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André Carvalho na Cofidis em 2021: “Espero ter as minhas oportunidades"

A equipa francesa Cofidis, Solutions Crédits anunciou a contratação do português André Carvalho, de 23 anos, para a temporada de 2021. Estivemos à fala com o jovem corredor de Vila Nova de Famalicão, que se prepara para embarcar na mais importante aventura da sua carreira, o WorldTour.
 

Como surgiu o ciclismo na tua vida?
 
“O meu avô foi ciclista, ganhou a Volta a Portugal em 1959, ganhou quatro vezes o prémio da montanha da Volta, ainda fez uma Vuelta a España e mais algumas corridas de importância no estrangeiro. O meu pai também foi ciclista e todos os meus tios também praticaram ciclismo. Uns anos mais tarde, o meu pai criou a Escola de Ciclismo Carlos Carvalho, em homenagem ao meu avô, e foi aí que comecei a dar os primeiros passos.”
 
Que memórias te chegaram dos tempos do teu avô?
 
“As únicas coisas que tenho que me possam dar alguma ideia daquilo que foi o meu avô chegam-me a partir da internet e dos mais velhos ainda ligados à modalidade, que dizem que o meu avô era um excelente trepador. Os resultados dele na altura falam por si.”
 
Praticaste algum desporto para além do ciclismo?
 
“Sim, pratiquei futsal entre os meus 12 e 15/16 anos, quando a época de ciclismo acabava. Assim que a época de ciclismo começava, tentava conciliar os dois.”
 
Nunca pensaste fazer carreira no futsal?
 
“Eu adorava jogar futsal, mas não. Por acaso, ainda hoje fui fazer uns exames médicos e, por pura coincidência, encontrei o meu treinador e estivemos à conversa. Nunca tive a ideia de seguir com o futsal, foi sempre o ciclismo que mais gostei e que mais tarde, em júnior e principalmente em sub-23, vi que queria realmente seguir carreira.”
 
Quais as equipas de ciclismo por onde passaste até hoje?
 
“Fiz toda a minha formação na Escola de Ciclismo Carlos Carvalho, menos o último ano de júnior, em que estive no Centro Ciclista de Avidos. Em sub-23 passei para a formação de Manuel Correia e no meu segundo ano de sub-23 corri em Itália, na equipa Cipollini. Depois voltei para Portugal, novamente para a equipa de Manuel Correia [Liberty Seguros-Carglass], e estes últimos dois anos foram na Hagens Berman Axeon.”
 
Quais os momentos mais marcantes destes dois anos na Hagens Berman Axeon?
 
“Destaco o primeiro treino de equipa. A primeira impressão que tive da equipa e dos meus colegas foi algo que não irei esquecer. Primeiro pela viagem, porque fiquei preso em Chicago, por estarem temperaturas a 40 graus negativos! Depois foi perceber que aquilo estava mesmo a acontecer, o que me marcou imenso… eu estava na Axeon, conhecida por ser uma das melhores, senão a melhor equipa do mundo de formação! Também houve as corridas, principalmente Paris-Roubaix [Espoirs, 5º lugar], que sempre sonhei fazer, e também das primeiras corridas que fiz com a equipa, onde acabo por fazer 15º numa prova em que já corremos com algumas equipas do WorldTour [corrida belga Danilith Nokere Koerse].”
 
A Hagens Berman Axeon é uma das formações com maior êxito em catapultar jovens para o WorldTour. A que pensas que isso se deve?
 
“Penso que se deve logo ao facto de estar associada a Eddy Merckx. O Axel Merckx tem feito um trabalho muito bom, mas o facto de estar associada a ele diz muito do que é a equipa. As condições que nos dão, a organização, as bicicletas, os equipamentos, o calendário com algumas corridas a competir com equipas WorldTour e saber que estamos entre os melhores sub-23 do mundo faz-nos, a cada um de nós, tentar evoluir e ser cada vez melhor. No fundo, é tudo isto que faz com que a equipa seja tão bem sucedida.”
 
O que falta às equipas portuguesas para dar esta motivação aos jovens?
 
