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Rui Costa: feitos inéditos, expectativas elevadas

O ciclismo português vem alcançando feitos inéditos nos últimos anos. Em todas essas conquistas, Rui Costa é protagonista na linha de meta, convertendo-se no mais recente herói da história deste desporto em Portugal.

Aos 28 anos, Rui Costa é dono de um palmarés invejável. Campeão do Mundo de Estrada em 2013, tri-campeão do Tour de Suisse, vencedor de três etapas do Tour de France, vencedor do Gran Prix de Montréal, 4 Jours de Dunkerque, Vuelta a La Comunidad de Madrid e Klasika Primavera de Amorebieta. Estas são algumas das suas vitórias mais emblemáticas às quais juntou, este ano, o majestoso triunfo da sexta etapa do Critérium do Dauphiné e o 3º lugar da geral. Esteve bem perto de outros pódios internacionais na presente temporada, nomeadamente o 4º lugar na Paris-Nice com o mesmo tempo do 2º classificado Kwiatkowski (EQS), 4º nas clássicas Amstel Gold Race e Liège-Bastogne-Liège e ainda 7º na Vuelta al Pais Vasco. Estes resultados elevaram-no actualmente ao 4º lugar do Ranking UCI WorldTour, atrás de Richie Porte (SKY), Alberto Contador (TCS) e o líder Alejandro Valverde (MOV). O segundo e mais recente triunfo de 2015 viveu no duro traçado dos Campeonatos Nacionais de Fundo, conquistando em Braga a almejada medalha de ouro.

Rui Costa (Lampre-Merida), Campeão Nacional de Fundo 2015
(foto Podium)
Vestir a camisola arco-íris em 2013 foi o ponto alto e de viragem na carreira do herói lusitano. Ciclista multifacetado e dono de uma inegável primazia na leitura de corrida, Rui Costa mudou dos ares espanhóis da Movistar Team para a brisa italiana da Lampre-Merida em 2014. Nesta esquadra assumiu o papel de líder, há muito desejado pelos fãs portugueses, que desde o desaparecimento do carismático Joaquim Agostinho sonhavam com um herói luso na frente das mais duras batalhas do ciclismo internacional.

A comparação parece inevitável aos olhos nacionais e internacionais, não sendo justa para ambas as personalidades em causa. Épocas distintas marcam um ciclismo igualmente distinto pedalado por dois ciclistas ímpares, cada um no seu momento da história.

Num passado não muito distante, o Portugal de Joaquim Agostinho traçava um país maioritariamente rural, muito fechado em si mesmo no pré-revolução de 1974, com escassa informação vinda do exterior, no qual o ciclismo e os seus heróis assumiam um papel de destaque a par do desporto rei –futebol–. Ao mesmo tempo que parte em busca da glória internacional, Agostinho contava com uma maré incrível de fãs que vibravam em Portugal com os seus triunfos nacionais, em particular as suas três vitórias [1970/71/72] na prova rainha Volta a Portugal, acrescentando o facto de fazê-lo por um dos maiores clubes nacionais de futebol, o Sporting. O antigo Estádio José de Alvalade transbordava de adeptos para receber na pista sportinguista o carismático ciclista que juntava às conquistas nacionais, entre elas Campeão Nacional seis anos consecutivos [1968-1973], inesquecíveis conquistas internacionais como as cinco etapas no Tour de France, onde ainda agarrou o 3º lugar do pódio final em 1978 e 1979, ano no qual aos 36 anos triunfou na mítica escalada de Alpe d’Huez e onde na 14ª curva tem honras de uma estátua em bronze em sua homenagem. Joaquim Agostinho foi único na sua época e o carinho do povo português não se apaga com o passar dos anos.

Também Rui Costa é único na sua época. O título de Campeão do Mundo deu-lhe um estatuto no pelotão internacional, que não mudou a sua forma humilde de ser e que conquista cada vez mais adeptos para a modalidade. Transforma cada vitória sua numa vitória de todos e isso é um catalisador inesgotável de atracção de fãs. Numa era marcadamente digital, é dos ciclistas que mais se preocupa com a proximidade com os seus seguidores, a quem chama amigos e não fãs. Pode parecer banal, mas todos os pormenores no seu conjunto fazem a diferença. Facebook, Twitter, Blogue, Instagram, Youtube e Google+ são plataformas por si utilizadas e onde tenta estar próximo de quem o admira. Sempre desdobrando-se em entrevistas com os media, de grande ou pequeno nome, sabe como ninguém trabalhar a parte mediática e que hoje é cada vez mais importante para um desporto que vive à base de patrocínios. Ao contrário de Agostinho, a sua heroicidade começou além-fronteiras num Portugal muito mais informado e urbano, onde o ciclismo perdeu as massas de outrora, nunca venceu a prova rainha portuguesa e desde cedo na sua carreira rumou ao pelotão internacional pela então denominada Caisse d’Epargne (2009). As multidões que sempre abraçavam Agostinho são difíceis de alcançar, tendo porém vivido momentos inesquecíveis no aeroporto de regresso a Portugal ou quando foi eleito por três anos consecutivos Atleta Masculino do Ano, as duas primeiras frente a um futebolista como Cristiano Ronaldo num país muito centrado no futebol, e mais recentemente condecorado pelo Presidente da República com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Agora, a conquista da camisola de Campeão Nacional acrescenta um brilho ainda maior ao palmarés memorável que vem pedalando.

