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Mariana Almeida: “Posso chegar a uma equipa WorldTour feminina ou até mesmo masculina”

Mariana Almeida tem 20 anos e, após 11 anos a pedalar no pelotão, assumiu em 2021 o papel de directora desportiva na equipa feminina Efapel – Escola de Ciclismo de Águeda. Recentemente esteve na 1ª edição da Volta a Portugal Feminina e falou sobre essa histórica experiência ao Cycling & Thoughts.
 
Mariana Almeida, directora desportiva da equipa feminina Efapel - Escola de Ciclismo de Águeda (© Helena Dias)

Como começaste no ciclismo?
 
“O meu pai sempre adorou andar de bicicleta e gostava de ter sido ciclista, mas como os meus avós não tinham grandes posses, não conseguiu. Quando conseguiu comprar uma bicicleta, levava-me sempre com ele às voltas de bicicleta que fazia, por exemplo, a etapa para amadores da Volta a Portugal, que ainda hoje se realiza. Desde pequenina fui ganhando o bichinho pela modalidade e quando fiz oito anos, ele perguntou-me se queria entrar para uma equipa de ciclismo. Como ele conhecia o treinador do Sport Ciclismo São João de Ver, comecei a ir aos treinos e foi lá que comecei.”
 
Gostaste logo de início ou achaste muito difícil praticar este desporto?
 
“No início, eu era do escalão de iniciada, só fazia gincana e não achava muita piada, porque o que eu queria era andar de bicicleta. Gostei mais há medida que fui subindo de escalão, as provas tinham gincana e também a prova em linha, que era o que eu gostava mais.”
 
Quando chegou o momento em que pensaste querer fazer carreira no ciclismo?
 
“Quando subi para cadete, comecei a levar o ciclismo mais a sério. Fui chamada à Seleção, corri a Volta a Burgos, e comecei a gostar realmente do ciclismo. Nessa altura, pensei fazer carreira, mas a nossa vida não corre bem como queremos ou pensamos num determinado momento.”
 
Surge então a oportunidade de ingressar na Efapel como directora desportiva da equipa feminina.
 
“Sim. O ano passado, quando entrei para a Universidade, sabia que numa cidade nova, onde não conhecia nada nem ninguém, ia ser muito complicado conciliar os treinos com os estudos, não ia estar focada a 100%. Sei bem o que o ciclismo acarreta, a nível físico e mental, e tive de tomar uma decisão: os estudos ou o ciclismo. Optei pelos estudos. Fartei-me de chorar, porque sabia que era algo que o meu pai gostava muito, foi uma coisa que ele não conseguiu e eu estava a conseguir. Foram 11 anos enquanto ciclista e quando chegou a altura de lhe dizer fartei-me de chorar. Sabia que ele ia ficar triste, mas ele também não queria que eu estivesse no ciclismo contrariada. Por isso, tanto ele como a minha mãe apoiaram-me na minha decisão. Na altura de dizer ao meu treinador, penso que ele já estava um pouco à espera e quando lhe contei que estava a pensar desistir do ciclismo por causa da Universidade, o meu pai já fazia parte do staff da escola de formação da Efapel, e então o meu treinador sugeriu que fosse para a equipa como directora desportiva. E cá estou eu.”
 
Quais são as tuas funções enquanto directora desportiva?
 
“Eu marco os treinos, falo com o treinador Jorge Henriques sobre os treinos, reúno as atletas, vou com elas de carro a maior parte das vezes. Também organizo tudo o que é necessário para a competição. Por exemplo, encher bidões, preparar abastecimentos e refeições. Se forem corridas que impliquem alojamento, também trato dessa parte. Ou seja, organizo tudo para que não falte nada às atletas e acompanho-as nas provas.”
 
Mariana Almeida cuida de todos os pormenores para que nada falte às atletas (© Helena Dias)

Houve uma preparação diferente para a Volta a Portugal a Feminina?
 
“Como era algo novo, totalmente diferente do que estamos habituadas nas nossas corridas, tentámos colocar objectivos, que sabíamos estarem ao nosso alcance e dia-a-dia, mediante o desenrolar das etapas, decidir a estratégia para o dia seguinte.”
 
Como avalias o desempenho das ciclistas Efapel?
 
“Penso que foi um bom desempenho. Tivemos azar com a Jenyffer [Barragan], que era a nossa melhor colocada para a classificação geral. Na segunda etapa, ela teve um furo e logo depois uma queda, que a impossibilitou de recolar no pelotão, chegando num segundo grupo. Depois tentámos trabalhar para a geral da juventude com a Marisa [Ferreira].”
 
Algo que muitos se questionam em relação às corridas femininas é sobre as necessidades fisiológicas durante a prova. Como fazem as ciclistas?
 
“As femininas não têm corridas com horas suficientes de corrida para sentir essa necessidade, como os homens. Mas se sentirem vontade, têm de parar obrigatoriamente.”
 
Ao contrário do que sucede nas demais corridas nacionais, na Volta a Portugal Feminina correram menos escalões em conjunto.
 
“Nas nossas corridas, as juniores, sub-23 e elites correm com cadetes e masters. Nesta Volta, só correram juniores, sub-23 e elites. Foi uma grande diferença, até pela presença de equipas estrangeiras, que estão muito mais habituadas a provas por etapas. Notou-se um maior ritmo competitivo.”
 
Seria importante haver mais corridas divididas por escalões ao longo do ano?
 
