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Micael Isidoro revela novo projecto sub-23 na Região Oeste de Portugal

Micael Isidoro escreveu um ponto final na sua longa história de ciclista profissional, despedindo-se do pelotão em 2022 ao serviço da ABTF Betão-FEIRENSE, onde teve como director desportivo Joaquim Andrade, seu colega de equipa na saudosa Riberalves no longínquo ano de 2005, onde iniciou o seu caminho profissional. Nos últimos 18 anos, Mika, como é carinhosamente conhecido no pelotão, viveu a sua paixão pelo ciclismo com todos os sentimentos que uma paixão pode proporcionar: expectativa, alegria, desilusão, esperança.
 

Aos 40 anos de idade, celebrados a 12 de Agosto, Micael Isidoro prepara-se para iniciar a escrita de uma nova história, desta feita como director desportivo da estreante equipa continental Victoria Sports, inscrita nas Filipinas e patrocinada pela empresa detentora do luxuoso arranha-céus em Caloocan, destinado a quem pretende usufruir de um estilo de vida desportivo. Terá a seu lado o ciclista Carlos Ochoa, com quem partilhou equipa nos últimos três anos, nomeadamente no Feirense, Louletano e Tavira.
 
Para além deste projecto, Micael Isidoro irá também assumir o papel de director e manager de uma nova equipa sub-23 sediada na Região Oeste, em Portugal, onde o talento brota a cada ano com forte intensidade, mas sem resposta na região para desenvolver os seus jovens no ciclismo. Muitas foram as estrelas que nasceram nos 12 municípios que constituem a Região Oeste Peniche, Óbidos, Lourinhã, Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço, Arruda dos Vinhos, Alenquer, Cadaval, Bombarral, Caldas da Rainha, Alcobaça e Nazaré, mas que tiveram de realizar a sua formação e crescimento por outras paisagens. Com este projecto pretende revitalizar o ciclismo no Oeste lusitano, através da criação de uma equipa sub-23, um escalão cada vez mais esquecido e em franca dificuldade no país. A formação é a pedra basilar do futuro da modalidade e, por essa razão, quer garantir a presença em escolas para incentivar o uso da bicicleta como uma das melhores formas de vida saudável, partilhando experiências e vivências que possam cativar os mais pequenos para o mundo do ciclismo.
 
O Cycling & Thoughts falou com Micael Isidoro sobre o final de carreira e os novos projectos.
 
Cycling & Thoughts: Este foi o último ano a pedalar no pelotão, uma decisão que não pareceu fácil ao longo de toda a época.
Micael Isidoro: As coisas foram acontecendo naturalmente. Acho que fiz um ano melhor do que estava à espera, já que vinha de uma paragem que me prejudicou muito. Senti-me bem e, segundo a lógica do pós-paragem, se calhar para o ano rendia mais, o que dificultou a decisão. Quando fui para o Tavira (em 2020), estive um ano todo sem correr, fiz apenas um dia de corrida. Depois, no Louletano (em 2021), fiz também muito pouco, cerca de 10 ou 15 dias.
 
C&T: Porquê?
MI: Porque o calendário era suposto ser uma coisa, depois foi completamente o oposto e não me enquadrei naquilo que me disseram. Com esta idade, quando não se está contente já é difícil. Tem de se estar contente e não tem a ver com dinheiro. Tem a ver com sentirmo-nos bem com as pessoas e as pessoas serem sérias. Às vezes, isso é o clique para se conseguir render ou não. Foram quase dois anos parado. Um corredor com esta idade, 38/39 anos, tem de correr e estar em contacto para não perder a rotina, pois já se tem dificuldade em sofrer e se perdemos a rotina de estar em competição menos vontade existe. Este ano com o Quim (Joaquim Andrade na ABTF Betão-FEIRENSE) foi precisamente o contrário. Gostei bastante, corremos, aconteceu precisamente o que foi combinado. Gostei muito da equipa, do staff, senti-me muito bem e consegui trabalhar para a equipa dentro das minhas características.
 
