Entrevista a Joaquim Andrade: «O ciclismo ganhou o prestígio e o destaque que eram seus por direito»
O ex-ciclista profissional Joaquim Andrade é
presidente da Associação Portuguesa de Ciclistas Profissionais (APCP) desde
2010. No final de mais uma temporada ao comando da defesa dos direitos do
pelotão nacional, fomos ao encontro da sua análise face a 2013, as perspectivas
em relação a 2014 e quanto ao futuro a médio prazo do ciclismo português e dos
atletas lusos dentro e fora fronteiras.
Que
balanço faz de 2013 a nível nacional e internacional para o ciclismo português?
Foi um ano formidável marcado, claro, pelo
título de campeão do mundo do Rui Costa, mas também por excelentes prestações
dos nossos ciclistas emigrantes por esse mundo fora, pelas duas medalhas
conquistadas nos Europeus e Mundiais de Pista do Rui Oliveira e do Ivo
Oliveira, pela época de muita competitividade no pelotão nacional e pela
entrada das duas novas equipas que veio dar nova emoção às corridas.
Um
dos momentos marcantes para Portugal foi a vitória de Rui Costa no Campeonato
do Mundo. Na sua opinião, o que pode trazer de novo a nível interno este feito
único?
Para já e no imediato, o ciclismo ganhou o
prestígio e o destaque que eram seus por direito, mas que nos últimos anos se
tinham perdido quer na imprensa quer a nível institucional. Na minha opinião,
os principais benefícios surgirão a médio e longo prazo e, para isso, é
necessário que toda a família do ciclismo português acompanhe a pedalada do
Rui. Se isso acontecer, daqui a 3 ou 4 anos iremos poder avaliar a real
dimensão deste feito.
Também
marcante, mas de forma menos positiva, foi o afastamento por 12 anos de um dos
rostos mais importantes do pelotão. Sem uma clara clarificação do caso ligado
ao passaporte biológico de Sérgio Ribeiro, pensa que de algum modo a
credibilidade do ciclismo português saiu beliscada a nível nacional ou
internacional, ainda mais com o recente caso do vencedor da Volta a Portugal
Alejandro Marque?
Foi uma situação desagradável para o ciclismo
e acima de tudo para o Sérgio. O ciclismo foi pioneiro no passaporte biológico
e, felizmente, a sua implementação em mais alguns desportos começa aos poucos a
ser uma realidade, pena é que algumas não queiram aderir. Apesar disso, a luta
anti-doping no ciclismo passa muitas vezes uma ideia errada para o público. A
esse propósito, vejamos o recente escândalo que se tentou criar em redor do
Alejandro Marque, em que uma autorização terapêutica para tratamento de uma
lesão foi convertida num presumível caso de dopagem com consequências graves
para a imagem do ciclista e do ciclismo. Convém referir que o nosso passaporte
biológico não é o mesmo que é utilizado pelas Equipas WorldTour e Continentais
Profissionais, seria importante que o fosse, quer por ter procedimentos mais
transparentes e um painel alargado de especialistas a analisar os perfis, quer
por ter um prestígio internacional que o nosso não tem. Infelizmente, ainda há
muitos ciclistas e responsáveis de equipas no pelotão mundial que não sabem que
Portugal tem passaporte biológico. Seria importante que as Federações
Portuguesas, que se encontram ao abrigo deste procedimento exigissem ter um
especialista independente no painel de análise de perfil do mesmo, nomeado
pelas suas federações, para assegurar a transparência e independência nas
decisões.
Com
o fim do calendário de estrada em Outubro e o início apenas programado para
Fevereiro, não é um período muito longo de paragem para as equipas?
Este é o período óptimo de paragem. Aliás, há
por parte da UCI a intenção de uniformizar estas datas de arranque e final de
temporada a nível mundial. O ciclismo é um desporto muito duro e exigente e não
seria boa ideia ter 12 meses de competição. Convém não esquecer que há outras
vertentes do Ciclismo, como Ciclocrosse, Pista, BTT, com que algumas equipas e
ciclistas complementam o seu calendário, uns com carácter competitivo, outros
como parte do seu programa de treino ou pura e simplesmente em operações de
marketing.
O
calendário de 2014 promete mais provas, nomeadamente a Taça Nacional de
Circuitos e o regresso de algumas corridas como o GP da Maia e a Volta ao
Minho. Crê que serão realidade ou ficarão no papel como tem sucedido nos
últimos anos?
O mais importante neste pré-calendário é o
facto de ver aumentado os dias de competição em provas como o Troféu Joaquim
Agostinho, o regressado GP Jornal de Notícias e a Volta ao Algarve. São três
provas muito importantes e com muita tradição. Os circuitos são muito
importantes e foram em tempos idos a festa do ciclismo. A seguir à Volta a
Portugal, as pessoas tinham a oportunidade de ir ver os protagonistas dessa
grande prova, mas nos últimos anos estes foram quase extintos. É por isso com
agrado que constato que a FPC reconheceu o valor dessas populares provas e está
a fazer o possível para que se reactivem e, ao que parece, até poderão surgir
alguns novos, o que é de saudar. Todas as novas provas que possam surgir serão
bem-vindas, mas se algumas não se realizarem isso é perfeitamente normal,
porque convém não esquecer que este é um pré-calendário sujeito a acertos. De
destacar a importância da internacionalização da Volta a Portugal do Futuro e a
realização do Campeonato Europeu de Pista de Juniores e Sub-23 uma vez mais no
nosso país.
