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Viagem ao mundo do Clube José Maria Nicolau

Há 11 anos, surgia em Portugal o Clube de Ciclismo José Maria Nicolau pelas mãos de José Nicolau, neto do saudoso ciclista do Benfica vencedor de inúmeras etapas e duas Voltas a Portugal na década de 30. José Nicolau, também ele ciclista dos 9 aos 22 anos, acabaria por abandonar os pedais após 4 anos no amadorismo e sem contrato profissional à vista. Sem qualquer ressentimento, olhou em frente rumo a novos projectos. Contudo, o ciclismo estava enraizado na sua vida de tal forma que depressa se viu envolvido no labor de uma equipa do Cartaxo, passando a director desportivo das camadas jovens em 1989/90.



Através das suas palavras, viajamos pelo mundo do Clube José Maria Nicolau indo ao encontro das suas raízes, filosofia de vida, marcos mais importantes, atletas inesquecíveis, dissabores no percurso e planos de futuro.


Da ideia à formação do Clube…

Precisamente no final dos anos 90, uma ideia começou a brotar no pensamento de José Nicolau e alguns amigos: «Em 1996/97, juntámos um grupo de amigos e começámos a fazer uns passeios sem espírito de competição. Passados 1/2 anos, quisemos participar em algumas provas e, para tal, tínhamos de estar numa equipa. Fomos a um clube existente no Cartaxo e com ele fizemos alguns eventos, mas as verbas raramente apareciam pois eram canalizadas para outras modalidades e chegou a um ponto que tivemos de bater com a porta e começar do zero. Após algumas conversas de café, surgiu a ideia de formar um novo clube, exclusivamente dedicado ao ciclismo. Pusemos mãos à obra e em 2003 nasceu o Clube de Ciclismo José Maria Nicolau».

O nome surgiu após três opções não aceites pelas entidades competentes e por sugestão de um vizinho. Sem mais entraves, «Colocámos o nome de José Maria Nicolau, sendo uma maneira de fazer uma homenagem perpétua e prolongar a sua memória e os seus feitos. Ainda hoje, quando chegamos à Volta a Portugal fala-se da rivalidade dele com Alfredo Trindade. Ou quando abrimos uma revista relacionada com o Benfica aparecem reportagens e notícias sobre o José Maria Nicolau e isso é muito bom».

Os atletas são mais que desportistas…

O ciclismo mudou muito desde os anos 30 e a filosofia de então já pouco se vê nos clubes de hoje. O chamado ciclismo romântico, da época de José Maria Nicolau, encontra-se cada vez mais em extinção, mas ainda há quem tente atear essa chama quase extinta. Como Presidente e Director Desportivo do Clube, José Nicolau trava diariamente essa luta: «Nós tentamos passar um pouco dessa filosofia, incutir essa parte romântica, mas alertando para a realidade que é o ciclismo. Até uma determinada idade, quem levar muito a sério o ciclismo pode ter dissabores muito grandes e, infelizmente, já tivemos casos desses no nosso Clube. O ciclismo é feito por etapas e por essa razão dizemos que há escolas, formação e só depois a competição. Às vezes, a pirâmide está ao contrário e não ganhamos com isso em termos de futuro».

Sob esta filosofia, a história do Clube começou com as escolinhas, progredindo naturalmente para juvenis, cadetes e juniores com o intuito de acompanhar a evolução dos atletas que subiam de escalão. Por fim, em 2007 surgiu a equipa de sub-23, completando as quatro categorias do amadorismo.


Em todos escalões existe a preocupação de mostrar a cada jovem a importância de conciliar a vida desportiva com os estudos, o que para José Nicolau se tem mostrado uma batalha difícil de travar: «Hoje em dia, não só no nosso desporto, os miúdos acham que não precisam de estudar, porque vão ser o Rui Costa ou o Cristiano Ronaldo e o nosso trabalho é dizer não. E não há muitas equipas a garantir isso aos atletas, porque o ganhar sabe muito bem e os directores desportivos e responsáveis das equipas fecham as portas a jovens estudantes, pois se estão ali é para ganhar. Estamos a falar de sub-23 que são amadores e se tiverem de faltar a uma corrida faltam, se tiverem de sofrer nas corridas seguintes e não terminar entre os primeiros os directores só têm de compreender. Mas, como a pirâmide está mal feita, os nossos sub-23 estão a correr com os profissionais levando a que os directores peçam mais responsabilidade. Nós queremos fazer ver que o futuro não passa apenas pelo desporto, passa também pela formação académica e não podemos cortar as pernas aos atletas, porque como costumo dizer até juniores não há campeões e todos os jovens deviam ter a oportunidade de praticar ciclismoMas a participação sem competição está cada vez mais a ser vedada aos mais novos e essa é uma lacuna que queremos combater».



Reveses de um sonho…

Ao longo dos 11 anos de actividade, a parte financeira abalou por diversos momentos a persistência de quem pedala por manter vivo o sonho de ver o Clube abrir as portas temporada após temporada. Para José Nicolau, «A maior dificuldade é sempre a procura de patrocínios e apoios. Não é só o dinheiro que põe a equipa a funcionar, mas a grande base são os euros, porque são eles que pagam os consertos dos carros, os seguros, o gasóleo, a alimentação… esse é o grande desafio nos dias de hoje. Há 6/7 anos estávamos mais desafogados e, por isso, tínhamos condições muito boas para um clube como o nosso, com subsídios mensais aos atletas sub-23 e uma casa que fazia de lar para os ciclistas de qualquer categoria. Com o passar dos anos, a crise a acentuar-se e os patrocinadores a não aparecerem, tivemos que ir àquele velho ditado “vão-se os anéis e ficam os dedos”».

