Foi o título de campeã nacional de ciclocrosse, em 2017, que
deu a conhecer
Sandra dos Santos aos
fãs lusos do ciclismo feminino. No ano seguinte, repetiu a conquista do título
nacional na mesma vertente e um ano mais tarde, em 2019, cumpriu um dos seus
maiores objectivos de carreira: integrar uma equipa profissional de ciclismo de
estrada, a formação basca Eneicat, da categoria Women’s WorldTour.
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Sandra dos Santos (© Instagram atleta)
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Sandra dos Santos, de 28 anos, nasceu no leste de França,
mas tem dupla nacionalidade, francesa e portuguesa. Como nos confessou numa
recente conversa,
“desde pequena, sinto-me mais portuguesa do que francesa”. Após
esta conversa, que mantivemos à distância de um computador, devido ao distanciamento
que a pandemia nos impõe, percebemos o porquê do seu português não ser
perfeito. Embora tenha Portugal no coração, foi em França que passou
praticamente toda a sua jovem vida.
As raízes lusas vêm do lado paterno.
“O meu pai [Manuel]
é
português e saiu de Portugal muito novo, com 20 anos, para viver e trabalhar em
França. A minha mãe [Nadine]
é francesa. Tenho família em Portugal, onde estou
agora, bem perto da Covilhã.”
Foi também em França que deu as primeiras pedaladas.
“Um
dia, estava a andar de bicicleta com a minha mãe e disse-lhe que queria entrar
numa equipa e fazer competições, como o meu pai e o meu irmão [Adrien]
. Eram
muito bons corredores. O meu pai não concordou com esta ideia, porque conhecia
bem o ciclismo… um desporto duro e de bastante sacrifício. Mas a minha mãe
deu-me o seu ok e, uns dias mais tarde, levou-me a treinar numa equipa. Este
foi o início da minha longa história no ciclismo. Comecei aos seis anos de
idade, na equipa da cidade onde vivia com os meus pais. Durante os primeiros
anos, vesti a camisola de diversas equipas francesas, equipas de categoria
nacional, e venci a Taça de França em júnior.”
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(© Facebook atleta)
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Ao contrário da sua irmã Céline, que pedala apenas por diversão, desde cedo Sandra mostrou elevada qualidade numa modalidade
que a levou de país para país, a atravessar continentes. De França ao Japão,
passando por Espanha e Portugal, chegando aos Estados Unidos da América, a
corredora de expressivos olhos verdes competiu por diversas equipas nacionais
francesas, passou pelas espanholas Bioracer Elmet e Eneicat, a franco-japonesa Neilpryde
Nanshin Subaru e ainda trabalhou no staff da norte-americana H&R Block Pro
Cycling. Caracteriza-se por ser uma ciclista versátil, que gosta de subidas e também
sprinta bem, não se limitando à estrada e passando pelo ciclocrosse, btt e
quando era mais nova pela pista.
Apesar dos grandes momentos e experiências vividos, nem tudo
foi um mar de rosas na carreira de Sandra. Como nos confessou, um dos episódios
mais difíceis de superar aconteceu há precisamente dez anos.
“Em Abril
de 2010, fui até aos Países Baixos para uma prova de quatro dias [Omloop
van Borsele]
e na última etapa, no sprint final, a 100m da meta, uma corredora
holandesa causou uma queda na frente do pelotão e foi como um dominó impossível
de travar. Num sprint, tudo vai tão depressa, todas as corredoras que estavam
atrás chocaram contra mim. Claro que me quis levantar e ir até à linha de meta,
mas quando tentei levantar-me não consegui, devido às enormes dores nas costas.
Fiquei deitada à espera da ambulância. Finalmente, após exame médico, soube que
tinha fraturado uma vértebra lombar, a L1. No dia seguinte, quando as
enfermeiras vieram levantar-me para me fazer andar, não sabia mais como
fazê-lo, só consegui após alguns minutos, o que no momento foi uma sensação
muito estranha e de medo. Depois disso, foram tempos muito difíceis para mim. Sete
semanas com um colete corrector, que só podia retirar para tomar banho. A parte
mais difícil foi aceitar que não poderia estar presente nos Campeonatos da
Europa e do Mundo.”