“Penso que sim, pelo menos juntar os escalões de juniores e elites, porque as juniores de 2º ano estão em transição e devem ter noção do ritmo que vão encontrar no ano seguinte. Isso seria uma mais-valia para a evolução do ciclismo feminino português.”
 
O achaste da organização, percurso e prémios da Volta a Portugal Feminina?
 
“As etapas foram um pouco duras, principalmente o contra-relógio em Vila Franca de Xira. Em vez de um contra-relógio, podiam ter feito uma crono-escalada, só com os primeiros 3 quilómetros. Seria mais vantajoso para as atletas. Em relação aos prémios monetários foram bons para o começo, porque não costumamos ter prémios monetários nas nossas corridas e é uma forma de motivar as atletas a querer fazer sempre mais e melhor. Deviam aproveitar este exemplo para as próximas corridas.”
 
Quanto ao público na estrada, aderiu à prova?
 
“Em todo o percurso vimos pessoas com bandeiras de Portugal. O povo português apoia muito a Volta a Portugal e penso que o facto de ser feminina foi uma novidade e atraiu mais pessoas por essa razão.”
 
Efapel - Escola de Ciclismo de Águeda na 1ª Volta a Portugal Feminina (© Helena Dias)

Principalmente no contra-relógio foi evidente a curiosidade do público em relação à corrida e também o conhecimento que algumas pessoas tinham das atletas em prova. Vocês tiveram essa percepção?
 
“Sim, é sinal que começam a acompanhar mais o ciclismo feminino. O facto de termos a Raquel Queirós, que ganhou a Volta, a participar nos Jogos Olímpicos em XCO, e também ouvirem falar muito da Maria Martins, que esteve presente na última etapa, faz com que as pessoas comecem a prestar mais atenção ao ciclismo feminino luso através dessas atletas, que têm presença em importantes corridas no estrangeiro.”
 
A vencedora da Volta, Raquel Queirós, disse que era importante fazer um convite a todas as meninas/mulheres para experimentarem as várias vertentes do ciclismo. Na Efapel, as ciclistas dedicam-se a que vertentes?
 
“Na nossa equipa é principalmente a vertente de estrada, mas se quiserem dedicar-se à pista também damos essa oportunidade. Temos também uma academia de btt e não colocamos qualquer entrave se elas quiserem dedicar-se a mais do que uma vertente. Estamos completamente abertos a isso.”
 
Em relação aos nomes mais sonantes do ciclismo masculino internacional, como Peter Sagan ou Mathieu van der Poel, ambos vieram de outras vertentes e são um sucesso em estrada. É importante as mulheres aliarem várias vertentes para se tornarem ciclistas mais completas?
 
“Sim. Por exemplo, o ciclocrosse é uma vertente de inverno e faz uma boa preparação para a época da estrada. Requer corrida, muita explosão, sair e entrar na bicicleta, andar com a bicicleta às costas, o que prepara muito bem as atletas para a estrada, porque chegam com mais ritmo, maior destreza e torna-se uma mais-valia.”
 
Foste ciclista e agora directora desportiva, o que é mais fácil?
 
“Sem dúvida, ser ciclista. Ao ser ciclista temos de nos preocupar em treinar, competir, ter cuidado com a alimentação e quando chegamos à corrida temos tudo preparado para nós. Agora estou do outro lado e como directora desportiva tenho que preparar tudo para que nada falte às atletas. Se falhar alguma coisa fico com aquele peso na consciência de que aquilo não podia ter falhado e devia ter feito melhor. Mas ainda estou a aprender, este foi o meu primeiro ano e espero continuar a aprender ainda mais para conseguir, quem sabe, chegar a uma equipa de topo.”
 
Estás a tirar a Licenciatura em Desporto e Bem-estar, no Instituto Politécnico de Leiria, o que tem tudo a ver com o que estás a fazer actualmente.
 
“Sim, dá-me mais-valias para estar numa equipa, porque conheço mais sobre o corpo, como funciona o treino em si, etc. Também tenciono tirar o curso de treinadora de ciclismo.”
 
Quais são os teus sonhos no ciclismo?
 
“Os meus sonhos mudaram um bocado desde que deixei de ser atleta, porque a minha intenção era retirar-me e ver o ciclismo de fora. Mas como surgiu a oportunidade de ser directora desportiva, voltei a integrar-me de uma forma diferente e agora penso que posso chegar a uma equipa WorldTour feminina ou até mesmo masculina. Actualmente, vêem-se muitas mulheres a trabalhar no pelotão masculino. É bom, porque mostra que as mulheres são capazes de fazer o que os homens fazem, são capazes de liderar. Os meus sonhos passam um pouco por aí, tentar atingir esse patamar.”
 
As mulheres têm quebrado muitas barreiras na sociedade e no desporto não é diferente. Como pensas que tem sido esse caminho no ciclismo?
 
“É um estigma que está a acabar. Tivemos uma reportagem realizada na Volta a Portugal masculina sobre as mulheres dentro do staff das equipas. Já são algumas e só vem demonstrar que somos tão capazes como os homens de ocupar qualquer cargo neste desporto.”
 
No futuro, poderemos ver a Mariana Almeida numa equipa WorldTour?
 
“Esperemos que sim!”

Mariana Almeida na Volta a Portugal Feminina (© Helena Dias)

Mariana Almeida na Volta a Portugal Feminina (© Helena Dias)

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