Uma das fases mais críticas viveu-se em 2009, quando o Clube embarcou numa «ideia louca que passou pelo Cartaxo», como o próprio José Nicolau a descreve. Nesse ano, surgiu a ideia de formar uma equipa continental, sendo «das coisas que mais me arrependo enquanto Presidente do Clube. Após algumas reuniões sem nada assinado, numa festa organizada pelo Núcleo Sportinguista do Cartaxo e pela Casa do Benfica, em homenagem a José Maria Nicolau e a Alfredo Trindade pelo centenário do nascimento dos dois, o Sr. Presidente da Câmara da altura anunciou que o Cartaxo ia ter com o Clube uma equipa de ciclismo profissional no ano seguinte. Aquilo foi uma bomba que se mandou, mas que não se levou a efeito, porque na hora de assinar os contratos não existia nada. Gastou-se o que se tinha e o que não tinha, acabando por não se fazer a equipa continental dada a inexistência de patrocinadores quando já havia compromissos assumidos com atletas e staff».

O revés foi grande, como também a força de fazer frente a mais este desafio. «Tivemos de pôr mãos à obra e cumprir com os nossos compromissos. Formámos uma equipa de clube com ciclistas acima da média, muitos eram elites e alguns sub-23 e acabámos por fazer uma época excelente dada a sua alta qualidade. Recordo-me de correrem com os profissionais a Clássica da Primavera, o Memorial Bruno Neves ou a Volta a Paredes em que o César Fonte ganhou a Juventude. E falo do César, porque nos marcou particularmente por ser um atleta excepcional e por reconhecer todo o nosso esforço passados estes anos. O objectivo é esse… formá-los enquanto atletas e homens e passados uns aninhos vê-los na Volta a Portugal. Este ano, o Clube teve quatro atletas na Volta, três em equipas profissionais e um pela Selecção Nacional, uma média que penso ser muito boa. O Nuno Almeida, ciclista do Clube em 2014 como elite amador, é um jovem dono de um esforço enorme, que conseguiu concluir a Universidade e viu esse esforço recompensado indo à Volta com a Selecção e penso que demonstrou o seu valor. Os outros três são valores mais que afirmados, o César Fonte e o Frederico Figueiredo são dos melhores ciclistas portugueses, o Victor Valinho também é embora esteja a passar um pouco ao lado de uma grande carreira, mas ainda é novo e vai a tempo».


11 anos de conquistas e que venham mais 11…

A primeira vez que se ganha um título nacional nunca se esquece e foi precisamente com Victor Valinho que viveram essa conquista. «Quando pusemos este projecto em andamento, era impensável chegar a 2009 e ver o Victor sagrar-se Campeão Nacional de Juniores numa época em que tinha andado bem, mas onde faltava aquele clique. O clique deu-se ali e foi uma vitória que nos marcou muito». Para José Nicolau, todas as conquistas são importantes e lembra «A vitória de Frederico Figueiredo na Volta a Portugal do Futuro de 2011 quando ganhou a Juventude, classificação na qual fizemos 1º e 2º com o Victor. É sinal que tinham o seu valor e, por isso, subiram a profissionais».

Acima dos pódios, o que José Nicolau mais destaca nesta caminhada de 11 anos «É a vontade de querer continuar com a equipa de sub-23. Precisávamos de ter o dobro destas equipas e enquanto houver malucos como nós, a pôr a nossa vida privada atrás de tudo isto, o ciclismo tem pernas para andar».

Para 2015, «O Clube irá voltar com as escolinhas, após o interregno deste ano, ensinando a essência do ciclismo, da convivência e da escola estar sempre primeiro que o desporto nessas idades. Sobre a formação, os juniores terão uma equipa totalmente nova, dando oportunidade a dez miúdos que nunca praticaram ciclismo, salvo a excepção de um. Somos pessoas competentes, estamos lá para ensinar e se dos dez continuarem um ou dois, penso que é uma percentagem normal de aproveitamento no nosso ciclismo. Quanto aos sub-23, é aquela carolice de manter a equipa e tentar colocar no espaço de 2/3 anos mais um ou dois corredores no pelotão profissional. Queremos dar continuidade ao sonho dos miúdos que correm desde juvenis de poder estar numa equipa sub-23 e de se mostrar junto aos seus ídolos. Vamos continuar a apostar nas bicicletas Jorbi, pois temos um contrato de palavra com o Jorge Baeta e enquanto ele quiser ajudar agradecemos muito, tentando retribuir da melhor maneira não só com vitórias como também levando a marca a todas as corridas onde estão presentes os sub-23, transmitindo a qualidade da marca portuguesa».

O espírito com que tudo começou continua igual e a paixão pelo ciclismo permanece na essência do Clube. A cada temporada, José Nicolau abre as portas de uma casa que ensina muito para além do saber manejar uma bicicleta. Tenta passar aos jovens o saber manejar as adversidades e escolhas da vida, sempre ao sabor de umas belas pedaladas. Para tal, conta a seu lado com a entrega e dedicação total da sua filha Mariana e de Paulo Figueiredo. Depois de tanta labuta, só podemos desejar o mesmo que a jovem Mariana Nicolau: «Temos ultrapassado todas as dificuldades mantendo a nossa palavra, a nossa integridade e esperamos continuar aqui por mais 11 anos».

***Atletas confirmados para equipa sub-23 de 2015: Diogo Dias (1994), Fábio Leaça (1993), José Pereira (1995), Pedro Mendes (1995), André Ramalho (1996 ex CC Paio Pires), Antero Carvalho (1992 ex V.Vítor Lourenço), Francisco Valinho (1994 ex Anicolor), Jorge Marques (1996 ex CC Paio Pires) e Pedro Henriques (1994 ex Clube Xelb).

Paulo Figueiredo, Mariana e José Nicolau
José Nicolau

______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

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