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Queda na Omloop van Borsele (© cyclopics.nl)
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Este acidente podia ter ditado o fim da carreira de Sandra
no ciclismo.
“Após esta queda, os meus pais quiseram que deixasse o ciclismo, mas em
Agosto lá estava eu à partida para o Campeonato de França, onde comecei o meu
sprint cedo demais e terminei em 14º. Os meus anos de sub-23 foram um quanto
complicados depois dessa queda.”
E quando tudo parecia retomar a normalidade, uma nova queda
arredou Sandra das estradas.
“Em 2013, ano em que fiz segundo no Campeonato
de França Elite de Ciclocrosse, tive novamente uma grande queda, onde me vi
novamente deitada no chão e soube logo o que tinha. Não queria acreditar, mas era
nova fratura de vértebra lombar, a L2. Fiz o mesmo tratamento com o mesmo colete
corrector, que tinha guardado como recordação. Na verdade, tive muita sorte de
nunca ter ficado paralisada.”
Sandra enfrentou este novo infortúnio com a mesma convicção com
que conquistou cada vitória e quando uma oportunidade de sonho surgiu, não hesitou
em embarcar rumo ao continente asiático.
“Em 2015, tive a oportunidade de ir para o
Japão para a equipa franco-japonesa Neilpryde Nanshin Subaru. Fui com três amigas
e fiz duas épocas. Foram dois anos de loucura, descoberta de muitas coisas,
nova cultura, encontros, viagens, muito treino e corridas maravilhosas como a
Taça do Japão no mítico Monte Fuji, onde fiz 2º, ou o Critérium International
em Hong Kong, que ganhei. Tive grandes vitórias e excelentes pódios.”
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Sandra no Japão, em 2016 (© Y.Takagi)
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E foi precisamente em 2016 que vimos Sandra correr pela
primeira vez, em Setúbal, aquando da última prova da Taça de Portugal, onde
esteve com a equipa lusa 5Quinas/Município de Albufeira.
“Em 2016, regressei por uns dias
a Portugal e participei na minha primeira Taça de Portugal e no meu primeiro
Campeonato Nacional de fundo e de contra-relógio, tão difícil devido ao jet-lag.”
As provas foram ganhas por Daniela Reis (Ciclotel), tendo Sandra finalizado
ambas as provas do Nacional no 6º lugar.
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Sandra dos Santos na última prova da Taça de Portugal 2016 (© Helena Dias)
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Depois desta primeira incursão pelas competições lusas,
Sandra regressou a França.
“A equipa franco-japonesa masculina subiu a
profissional e a equipa feminina não continuou. Assim, arranjei um emprego numa
clínica dentária enquanto continuava com o ciclismo e as corridas.” E
os resultados em Portugal só melhoraram, conquistando o seu primeiro pódio no
Campeonato Nacional de contra-relógio, com um 2º lugar em 2017, ano no qual se
sagrou campeã nacional de ciclocrosse em Portugal.
“Tenho grandes memórias desse
dia, a minha família estava lá. Pratico ciclocrosse desde pequena, gosto
imenso. É muito diferente da estrada, é mais divertido e a atmosfera é
diferente. O esforço é muito mais intenso.”
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Campeã de Ciclocrosse em 2017 e 2018 (© Instagram atleta)
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Na época seguinte, Sandra repetiu a vitória no Campeonato Nacional
de Ciclocrosse, em 2018, ano no qual
“surgiu a oportunidade de trabalhar na
equipa masculina UCI, H&R Block Pro Cycling, no Canadá. Integrei o staff, fazia
massagens e preparava os bidões e toda a comida para a corrida e após a corrida.
A equipa competia no Canadá e nos Estados Unidos da América. Cruzei os Estados
Unidos numa carrinha, visitei lugares incríveis e lindos como o Parque Nacional
do Grand Canyon, Los Angeles, Las Vegas. Esta equipa participou na Volta a
Portugal em 2017 e foi esse o meu primeiro trabalho com ela. Durante este
período, tive de pôr de parte o ciclismo de estrada e fazer apenas a época de
ciclocrosse. Vivi esta experiência a 100%.”
