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Entrevista a Renato Ferreira: “Temos de encarar o BTT como tudo na vida, dando o máximo possível”



Conhecemos o nome de Renato Ferreira (Vasconha BTT Vouzela) aquando da sua conquista da Taça de Portugal de XCM, em 2017. Desde então, a forma apaixonada com que se entrega à bicicleta prendeu a nossa atenção.

Natural de Bucelas, Renato é licenciado em Ciências do Desporto, pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, tendo também o curso de massagista e auxiliar de fisioterapia. Com 29 anos de idade, une a profissão de professor de educação física à paixão pelo BTT, mais precisamente nas vertentes de XCO (cross country olímpico) e XCM (maratonas).

Foi ainda em júnior, no ano de 2007, que o BTT começou a fazer parte da sua vida e desde então não mais parou de pedalar. Em 2019, Renato cumpre o seu oitavo ano no escalão elite e foi com grande simpatia que nos concedeu uma entrevista, abordando a sua carreira desportiva.


Quando é que o ciclismo surgiu na tua vida?

“Não sei precisar ao certo. Já lá vão uns aninhos. Pratiquei várias modalidades, como o futebol [três anos no clube Os Bucelenses], mas nunca tive grande aptidão. O meu avô Vitalino foi ciclista do Benfica e o meu pai sempre gostou de ciclismo, de bicicletas, mas nunca teve oportunidade de ser federado, porque o meu avô faleceu cedo e ele teve de começar a trabalhar muito novo. Foi ele que começou a puxar-me para as bicicletas, para as voltas domingueiras e comecei a ganhar o gosto, principalmente pelo btt. Tínhamos um grupo de amigos que pedalava, pouquinho na altura, mas que nos motivava a sair de casa para pedalar. Sou federado há 11 anos, desde os meus 16, e comecei a pedalar com alguma regularidade há 13 ou 14 anos. Naquela altura era só aos fins-de-semana, mas foi aí que comecei a sentir o bichinho pela bicicleta.”

O que te cativa no btt?

“A técnica do btt e o envolvimento com a natureza. É mais técnico do que a estrada e isso cativa-me, mas principalmente o contacto com a natureza.”

Actualmente, estás na equipa Vasconha BTT Vouzela. Sempre estiveste inserido numa equipa?

“Desde federado, sim. Comecei no Belas, passei para a Volta da Pedra, em Palmela, depois para a equipa Carbom, de uma marca de suplementos sediada no Tojal, a equipa Saertex, de Viana do Castelo, e agora é já o terceiro ano que estou na Vasconha BTT Vouzela.”

Em comparação com a realidade da vertente de estrada, os atletas de BTT têm uma maior preocupação em arranjar patrocínios pessoais.

“A maior parte das equipas de estrada têm ciclistas profissionais ou atletas que ainda não são profissionais [sub-23], mas que têm um vencimento ao final do mês. No BTT não temos isso, ou seja, as equipas fazem grandes esforços para nos darem as melhores condições em deslocação, alimentação e estadia, mas depois não há mais do que isso. Se quisermos fazer provas internacionais, temos de ser nós a procurar alguns apoios individuais. A equipa onde estou inserido dá essa possibilidade de procurarmos os nossos apoios, a fim de assegurar melhores condições para os atletas.”

Já passaste pela experiência do ciclismo de estrada. Como foi?

“Não sei precisar o ano ao certo. Estava na faculdade e gostei, mas não tanto como de BTT. Na altura, como estudava e não queria deixar os estudos por causa do ciclismo, foi complicado, porque não me conseguia aplicar a 100% nos treinos e nas competições, em conseguia aplicar-me a 100% na faculdade. Foi uma altura difícil para tentar conjugar as duas coisas. Provavelmente, esse poderá ter sido um dos factores de não ter gostado tanto dessa vertente. E o bichinho do BTT já vinha de antes e continua a ser a minha paixão.”

Como são os teus dias?

“Os meus dias começam por levantar cedo para treinar e começar a trabalhar perto da hora de almoço. Tenho o curso de massagem desportiva, auxiliar de fisioterapia, e tenho um gabinete onde faço esse tipo de serviço. Também dou aulas de educação física no 1.º ciclo das Escolas do Agrupamento de Bucelas e, além disso, acompanho atletas na vertente de ciclismo e BTT, faço avaliações físicas e planificações. Portanto, o meu dia começa às sete da manhã e, muitas vezes, acaba às onze, meia-noite.”

Como manténs a forma?

“Tenho um planeamento, um plano de treino a seguir. Há dias em que o volume e intensidade são maiores, mas, como é óbvio, também há dias em que esses dois factores são mais reduzidos.”

É fácil conciliar a actividade profissional com o BTT?

“Não. Quem está nesta área sabe que este é um dos desportos mais exigentes, tanto física como psicologicamente. Andamos constantemente fatigados, pois a única forma de evoluir é dessa maneira. Portanto, ter os treinos e depois o trabalho, é complicado gerir essa situação, mas fazemos o melhor possível. E não são só os treinos, temos a parte da recuperação, do descanso. Uma coisa é conseguir arranjar tempo para treinar, outra coisa é arranjar tempo para descansar quando temos a vida profissional a seguir aos treinos.”

