Porto , na Quinta de Salgueiros, não sendo a sua data totalmente precisa, já que a informação a seu respeito é muito escassa. Em alguns relatos, a sua inauguração data de 1883, enquanto noutros data de 1893.

Entrevista a Isabel Fernandes: “África leva-nos a colocar em causa as nossas prioridades de Primeiro Mundo”

O ciclismo apareceu na vida profissional de Isabel Fernandes em 1987 para não mais sair. De comissária estagiária em 1989, chegou ao patamar de comissária internacional dez anos depois, realizando diversas funções na modalidade ao longo dos anos, nomeadamente intérprete e relações públicas de equipas, membro da APCP (Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais) e da organização de várias provas como os Campeonatos da Europa e do Mundo, em Lisboa.