Em 2014 pedalou o melhor início de temporada da sua carreira, não conseguindo contudo terminar o sonhado Tour de France por doença [uma broncopneumonia afastou-o da luta], ano em que se estreava como líder da esquadra Lampre-Merida. Em 2015 regressa à Grande Boucle com o mesmo papel de líder, mas vindo de uma preparação diferente. Longe do seu conhecido Tour de Suisse, com triunfo de cinco etapas e três vitórias consecutivas da geral, algo jamais alcançado por outro ciclista na história da prova helvética, Rui Costa tentou uma abordagem diferente ao Tour disputando o Critérium du Dauphiné. Em total consenso com a equipa, trocou o vitorioso terreno conhecido da Suíça pelo asfalto francês com o objectivo de melhorar a condição com que chega ao Tour. A mudança não correu mal… A vitória da 6ª etapa na meta de Villard-de-Lans – Vercors fê-lo subir de 22º para 2º da geral, depois de uma fuga de estrelas composta por Martin (EQS), Nibali (AST), Valverde (MOV), Gallopin (LTS) e o próprio Rui Costa, que ao final de 183 km de intempérie e seis subidas categorizadas alcançou o primeiro triunfo da temporada no difícil Dauphiné, onde apenas outro português de grande nome conseguiu tal feito, Acácio da Silva em 1988 na 4ª etapa de 195,8 km com final em Chambéry. E tal como Joaquim Agostinho, único português a alcançar o pódio no Dauphiné, 3º em 1980 e 2º em 1981, Rui Costa tomou para si o 3º lugar da geral, atrás do vencedor Froome (SKY) e Van Garderen (BMC).

Expectativas? Para os fãs e para o país são sempre elevadas, por força de todos os feitos inéditos que ofereceu a Portugal. Já Rui Costa é mais discreto na partilha de expectativas, focando sempre o ponto essencial de como corre a primeira semana do Tour. Este ano voltamos a ter aos primeiros dias uma etapa com 7 sectores de pavé num total de 13,3 km, além da incursão pelas estreitas estradas belgas e o Mur de Huy, momentos que o ciclista português assume como cruciais para terminar a primeira semana com muito ou pouco tempo perdido para os máximos favoritos Contador (TCS), Froome (SKY), Quintana (MOV) e Nibali (AST). A somar a essa dificuldade, dois contra-relógios, um individual e outro colectivo, que também marcarão diferenças. Depois, há que fazer frente às duas derradeiras semanas de brutais escaladas em plenos Pirenéus e Alpes. No menu de montanhas apresentam-se, entre outras, La Pierre-Saint-Martin [15,3km a 7,4% e máxima de 10,8%], Col d’Aspin [12km a 6,5% e máxima de 9,5%], Tourmalet [17,1km a 7,3% e máxima de 10%], Plateau de Beille [15,8km a 7,9% e máxima de 9,5%], Col de Glandon [21,7km a 5,1% e máxima de 11%], La Toussuire [18km a 6,1% e máxima de 9%], Col du Chaussy [15,4km a 6,3%], Col de la Croix de Fer [22,4km a 6,9% e máxima de 10%] e Alpe d’Huez [13,8km a 8,1% e máxima de 11,5%].

Uma 102ª edição da Grande Boucle que se mostra duríssima em todo o esplendor montanhoso que o Tour nos oferece. Extremamente focado e realista, Rui Costa é conhecedor do seu valor e dos demais contenders, aflorando nas entrevistas a mira apontada ao Top 10. O talento está lá e, degrau a degrau, vai construindo uma carreira que orgulha os portugueses.

______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

Comentários

  1. Excelente artigo.Parabéns.

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  2. Mt bem escrito...

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  3. Bom trabalho, Helena. Um artigo à tua altura. Cumprimentos :)

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    1. Muito obrigada Rui! Espero que seja à altura da qualidade do teu trabalho :)

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