“Acima de tudo, falta investimento por parte dos patrocinadores. No centro da Europa, o ciclismo é algo muito mais comum aos olhos das outras pessoas. Infelizmente, aqui em Portugal vemos muito mais futebol. As outras modalidades, não apenas o ciclismo, ficam muito aquém daquilo que realmente são as modalidades em si e, como consequência, não temos tanto investimento por parte dos patrocinadores. O principal mesmo é o orçamento reduzido das equipas, seria bastante importante haver uma aposta mais forte dos patrocinadores e também uma aposta por parte das equipas em tentar fazer mais corridas no centro da Europa. Temos muito valor dentro do ciclismo nacional.”
 
Actualmente, os teus dias passam por treinar de manhã e trabalhar de tarde?
 
“Sim, nesta fase da época o treino divide-se em duas partes: o trabalho de ginásio e o trabalho de bicicleta. Decidi não arriscar este ano, por causa do que todos vivemos [a pandemia], e fazer a parte do ginásio com algumas coisas que já tenho em casa. A parte da bicicleta faço na estrada ou então, nesta parte do ano, ainda dá para desfrutar um bocadinho da bicicleta de BTT. Muitas pessoas perguntam-me se vou treinar para França, mas não. Maioritariamente é feito por cá e bem perto de casa.”
 
“O trabalho não é a tempo inteiro, é apenas para ajudar os meus pais. A minha mãe foi operada e o meu pai, para não ter a sua loja sempre fechada, fica na dele e eu fico na da minha mãe, para se conseguir ter as duas lojas abertas.”
 
Entretanto, chegou a oportunidade que tantos ciclistas portugueses sonham, entrar no WorldTour. Como surgiu a oportunidade com a Cofidis?
 
“Este é um processo que vem de algum tempo. Durante esta época tive a oportunidade de fazer alguns testes para a Cofidis. Houve ainda uma tentativa de fazer parte da equipa na parte final da época como estagiário, só que as regras da UCI não permitem, visto já não ser sub-23 e já ter estado numa equipa Pro Continental. A regra não permite que um corredor elite, que tenha estado numa equipa Pro Continental nos últimos dois anos, seja estagiário numa equipa WorldTour. Portanto, estive a um passo de ser estagiário da equipa em Agosto, depois a oportunidade foi por água-abaixo, mas fomos mantendo o contacto e, felizmente, no final da época decidiram dar-me a oportunidade de mostrar o meu valor e estou extremamente feliz por isso.”
 
Não havendo um historial de tradição de ciclistas portugueses em equipas francesas, o que esperas da equipa Cofidis?
 
“De há dois anos para cá, nota-se uma evolução bastante grande da equipa ao nível de internacionalizar-se e penso que vai ser bom para mim. Não vou estar apenas com corredores franceses, espero ter as minhas oportunidades e ajudar a equipa naquilo que me for pedido. Sobretudo, conseguir crescer dentro da equipa e ganhar experiência.”
 
Que corridas gostarias de fazer?
 
“Tenho trabalhado cada vez mais para as clássicas. Desde que fui para a Axeon, foi algo em que evolui bastante e sempre foi o meu tipo de corrida preferido, por isso, adorava ter a oportunidade de fazer algumas clássicas. Aquela que sonho em poder fazer, não sei se será no próximo ano ou não, é Paris-Roubaix. Vai ser um ano que irá passar por crescer, aprender e fazer corridas que talvez não sejam as mais importantes, mas espero ter uma oportunidade ou outra.”
 
Num futuro próximo, pensas ser possível termos um ciclista português a vencer uma clássica? Por exemplo tu?
 
“Embora saiba que nos sub-23 é uma corrida totalmente diferente, foi a primeira e única vez que fiz Paris-Roubaix e se não fosse uma queda podia ter lutado pelo pódio. Tenho trabalhado muito para melhorar nesse campo e espero sinceramente ter a minha oportunidade. E quem sabe um dia mais tarde vir a lutar por essa corrida. É, sem dúvida, um sonho de criança.”
 
Os jovens portugueses estão a alcançar enorme sucesso, dando-nos uma crescente esperança de que as coisas vão mudar para o ciclismo português a nível internacional. Como vês esta nova vaga de êxito?
 
