Retrato de João Letras: “O meu objectivo é dedicar-me a 100% ao ciclismo”

João Letras [31/08/1991] completou o segundo ano com as cores da equipa sediada na terra do saudoso Joaquim Agostinho, a Sicasal-Constantinos-Udo de Torres Vedras. Contudo, este jovem corredor de 25 anos chegou do sul do país, mais precisamente de Cuba, no doce Alentejo, terra natal onde se apaixonou desde muito cedo pelo ciclismo.

João Letras nutre uma paixão de longa data pelo ciclismo.
(foto Helena Dias)

As primeiras vitórias chegaram logo no escalão Infantil, vencendo três provas no ano de 2003 e alcançando outros tantos pódios pelo Centro de Ciclismo de Cuba, primeira equipa da sua carreira e na qual continuou a brilhar no escalão de Juvenil, obtendo sete vitórias nas vertentes de Estrada e BTT no ano de 2005.

Ao Cycling & Thoughts, João Letras relembra os primeiros passos nesta modalidade, pela qual se deixou fascinar seguindo o exemplo bem familiar. “O meu pai e o meu irmão tiveram muita influência na minha entrada para o ciclismo. Na altura, eles competiam pelo clube da terra, o Centro de Ciclismo de Cuba. Acompanhava-os sempre para as corridas e a partir daí comecei a querer também fazer corridas de bicicleta. Dei as primeiras pedaladas aos 8 anos de idade e a minha primeira competição foi logo na minha terra, em Cuba. Lembro-me tão bem como se fosse ontem, ainda não tinha bicicleta própria e o meu pai pediu uma emprestada a um amigo para que eu pudesse correr. Fiz penúltimo nessa corrida, fiquei feliz na altura, porque para primeira corrida foi óptimo não ficar em último.”

No Clube de Ciclismo de Cuba permaneceu em Cadete e Júnior, sagrando-se Campeão Regional de Estrada de Setúbal em ambos os escalões, de 2006 a 2009. Os longos anos passados neste Clube foram determinantes para o crescente gosto de João Letras pela modalidade.

“Foi a equipa que me marcou mais e foram os melhores anos enquanto ciclista, não só por ser a equipa da terra, mas também porque é uma altura que fica marcada para sempre, porque os anos de Escolas até Juniores são os que marcam mais. Iniciei-me nesta equipa em Iniciado até Júnior, foram mais ou menos 10 anos ligados ao Centro de Ciclismo de Cuba e estou muito grato por tudo o que fizeram por mim. Em todos estes anos conheci muita gente e fiz muitos amigos no ciclismo, obtive muitos lugares importantes e também consegui ser Campeão Regional de Setúbal por 4 anos consecutivos.”

Em 2013, nos ares ribatejanos, pedalava pela histórica equipa sub-23 Clube de Ciclismo José Maria Nicolau. Na formação que leva o nome do vencedor de duas Voltas a Portugal, João Letras venceu o 1º Circuito de Ciclismo do Ciclo-Ases e foi 3º na Vuelta a Sevilla e no Festival de Pista integrado no Circuito da Malveira.

No ano seguinte voltou a mudar totalmente de cenário, saindo do pelotão Elite/Sub-23 para integrar a equipa Peçamodovar / Casa do Benfica, com a qual disputou e venceu provas no âmbito Master. Para João Letras, esta “Foi uma mudança que não estava à espera. Caiu-me esta oportunidade assim de repente e não hesitei. As coisas não estavam a correr como desejava e decidi tomar esta decisão. Já conhecia a equipa Peçamodovar / Casa do Benfica, sabia que era das melhores equipas a correr no pelotão Master e na qual estavam ciclistas que já tinham sido profissionais, o que também me ajudou a aprender muito mais nesse ano com essas pessoas. Na altura fiquei um pouco triste, pois iria sair do pelotão Elite/Sub-23, no qual já estava familiarizado depois de correr lá 3 anos, mas depressa me passou e até acabou por correr bem.”

