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Vítor Soares: “O que aqui é dito fica no segredo dos Deuses”

No decorrer da 81ª Volta a Portugal Santander, tivemos o privilégio de assistir a uma sessão de osteopatia de Vítor Soares com o corredor Jesus del Pino, da equipa Vito-Feirense-Pnb, após a terceira etapa, de 194,1 quilómetros, entre Santarém e Castelo Branco. Reconhecido como um dos melhores profissionais na sua área, Vítor Soares guiou-nos através das suas mãos pelo mundo da osteopatia aplicada ao ciclista.



Como tudo começou

“Trabalho no ciclismo desde o tempo do Joaquim Andrade [actual director desportivo da Vito-Feirense-Pnb]. Através de uma lesão que ele trouxe na altura, de jogar futebol na pré-época, consegui resolver-lhe o problema e, a partir daí, passei a tratar sempre do Joaquim até terminar a sua carreira de ciclista profissional.

“Através dele, vieram muitos outros… Carlos Pinho [actual mecânico da Vito-Feirense-Pnb e por duas vezes rei da montanha da Volta a Portugal], Carlos Carneiro, Cândido Barbosa, Filipe Cardoso, Rui Costa, o qual acompanhei três anos na Volta ao Futuro, André Cardoso, o nosso ciclista que foi injustamente castigado e que tenho tristeza por sermos um país pequeno, sem capacidade de combater aquilo a que se chamam injustiças. Também Manuel Cardoso, Bruno Pires e todos esses ciclistas, que andaram a correr lá fora, alguns ainda correm. Foi sempre de bom agrado e com um prazer enorme que trabalhei com eles, porque sempre me trouxeram uma resposta: «senti-me muito bem, senti-me leve, obrigado». Essas coisas a nós, profissionais, motivam-nos.

Vítor Soares com Joaquim Andrade na 81ª Volta a Portugal Santander

A osteopatia e o ciclismo profissional

“Com 55 anos, continuo a trabalhar com a mesma intensidade, com a mesma profundidade, a tentar saber mais para os ajudar, porque amanhã eles vão trabalhar mais uma vez e de uma forma muito forte e agressiva. Claro que, sem um grande espírito de sacrifício, eles não conseguiam fazer isso.

“Trabalho com eles, aparece o jantar e depois do jantar continuo a trabalhar. Digo a muitos massagistas que nós, quando entramos numa Volta a Portugal, seja até um Grande Prémio importante, vimos não para gozo, mas sim para ajudar os atletas. As noites não podem existir, tanto é que a mim ninguém me vê. Durante a noite, só se for no hotel, porque os ciclistas precisam ou porque além da massagem não chega a recuperação. Há sempre uma razão, há sempre um incómodo e nós temos de continuar a batalhar para que esse incómodo não exista no dia seguinte. É isso que eu acho que faz de nós grandes profissionais. Se não trabalharmos desta maneira, não justifica e não gostamos do que fazemos.

“Não gosto muito de protagonismos. As últimas três camisolas amarelas da Volta a Portugal e a do GP Nacional 2, que me ofereceram, nunca apareceram no facebook, porque não é isso que é importante. O importante é o reconhecimento e o respeito que os ciclistas têm por mim.




“O meu filho está no primeiro ano de osteopatia e penso que também vai ser um bom profissional. Isso é importante para mim, ter alguém que siga os passos de um pai. É um orgulho ter alguém que continue o que gostamos tanto de fazer.

“O trabalho que faço a nível de massagem inicia com óleos, para promover um pré-aquecimento, a fim de o atleta não sofrer tanto e, por norma, utilizo pouco óleo. De seguida, vou à parte faxial, ou seja, sem óleo e as mãos também sem muito óleo, o que faz com que haja um atrito maior entre a minha mão e a pele do atleta e, por assim dizer, acabo por manusear de uma forma correcta a parte muscular. Se colocarmos muito óleo há um deslizamento, não há atrito, e a parte mecânica que exigimos de nós relativamente às nossas mãos e ao próprio atleta não funciona.