Qual foi a prova que mais te marcou?

“Seguramente, os Campeonatos Nacionais em que consegui sagrar-me campeão nacional. Já estou nesta vertente desde júnior e em sub-23 conquistei o Campeonato Nacional de Rampa, que é basicamente um contra-relógio sempre a subir, e o Campeonato Nacional de Meia-maratona, que foi uma vertente que houve naquele ano, na qual, em vez de fazermos uma maratona de 80/100 quilómetros, fizemos cerca de 40/50 quilómetros. Esses foram os dois momentos mais marcantes. Depois em elite, tive a conquista das provas da Taça de Portugal e, principalmente, a vitória da geral da Taça. Esse foi também um momento alto da minha carreira desportiva.”

(© Facebook Atleta)

E qual a prova que querias muito fazer, mas ainda não realizaste?

“Existem várias provas conhecidas mundialmente como sendo a Meca do BTT. São provas por etapas, como por exemplo a Cape Epic, que é uma das melhores provas a nível de organização, de visibilidade, das mais reconhecidas e onde estão presentes os melhores atletas de todo o mundo. Seria um ponto alto conseguir fazer essa prova.”

Terias que ter alguma preparação especial?

“Não, cá em Portugal também temos provas de vários dias e muito boas. Já participei em algumas. A preparação é exactamente a mesma, mas tendo em conta que, embora tenhamos atletas profissionais, a maioria dos atletas são amadores, não fazem do BTT a sua vida. Na Cape Epic estaria a competir sempre com os melhores, sendo a maior parte dos atletas profissionais, que se dedicam 100% a esta modalidade.”

Tens algum atleta que consideres um modelo?

“Sim, desde pequeno que acompanho os atletas internacionais. Tínhamos o Julien Absalon, agora temos o Nino Schurter, mas em Portugal também temos de dar mérito aos nossos e a meu ver temos dois grandes atletas, que devem ser uma referência para todos nós: o Tiago Ferreira, que foi campeão do mundo [de XCM] e o primeiro atleta português a conseguir esse feito na vertente do BTT, e temos o David Rosa, que é o melhor atleta português na vertente do cross-country olímpico. São duas referências em Portugal, que de certa forma me motivam a tentar chegar cada vez mais perto deles.”

Alguma vez foste chamado à Selecção Nacional?

“Sim, já estive em dois estágios da Selecção em sub-23.”

Gostavas de competir no estrangeiro com a camisola da Selecção?

“Sim, claro. Penso que é um dos objectivos para todos os atletas portugueses. É um sinal de reconhecimento como sendo um dos melhores de Portugal.”

Em 2019, completas 12 anos de federado. Quais os teus objectivos para este ano?

“Quando era mais novo, contra tudo e todos tinha o sonho de vir a ser profissional desta modalidade. Com o passar dos anos, os estudos e o trabalho em si, é cada vez mais difícil e, neste momento, tenho perfeita consciência de que já não chegarei a esse nível, até porque já tenho uma carreira profissional de certa forma estabilizada. A partir do momento em que continuo na modalidade e arranjo tempo para conciliar os treinos com a minha profissão, vou fazer sempre o possível para dar o melhor de mim. Este ano, os principais objectivos vão continuar a ser as provas nacionais, nomeadamente o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal, e também o Open de Espanha, que é como se fosse a Taça de Espanha. Além disso, vou apontar para fazer algumas provas internacionais, as Taças do Mundo de Maratonas.”

O ciclismo, principalmente de estrada, queixa-se da falta de visibilidade por parte da comunicação social. No BTT é ainda pior?

“Sim, se o ciclismo de estrada está mau nesse sentido, a parte pobre do ciclismo, que é o BTT, pior está. Seria uma questão a melhorar, mas não é fácil. Os principais meios de comunicação dão muita ênfase a uma modalidade, o futebol. Existem outras modalidades com algum relevo, mas o ciclismo continua a não ter o relevo suficiente. Todos os meios deviam dar mais tempo de antena ao ciclismo e a todas as suas vertentes, não só ao BTT no sentido de maratonas e cross, mas também downhill e ciclocrosse.”

Tens muito contacto com crianças, que te vêem como um modelo.

“Alguns dos meninos conhecem a minha paixão pelo ciclismo e gostam de andar de bicicleta. De certa forma, sinto-me honrado por me verem como um exemplo.”

Que mensagem gostarias de deixar a essas crianças?

“O btt é como tudo na vida. Se um dia queremos chegar ao lugar mais alto do pódio, temos que nos esforçar muito. Se queremos chegar ao ponto mais alto a nível profissional, também temos de nos esforçar. Temos de encarar o BTT como tudo na vida, dando o máximo possível.”

(© Facebook Atleta)
Palmarés de Renato Ferreira (© Facebook Atleta)

* Para a época 2019, Renato Ferreira conta com o apoio de: Vasconha BTT Vouzela, Movefree, Scott Portugal, Marujo, Nutrimania.pt, DINUTRI, Cofides Competição, ParcelAmiga, PinhoPneus Assistência Lda, Europcar.



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