C&T: Sentiste que acreditavam em ti?
MI: Sim. Cumpri naquilo que eram as minhas funções e dei a mão em momentos complicados. Confiaram no que eu podia fazer. Posto isto, comecei a pensar que podia fazer mais um aninho. Era provável que fizesse, só que já havia tanta coisa na cabeça. O que estou a fazer já vem de há muito tempo. Sempre pensei que, ao acabar a carreira profissional de ciclista, gostaria de tentar ajudar o ciclismo. Foi um último ano que, a partir do Troféu Joaquim Agostinho, se tornou complicado, porque não sabia se ia acabar ou continuar. Penso que se um ciclista tiver as coisas organizadas deve prolongar a carreira até se sentir bem. Eu saio, mas com o sentimento de poder continuar mais um ano ou dois. Este ano tive dignidade, andei consoante pude, enquanto no último ano no Louletano houve situações em que eu próprio queria sair, pois não acrescentava, não tinha dignidade e pensei estar na altura de dar lugar aos mais jovens por não me sentir bem comigo próprio.

C&T: Este ano vimos na estrada o Micael de há uns anos atrás, com vontade de estar ali.
MI: Sim, gostei muito da equipa ABTF Betão-FEIRENSE. O Quim (Joaquim Andrade) tinha ali um bom grupo. Havia um clima muito bom e quando isso acontece é mais fácil as coisas funcionarem. Isso valoriza os ciclistas, pois todos saíram favorecidos após este ano. O Ivo (Pinheiro) melhora as condições, o Francisco (Pereira) afirma-se, o André (Cardoso) e o Márcio (Barbosa) continuam no ciclismo, o Venceslau (Fernandes) vai para o Tavira, ou seja, houve ali um bom trabalho que deu frutos. É pena não ficarem todos juntos. Falei com o Quim sobre algumas situações, pareceu-me o mais correcto, e só depois dos ciclistas não ficarem na equipa é que falei com eles, pois têm qualidade, dou-me bem com eles e são uma mais-valia. Se não ficassem ali, claro que tinha interesse em ficar com eles no novo projecto.
 

C&T: Como foi encarada essa mudança de ciclista para responsável de um projecto?
MI: Foi uma mudança que chegou naturalmente, nascida de uma vontade de querer ajudar o ciclismo e que já podia ter acontecido há muito mais tempo, só que a minha paixão de ser ciclista foi-me fazendo insistir e lutar por permanecer no pelotão. Fui muito injustiçado, porque em sub-23 era ciclista de Selecção, tinha um nível médio jeitoso e depois quando passei a elite continuei a trabalhar igual, sendo um ciclista sério e mais dedicado, mas surgiram discrepâncias muito grandes de alguns corredores para outros. A sua evolução foi assim tão grande? Se calhar não. Sinto que fui injustiçado, mas foi uma opção minha ser injustiçado. Não me arrependo, mas em alguns momentos podia ter sido um corredor com resultados muito diferentes, mas foi uma opção minha e lutei assim.
 
C&T: Um colega que começou contigo no ciclismo na mesma altura confidenciou seres à altura um dos melhores e que a carreira podia ter sido bastante diferente se tivessem apostado em ti. Quando olhas para trás, achas que foi esse ponto que faltou?
MI: Sim, também. E tive o azar de estar perante uma situação, a mesma em que a Região Oeste se encontra hoje em dia, e que estou a tentar mudar. Se houvesse uma equipa forte nesta Região, a dar as condições necessárias, eu teria tido um percurso muito mais estável e com condições para fazer uma boa evolução. Como não existia, tive que me sujeitar a contratos mais baixos, a andar para um lado e para o outro. Por exemplo, aqui não tivemos o que o Tavira teve, ou seja, uma estrutura que agarrou nos corredores da sua região e investiu, desenvolvendo e alavancando os corredores para um nível que eles não tinham anteriormente. Eu senti-me um bocadinho perdido aqui no meio disto. Tinha qualidade, mas não havia nada e a parte humana das pessoas não era a melhor, era o ‘salve-se quem puder’ e andei um pouco perdido a querer fazer mas sem condições.
 