Com a Peçamodovar somou 13 vitórias, entre elas três etapas na Volta aos Açores e uma etapa na Vuelta a Sevilla. Foi também com esta equipa que conquistou o título de Campeão Ibérico (Elites/Seniores) e deste dia em Huelva recorda: “Como em todas as provas, eu vou para ganhar e esse dia não foi excepção. Embora não tenha levantado os braços, consegui fazer 1º lugar no escalão de Elites Amadores e assim tornar-me Campeão Ibérico até ao dia de hoje, pois os últimos dois campeonatos só se disputaram para o escalão Master. Foi uma corrida muito bem disputada, nós éramos poucos, tinha o meu irmão e mais alguns colegas de equipa da Peçamodovar para me ajudar a concretizar este objectivo. Embora tenha chegado uma fuga, tudo fizemos para a anular, mas já foi tarde. Até eu fui para a frente tentar anular, mas não deu. Felizmente, ainda me consegui fazer ao sprint, fazer primeiro dos Elites e assim trazer a camisola para casa.”

O ano passado marcou o regresso ao pelotão Elite/Sub-23 com a equipa Sicasal-Constantinos-Udo, onde permaneceu em 2016. João Letras fala-nos da oportunidade de ingressar neste projecto e os dois anos desta ligação. “2014, na equipa Peçamodovar / Casa do Benfica, foi uma das minhas melhores épocas no ciclismo. Ganhei 13 corridas nesse ano e as que não ganhei estive sempre em destaque. Isso deu-me visibilidade e a oportunidade de voltar ao escalão máximo do ciclismo português. Fui convidado para ingressar neste novo projecto, quando este estava para arrancar. Era uma nova equipa que iria surgir com o apoio da tão prestigiada e conhecida Sicasal. Fiquei contente com esta nova oportunidade e não pensei duas vezes. Infelizmente, a equipa foi criada um pouco tarde e metade dos atletas, que fizeram parte da estrutura em 2015, viriam a abandonar a equipa à medida que a época avançava, pois era muito complicado o ritmo competitivo para eles. Já em 2016 foi totalmente diferente, a equipa foi toda reestruturada e com isso tivemos uma equipa muito mais forte. Ciclistas capazes de se bater com os melhores e por pouco que não vencemos algumas corridas.”

João Letras conquistou em Alcobaça o
3º lugar do pódio, após um renhido sprint. (foto Helena Dias)

No presente ano, João Letras esteve em destaque nos tradicionais Circuitos de final de temporada, finalizando entre os primeiros em Alcobaça (3º), Malveira (6º) e Bombarral (7º), três provas ganhas por profissionais das equipas continentais. Ainda assim, o balanço que nos faz de toda a temporada não é totalmente satisfatório, fruto de um erro bem comum entre os atletas.

“Infelizmente, esta época não correu como desejava. E, creio, a principal razão para isso ter acontecido foi ter metido na cabeça que queria perder peso para conseguir acompanhar os melhores no terreno montanhoso. Passei a pré-época a cortar muito na alimentação e, devido a isso, entrei na época 2016 com uma anemia. Isto arrastou-se durante o ano todo, quase até ao final. Com algum descanso e alterações na alimentação, na parte final consegui recuperar e nos Circuitos já me senti melhor. Senti-me com força e com capacidade de lutar pelos lugares cimeiros. A prestação nestas últimas corridas serviram para voltar a ganhar confiança, pois estava novamente a bater-me junto com os melhores sprinters nacionais. Esta situação que passei foi essencialmente uma grande lição para mim e aprendi muito com o erro.”

Acabado de completar 25 anos, o objectivo de subir a profissional impõe-se no horizonte e os objectivos são concretos. “Apesar do último ano não ter corrido tão bem como tinha pretendido, tive a felicidade de ter acabado a minha Licenciatura [em Educação e Comunicação Multimédia]. Esta ocupou-me muito tempo e, por vezes, não consegui fazer um treino específico, porque tive de ficar a fazer trabalhos ou sair da escola mais tarde. Agora que estou livre, gostava muito de ter uma oportunidade enquanto ciclista profissional. O meu objectivo é dedicar-me a 100% àquilo que sonho desde os meus 8 anos de idade. Vou fazer tudo ao meu alcance para alcançar o meu grande objectivo.”

“Sou um ciclista humilde, trabalhador, muito dedicado e sempre pronto a ajudar os colegas. Sou mais forte em terreno plano e considero-me um bom sprinter”, conclui João Letras a entrevista ao Cycling & Thoughts.

João Letras no Circuito da Malveira.
(foto Helena Dias)

João Letras protagonizou uma renhida batalha
com Gustavo Veloso na pista do Circuito da Malveira.
(foto Helena Dias)