“É bastante importante o que estamos a conseguir fazer, principalmente com a conquista do Rúben no Giro [Rúben Guerreiro vencedor da camisola da montanha] e também a grande corrida que o João fez [João Almeida vestiu a camisola rosa durante 15 dias]. Veio dar uma visibilidade muito diferente daquilo que é o ciclista português e espero sinceramente que seja uma viragem do nosso ciclismo aos olhos do estrangeiro, o que seria bastante bom para as novas gerações. Mas o mais importante tem sido a aposta que têm feito em nós. O João Correia [Agência Corso], que é o agente de todos nós, e a aposta que fez em nós tem sido bastante importante e, de certa forma, estamos a retribuir a sua aposta. Cada vez mais são precisas pessoas como ele a tentar elevar o ciclismo português a outro nível.”
 
A simbiose conseguida por João Correia com a Hagens Berman Axeon tem-se revelado de extrema importância. Embora a viver maioritariamente no estrangeiro, não deixou de olhar ao ciclismo nacional e fazer crescer jovens promessas.
 
“Como disse, o trabalho que ele está a fazer é muito importante, porque está a dar-nos uma visibilidade que até hoje ninguém tinha conseguido e essa “parceria” que está a conseguir fazer com Axel Merckx e com a Hagens Berman Axeon é de bastante valor. Lá conseguimos mostrar o nosso valor e dar o passo para o WorldTour ou para uma equipa Pro Continental, o que é bastante positivo. Sem dúvida, devia haver um outro investimento para ajudar naquilo que ele faz e quem sabe mais pessoas poderão vir a fazer no futuro.”
 
Percebo que João Correia é muito importante no teu percurso e de outros jovens. Que outras pessoas te marcaram?
 
“O meu pai, principalmente pela parte desportiva, porque foi com ele que aprendi quase tudo o que sei hoje. A minha mãe, porque há dois anos foi-lhe diagnosticado cancro e foi, sem dúvida, uma pessoa que cresci a ver lutar e é algo que me dá muita força todos os dias para trabalhar, porque sei a luta que ela teve. A minha namorada, que é um importante pilar até hoje. Para além deles, o João como já referi e também o seleccionador nacional [José Poeira] e a aposta que fez em mim quando era júnior, tudo aquilo que venho a aprender com ele ao longo dos anos. Foi com ele que fiz as primeiras corridas no estrangeiro ainda júnior e percebi que poderia vir a seguir esta carreira. A par deles, o chefe Manuel Correia e Luís Pinheiro, por me terem ajudado numa fase mais difícil da minha vida, quando voltei a correr em Portugal. Também os meus colegas de treino, que são aqueles com quem evoluímos ao tentarmos ser melhor uns com os outros. Isso também é importante. São daqui do norte: o David Ribeiro, Daniel Freitas, Joaquim Silva, Tiago Machado e temos também alguns sub-23,mais novos e que estão a começar, que espero possam seguir as nossas pisadas.”
 
Tens ídolos no ciclismo?
 
“O meu ídolo desde pequenino sempre foi o Tiago Machado. Ele fez parte da equipa do meu pai quando começou e foi alguém que sempre segui a carreira e tive sempre muito em conta. A nível internacional, admiro muito o Sagan, é um corredor com quem me identifico pela maneira de ser e de correr. É sem dúvida o meu maior ídolo. E claro, temos aqui também outros grandes corredores como Rui Costa e Nelson Oliveira, que sempre admirei bastante.”
 
Como te descreves enquanto ciclista?
 
“Essa é a parte mais difícil. A maior parte dos entendidos descrevem-me como um ‘puncher’. Cada vez mais tenho vindo a descobrir-me a mim próprio e acho que as minhas características como ciclista apontam para aí. Acho que posso vir a ser um corredor de clássicas e também me sinto bem nos sprints, em grupos pequenos e principalmente em chegadas técnicas. Também sou um corredor que se defende nas subidas não muito longas. Acho que o mais certo é dizer que sou um corredor polivalente.”

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