C&T: Quando inicias este novo projecto, é sozinho ou acompanhado?
MI: A ideia inicial foi minha, mas fui falando com muitas pessoas, explicando a situação. Na verdade são dois projectos, a equipa continental e o projecto a nível de sub-23 para a Região Oeste. A equipa continental é em parceria com o Pako (Carlos Ochoa), que também foi ciclista e já vimos falando há algum tempo que se devia fazer uma coisa em condições para ajudar os corredores e tentar ter uma perspectiva diferente. O projecto sub-23 surge para tentar resolver o problema de não haver nada aqui no Oeste. Como vou estar nos dois lados, tenho de ter pessoas credíveis ao meu lado, nas quais possa confiar para sermos uma só equipa a trabalhar todos para o mesmo. Quando a equipa continental estiver a correr em Portugal irá estar com a equipa sub-23, com marcas diferentes mas a mesma estrutura.
 
C&T: Qual será a tua função?
MI: Serei director desportivo da equipa continental e director e manager na equipa sub-23, na qual também irei contar com o Paulo Figueiredo (ex ABTF Betão-FEIRENSE) como director para estar ao meu lado ou assumir quando eu não puder estar presente.
 
C&T: Em números, quantos corredores terá a equipa continental?
MI: Esta equipa terá 12 corredores, a maioria filipinos e cinco portugueses. Até ao momento os ciclistas filipinos são o Pako (ex ABTF Betão-FEIRENSE), Ean Cajucom, Jerry Aquino, Daniel Ven Cariño e Rex Luis Krog (ex Go For Gold Philippines). Os ciclistas portugueses são André Cardoso e Márcio Barbosa (ex ABTF Betão-FEIRENSE), José Mendes (ex Aviludo-Louletano-Loulé Concelho), Guillaume de Almeida e Pedro Paulinho. Relativamente ao staff sou eu, o Paulo Figueiredo, o Sr. Albino e o Bruno Magalhães, que será o mecânico. Temos mais algumas pessoas com vontade de juntar-se ao projecto, mas ainda não está confirmado.
 
C&T: E em relação à equipa sub-23?
MI: Esta equipa ainda está em desenvolvimento. Neste momento temos nove ciclistas, mas provavelmente serão 11, sendo dois elites e os restantes sub-23 já com percurso neste escalão. Inclusive, grande parte da equipa é de quarto ano de sub-23. Poderemos ter dois estrangeiros, possivelmente espanhóis, um deles é muito bom ciclista e estou em negociações. Os nomes que podemos revelar até ao momento são Tomás Bauwens, Miguel Carvalho, Bernardo Jorge, Marco Marques, Gabriel Casal, João António, Miguel Correia, Daniel Luís e Rui Ventura.
 
(foto gentilmente cedida pela equipa sub-23 / Paulo Figueiredo)

C&T: Qual o objectivo da equipa sub-23?
MI: O objectivo passa por dar uma oportunidade aos jovens que vêm do escalão júnior, com prioridade aos da nossa Região, desenvolvendo as suas capacidades para posteriormente ajudá-los a passar para equipas continentais.
 
C&T: Estando a equipa continental inscrita nas Filipinas, qual será o calendário em termos de corridas?
MI: A equipa tem o registo na UCI pela primeira vez e, por isso, vai entrar num processo de convites. Estamos a trabalhar e a tentar o máximo de convites possível para podermos definir um calendário, tentar ver as prioridades e o orçamento que temos para viajar e correr. À partida, o calendário passará pelas corridas internacionais em Portugal, à excepção da Volta ao Algarve. Penso que somos uma mais-valia, estamos a dar trabalho a portugueses, temos uma equipa boa e, dadas as dificuldades que algumas organizações têm em ter equipas, acho que nem se mete em causa não estarmos presentes nas nossas provas. O mercado asiático é outra prioridade, inclusive algumas corridas nas Filipinas. Vamos tentar o Japão, Taiwan, China, Malásia e provavelmente o Catar no início do ano. Ou seja, queremos entrar no mercado asiático para desenvolver os ciclistas filipinos. Quanto aos ciclistas portugueses, a sua presença irá ajudar a passar toda a sua experiência aos filipinos. Penso que é uma experiência incrível poder ouvir histórias e usufruir da vivência de corredores como André Cardoso e José Mendes, que estiveram ao mais alto nível no WorldTour.
 