Como
presidente da APCP tem-se batido nas instâncias internacionais pela garantia de
um futuro mais duradouro dos corredores no pelotão nacional, principalmente no
que concerne à luta pela extinção da regra dos 28 anos. Em que ponto se
encontra este tema?
Caso não haja alterações de última hora,
estará assegurado para 2015 o final da tão famosa regra dos 28 anos e até as
futuras equipas de formação (as quais as equipas de 1ª divisão serão obrigadas
a formar), não terão esse limite de idade. De todas as formas, enquanto estas
medidas não forem oficializadas não podemos baixar os braços e continuaremos
atentos.
Na
verdade, muitos ciclistas lusos abandonam a profissão antes de completar 28
anos, consequência da falta de lugar no pelotão nacional. Tentar uma carreira
no exterior mostra-se difícil, principalmente para os corredores portugueses se
compararmos o número de outras nacionalidades no pelotão internacional. No seu
ponto de vista, este facto deve-se à falta de visibilidade ou outro factor?
Viveram-se nas últimas épocas alguns dos anos
mais difíceis da história do ciclismo nacional, mas 2013 foi uma época em que o
número de equipas continentais cresceu, aumentando a competitividade das
provas. E nesta pré-época, verificou-se com agrado as equipas a completarem os
seus plantéis mais cedo do que o habitual e a concorrerem entre si para
assegurar os ciclistas pretendidos. Penso que 2014 está assim bem lançado para
que o nosso ciclismo profissional atinja o lugar que merece e os nossos
ciclistas atinjam a tranquilidade que merecem. Apesar de não termos nenhuma
equipa que faça as grandes provas internacionais, a oportunidade de emigrar
para o pelotão internacional tem surgido e devemos ser dos países que, mesmo
não fazendo esse calendário, tem mais ciclistas emigrantes, o que diz bem da
nossa qualidade.
Num
plano geral, pode dar-nos algumas luzes do que poderá mudar futuramente a nível
nacional com a tão falada reforma da UCI?
Estive presente em algumas reuniões a
representar a CPA e a APCP e importa referir que esta futura reforma foi
iniciada na presidência de Pat MacQuaid, por isso é possível que haja algumas
mudanças derivado à mudança de presidente. No geral, constata-se a vontade de
clarificar e simplificar o ciclismo para as pessoas da modalidade e também para
os adeptos. Assim muito resumidamente, a nível dos Rankings e suas
classificações haverá uma clarificação importante com a existência de uma única
classificação; a inclusão da obrigatoriedade das equipas da 1ª divisão
possuírem equipas de formação de 8 a 10 ciclistas e sem limite de idade irá
colmatar a tão criticada possibilidade de redução do número máximo de
corredores nas equipas de 1ª divisão (possivelmente 22 ciclistas); importante
será também o sistema de promoção e despromoção para aceder à 1ª divisão
assegurada pelos pontos do Ranking e o assegurar do caderno de encargos
pretendendo-se o desaparecimento dos critérios obscuros do passado. A Volta a
Portugal poderá sair beneficiada com a antecipação das datas da Volta a Polónia
e a despromoção do Eneco Tour, passando a ter nas datas habituais da nossa
principal corrida apenas dois dias de provas da 1ª divisão, a Clássica de San
Sebastián e a Vattenfall Classic. Há outros pontos sensíveis onde há vontade de
mudança, mas como disse vamos aguardar já que algumas destas medidas ainda
estão a ser estudadas e podem não ser viabilizadas.
E
quanto ao pelotão nacional para a próxima temporada, mantêm-se as seis equipas
continentais e as quatro equipas de clube?
A nível das equipas continentais o número está
equilibrado, porque os plantéis cresceram de forma considerável. Já nas equipas
de clube era necessário existir pelo menos o dobro das actuais. Hoje em dia, é
muito complicado ter equipas de formação, porque ao não existir um calendário
próprio para os sub-23, estes correm quase sempre com os ciclistas
profissionais, sendo por isso os resultados praticamente inexistentes e os
patrocinadores em busca acima de tudo de protagonismo vão-se afastando. Não
podemos cair no erro de pensar que a formação de um ciclista se faz até ao
escalão júnior, o que acontece é precisamente o contrário, é a partir dai que
se inicia a especialização de um ciclista e se não forem tomadas algumas
medidas a pensar nas equipas de clube, podemos ter a curto prazo muitos jovens
a procurar o ciclismo e a dedicarem a sua adolescência à procura do sonho de
ter uma carreira profissional e a terem na sua grande maioria que deixar de
correr com... 18 anos. Alguns ciclistas com resultados no escalão júnior dão o
salto para o profissionalismo, mas este não será o percurso ideal. Convém que
as pessoas tenham em mente que há muitos jovens que tardam em atingir o nível
físico, mas também há ciclistas juniores que têm programas e metodologias de
treino a visar precocemente o rendimento. Não nos podemos dar ao luxo de
desperdiçar talento nem destruir o sonho de tantos jovens, que com a ajuda dos
pais tanto se sacrificaram para serem ciclistas. É aí que as equipas de clube
desempenham um papel importante, dando aos jovens oportunidade de aprimorar a
seu tempo as capacidades para serem profissionais de ciclismo.
Por
último, podemos contar num futuro próximo com um prémio da APCP no feminino,
distinguindo a melhor atleta da temporada?
No passado, a APCP já fez uma aproximação ao
ciclismo feminino, não tendo existido grande adesão. Ainda assim, estamos
abertos e dispostos a colaborar com todas as vertentes do ciclismo que procurem
a nossa ajuda e colaboração.
Foto e entrevista por Helena Dias
(escrito em português de acordo
com a antiga ortografia)
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