“Tem sido uma viagem incrível”. Cadel
Evans descreve numa curta e simples frase os mais de 10 anos dedicados a fazer o que mais
gosta: pedalar. Através da bicicleta, oferecida pelo seu pai aos 14 anos, pôde sentir a
liberdade que o mountain
bike lhe proporcionava, levando-o a apaixonar-se definitivamente pelo ciclismo.
Ser ciclista tem dois lados. O lado das
viagens, do conhecimento de novas culturas e pessoas, das vitórias. Tem também o lado das
renúncias, das pressões, das escolhas, das derrotas. É um mundo repleto de expectativas sobre
aquele que é muitas vezes visto como uma máquina em cima de outra máquina, em
vez de se olhar ao ciclista em cima da sua bicicleta. E se falamos do Campeão
do Mundo e vencedor do Tour de France, a pressão torna-se ainda maior. Neste documentário,
Cadel Evans leva-nos numa viagem a esse mundo, mostrando como se chega ao
apogeu no ciclismo e como se lida com essa realidade.
Em 2009, quando venceu o Campeonato do
Mundo em Mendrisio, Suíça, o ‘Aussie’ Cadel atingiu um patamar que muito poucos
ciclistas logram alcançar. Os últimos 15 anos dedicados ao ciclismo pareceram ganhar
ainda mais vida no ataque aos 7 km finais, levando-o numa pedalada solitária, em
estradas por si bem conhecidas, até à meta onde o aguardava a camisola arco-íris.
Para descrever esse momento só consegue lembrar-se de uma palavra. Subir ao
pódio, tão perto da sua cidade adoptiva Stabio, e terminar o dia com a luzidia
medalha de ouro a resplandecer nas suas mãos, foi “surreal”. Apesar da grandeza
do acontecimento, Cadel sentia-se o mesmo corredor de sempre. No entanto, as
pessoas em seu redor passaram a olhá-lo de modo diferente, apontando que até a sua
forma de correr tinha mudado. Já ele sentia que as pessoas tinham mudado o comportamento
em relação ao recente Campeão do Mundo.
Foto: Getty Images |
O que fazer? Como lidar com esta
situação? Com treino e aprendizagem, que só se alcança com muito trabalho. Ao longo
da carreira, Cadel aprendeu que o psicológico pode ter um papel preponderante e
que não deve preocupar-se apenas com a forma física. Confessa ter aprendido a
tolerar a dor, a enfrentar o medo e a alcançar o sucesso com motivação e a
rodear-se de boas pessoas e de uma boa equipa. Estes mostraram ser elementos
essenciais para atingir a sua segunda grande conquista, o Tour de France.
Por dois anos consecutivos (2007 e
2008), a vitória esteve perto e o segundo lugar ficou sempre a saber a pouco. 2011
parecia ser o ano chave para o assalto ao primeiro lugar. Mas… estaria Cadel a
pensar na vitória? Não. O australiano tinha o pensamento apenas focado no processo
para chegar à vitória. Era esse o pensamento e não o objectivo final que
ocupava a sua mente no dia decisivo, o dia do contra-relógio individual. Cerca de
50 km resumiam os anos em busca do maillot
jaune. Quilómetro após quilómetro, tudo era esquecido: as pressões, os
medos, as dores antigas, um ou outro desentendimento momentâneo após as etapas com
a multidão faminta de jornalistas, com os quais algumas vezes não teve as
reacções mais correctas, como o próprio afirma. Mas naquele momento tudo se perdia na linha de horizonte do seu olhar. Ele tinha ganho o Tour e jamais esqueceria o momento
do hino australiano a ser entoado ao vivo nos Champs-Élysées.
E o que significou ganhar o Tour? “Eu não
sei ao certo”, responde Cadel. Talvez seja algo que leve anos a assimilar, tal
como a recepção apoteótica vivida na Austrália. Certeza, tem uma: “adoro andar
na minha bicicleta”. Por essa razão, quando terminar a carreira, quer apenas
ser lembrado como o corredor que deu o melhor de si a este desporto e às
equipas por onde passou. “Perdi muitas corridas, ganhei algumas corridas, mas dei
tudo o que pude e quando me reformar não quero ter nenhum arrependimento sobre
se deveria ter treinado mais ou corrido até mais tarde”.
Foto: AP |
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)
Comentários
Enviar um comentário