C&T: Tens encontrado dificuldade nos convites para corridas?
MI: Em Portugal estou a iniciar o processo e à partida não vou estar na Volta ao Algarve, embora já tenha tentado explicar o nosso projecto, que penso ser muito aliciante. Em relação às outras corridas portuguesas, penso que não vou ter problemas. A nível internacional já temos alguns convites, pois a ligação que temos com uma grande empresa como a Victoria Sports, ligada a várias modalidades e com um grande peso no país, ajuda a que possamos ser convidados.
 
C&T: Um dos temas mais falados no ciclismo português é a carência de corridas direccionadas exclusivamente para o escalão sub-23. Qual será o vosso calendário?
MI: É muito preocupante. É um escalão que precisa de correr para manter o seu crescimento, principalmente no primeiro e segundo anos de sub-23. Há quinze anos atrás havia um calendário paralelo e corriam esporadicamente com os profissionais. Agora é o oposto. O que as equipas podem fazer é procurar um calendário exterior se tiverem orçamento, correr em Espanha ou França para tentar compensar a falta de corridas em Portugal. Nós vamos tentar fazer isso, somos um projecto a começar e acredito que vá crescer, pois estamos ligados a pessoas importantes e que querem fazer com que cresça. Passa pela nossa ambição ir correr no estrangeiro.
 
C&T: Podes avançar patrocinadores?
MI: Da equipa profissional posso avançar com o patrocinador principal, que dará nome à equipa, Victoria Sports, mas ainda estamos a fechar com mais patrocinadores. No projecto sub-23 ainda estou a fechar parcerias, mas posso adiantar que vai ser um bom nome, impactante, forte na nossa Região e que espero possa ajudar o nosso ciclismo.
 
C&T: Quais as bicicletas?
MI: A equipa continental vai correr com bicicletas Specialized. A nível dos sub-23, devido à circunstância de falta de material a nível mundial, as coisas não estão muito fáceis. Estamos a negociar, mas já tenho várias estratégias para ajudar os ciclistas e ver o melhor para eles.
 
C&T: Com o projecto montado e os ciclistas na estrada, qual é a tua maior ambição?
MI: Sou sincero, claro que temos sempre ambição e eu tenho-a, mas o que mais quero é que este projecto possa ficar cada vez mais sustentável, pois podemos crescer muito e cair rápido. Quero dar passos sustentados para poder criar uma organização de forma a poder receber um patrocinador maior daqui a um ano ou dois anos e com credibilidade, um investidor que acredite na modalidade e veja na nossa equipa um projecto aliciante. Essa é a grande ambição. A partir daí vem a sequência: os resultados e a internacionalização. No fundo é criar uma referência, que é o que nos falta neste momento em Portugal.
 
C&T: Como é que um profissional do ciclismo de há longa data olha para os mais jovens e lhes diz que o ciclismo continua a valer a pena?
MI: Muitos deles têm uma paixão muito grande e querem estar no ciclismo, o que é bonito. Contudo, existem dois problemas que se passam com os jovens. Temos bons exemplos de muito sucesso e de um nível muito alto, o que é bom, mas também pode ser dissuasor e um factor para desmotivar alguns jovens, porque o processo nem sempre corre como queremos e há uma taxa de desistências mais alta. O que digo sempre é que o ciclismo vale a pena, só é preciso encontrar as pessoas certas. Espero ser uma pessoa certa para os ajudar. Sempre valeu a pena no passado, porque não pode valer a pena no futuro? Há muitas pessoas boas em Portugal, muita gente competente que está fora do ciclismo e podia voltar. É só uma questão do ciclismo se reencontrar.


Revisitamos em imagens alguns dos momentos felizes na carreira de Micael Isidoro:












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