Até que, em 2019, Espanha ofereceu a Sandra a oportunidade
de realizar o sonho de integrar uma equipa profissional feminina, a Eneicat, um
sonho que não acabou da melhor forma.
“A minha experiência em Espanha foi boa,
corri muitas provas, foi uma boa experiência. A minha primeira equipa, a
Bioracer Helmet, estava sediada no País Basco, e com ela fiz a Taça de Espanha,
corridas UCI, além de eu correr também em França e em Portugal. Em 2019,
tornei-me profissional pela Eneicat, sediada em León. Foi um dos objectivos que
tinha apontado para a minha carreira. Fiz bons resultados, passei grandes
momentos, mas foi também uma época complicada, porque não me pagaram, e a
outras corredoras também. Ainda hoje estou à espera do meu salário e sei que vou
esperar muito mais tempo. Foi por isso que não quis continuar na equipa, mesmo
que signifique não ser mais profissional. Fiquei mesmo desapontada, doente com a
situação, e penso que não está correcto.”
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Sandra com a equipa Eneicat (© Facebook atleta)
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Foi também em 2019 que foi uma das eleitas para fazer parte
da Selecção Portuguesa de estrada.
“Vestir a camisola nacional de Portugal
representa as minhas origens e é um grande orgulho para mim. Sempre quis correr
por Portugal e consegui alcançá-lo. Penso que se os meus avós portugueses ainda
estivessem neste mundo teriam muito orgulho ao ver-me com as cores de Portugal.”
Em Abril de 2019, foi a melhor classificada da Selecção Lusa no Tour du
Gévaudan, em França, ao terminar no 24º lugar. Neste ano conquistou ainda a
medalha de bronze no Campeonato Nacional de fundo.
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Sandra dos Santos com a Selecção Portuguesa ( ©Facebook atleta) |
Depois de passar grande parte de 2019 a viver em Portugal,
porque
“era mais perto para juntar-me à equipa espanhola, em setembro do ano
passado regressei a França no fim da época de estrada e retomei os estudos em
naturopatia, que estou quase a terminar. Agora quero instalar-me aqui, em
Portugal.”
Ao longo da conversa, Sandra revelou-nos mais um facto que
eleva a sua dedicação ao ciclismo a um nível superior.
“Durante uma boa parte da minha
carreira, desde os 15 anos, passei a viver com problemas de tiroide, geralmente
muito incapacitante e ainda mais no ciclismo. Num dia estou em boa forma e no
outro dia estou muito mal, com zero energia nas pernas, tão cansada e sem ter
feito nada de especial. Isto tem um enorme impacto nos resultados desportivos. É
muito difícil aceitar estar mal quando fiz tudo para estar no topo nesse
dia. Apesar de tudo, sempre continuei a treinar, porque amo o ciclismo. É a
minha vida, está nos meus genes.”
Quando perguntámos sobre as maiores diferenças entre o
ciclismo feminino francês e o português, Sandra observou que
“é difícil
comparar, porque em França há muito mais corredoras, mais equipas femininas e
temos equipa UCI, há muito mais corridas e o país também é maior. As corridas
são mais publicitadas e algumas têm transmissão televisiva como a dos homens, o
que é algo muito positivo e importante para nós. Mas em ambos os países temos
de continuar a lutar por promover o ciclismo feminino. As mulheres têm de ser
iguais aos homens, em particular no que toca aos salários, porque o desporto e
o esforço são iguais, tal como os sacrifícios.”
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Sandra na equipa Bioracer Helmet (© Daniel Peña)
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De todas as corridas em que participou, guarda algumas na
memória com maior carinho.
“A minha vitória em júnior na Taça de
França, na prova Cholet Pays de Loire, em que terminei em 8º com as elites. Éramos
130 corredoras à partida e não esperava ganhar em júnior. Também as minhas
vitórias na Taça do Japão e no Critérium International em Hong Kong. Aí foi uma
loucura, as pessoas não me conheciam e ainda assim ouvia o meu nome em cada
parte do circuito. E claro, o meu primeiro título de ciclocrosse em Portugal,
onde vi lágrimas nos olhos dos meus pais.”
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