“Relativamente à massagem em si, utilizo técnicas de massagem tailandesa. São alongamentos transversais, que não magoam o atleta e ao mesmo tempo promovem, no caso dos membros inferiores, um bom funcionamento da nossa zona sacro ilíaca que, por vezes, por uma anomalia ou má simetria, o atleta pode ter força maior numa perna do que noutra. Qualquer bloqueio no sacro que um atleta ou não atleta tenha, faz com que tenha menos capacidade num dos membros inferiores e, nesses casos, tentamos normalizar essas articulações, que são fundamentais para o atleta, que no dia seguinte tem algo de muito importante a fazer.

“Além disso, a nível de técnicas temos os chamados pontos energéticos em que colocamos o dedo, principalmente o polegar, ou também usamos acessórios que ajudam a não deteriorar tanto o nosso membro, nesses pontos e que, quando bem pressionados, vão enviar uma descarga eléctrica nos membros inferiores, principalmente nas zonas laterais da perna. Parece que não, mas o reconhecimento que o atleta tem em seguida é de se sentirem bem. Dói um pouco, mas vai aligeirar o desconforto que tem após de um grande esforço.

“Temos outras técnicas como a decoaptação lombar, que são esculpetações que fazemos da coluna lombar dorsal, porque o bloqueio de uma articulação facetária acaba por incomodar em demasia a zona lombar e um atleta não pode ir com dores em cima de uma bicicleta.




“Todas essas técnicas servem para que o atleta pense apenas em ter ou não capacidade de conseguir lá chegar. É importante que o atleta se sinta bem, chegue ao fim de cada etapa e diga: «Senti-me bem e só não consegui ir mais longe». Essa é a resposta que tem de me dar quando faço o meu trabalho. Só peço isso. Se há algo que não está bem, no dia seguinte estou aqui para tentar compreendê-lo e entender o porquê de alguma coisa não ter corrido bem a nível de lesão. Alguma coisa que se passe a nível de lesão, às vezes faço umas punções secas, com uma agulha de acupunctura. No caso de uma contractura muscular que surja, através de uma determinada técnica conseguimos resolver muito rapidamente esse desconforto que o atleta sente. Além disso, qualquer dor, qualquer manobra que eu faça a nível lombar, por exemplo um joelho, uma lesão do tendão rotuliano, trago sempre comigo as bandas neuromusculares que, bem aplicadas desde a sua origem à sua inserção, vão ajudar o atleta a sentir-se bem em cima da bicicleta.

“Depois, resta-me falar com eles, os desabafos também são bons. Costumo dizer que o melhor companheiro de um atleta é o massagista, o massoterapeuta, o osteopata. No meu caso, tenho várias variantes, que aplico em prol destes jovens guerreiros. Há muitos anos, num seminário em Cascais, um psicólogo já dizia: “Lembrem-se que o melhor amigo do atleta é o massagista. É lá que ele tem de ser tratado, que tem de ser recuperado, é lá que pode desabafar.” Claro, tem de confiar em nós. O que aqui é dito, não é dito em mais lado nenhum, fica no segredo dos Deuses.

“É esse o trabalho que faço. É o trabalho que gosto, em que me empenho e dou o meu máximo, seja até que hora for. O último a chegar poderá ser à meia-noite ou uma da manhã. Qualquer problema que haja, estou aqui para tratá-lo da melhor forma possível. Depois disso, é o bom resultado do dia seguinte e o bom resultado é só dizer-me que se sentiu bem. É o mais importante para mim. O bem-estar de cada um de nós, a nível desportivo, tem de ser dividido, ou seja, o troféu tem de ser um pouco dividido, porque senão fazem de nós um zé-ninguém, um inútil, e isso não pode acontecer. Também precisamos de um determinado carinho, que não passa por passarem-nos a mão no rosto. É sim apenas o reconhecimento. Uma palavra, um obrigado, é o suficiente para que nos sintamos bem por aquilo que fizemos pelo atleta.”


Vítor Soares com a equipa Vito-Feirense-Pnb na 81ª Volta a Portugal Santander

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