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Volta a Portugal, rainha dos galegos

Uma música embala-nos na escrita sobre a rainha lusa, um rei e príncipes galegos. Ed Sheeran com a magnífica melodia “I See Fire”, composta para “O Hobbit: A Desolação de Smaug”, é a fonte de inspiração das palavras que se seguem…


A rainha veste-se de cores galegas. Assim é desde 2006, apenas com interregno de dois anos. Falamos da Volta a Portugal, cobiçada Senhora de muitos Senhores ciclistas. O Rei Blanco, de seu nome David, tomou-a em seus braços levando o precioso troféu por cinco vezes para o reino da Galiza. Admirado pelo seu séquito, abdicou do seu reinado após 12 anos maioritariamente entregues à demanda lusitana, deixando um legado de príncipes galegos dispostos a lutar pelo trono. Dois lograram em suas mãos o mesmo Graal, Alejandro Marque e Gustavo Veloso, que vestiram o manto amarelo nos dois recentes anos. Delio Fernández esteve próximo do trono, sendo terceiro o ano passado. 
Álex Marque, Gustavo Veloso e Delio Fernández
(foto Facebook Delio Fernández)
O lema do antigo reino da Galiza diz-nos, traduzido do latim, “Eis aqui o mistério da fé que com firmeza professamos”. Professando uma paixão inabalável pelo ciclismo, à prova de difíceis reveses e que como a fé se sente e não se explica, Blanco, Álex e Gustavo lideraram as suas esquadras rumo à conquista da Volta. Blanco agarrou o ceptro em 2006, 2008, 2009, 2010 e 2012, sendo apenas em anos posteriores que Álex, em 2013, e Gustavo, em 2014, assumiram o comando das suas armadas para a conquista do almejado ceptro.

Para todos a batalha mostrou-se dura, magnificentemente dura no momento chave que é o derrube da Torre. Em plena Serra da Estrela, no alto dos seus 1985m, só resistem os mais fortes. Sublimes são aqueles que a conquistam. David Blanco derrubou os adversários na Torre duas vezes, em 2010 sobre Hernâni Brôco e Sergio Pardilla, em 2012 frente a Rui Sousa e Darwin Atapuma. Gustavo Veloso abraçou a vitória na Torre em 2013 diante de Rui Sousa e Daniel Silva.

Mas não só no alto se escreve a vitória da Volta e os seus onze campos de batalha, prólogo e dez etapas. Precisamente um destes campos pode deitar por terra qualquer possibilidade de alcançar a vitória final e, ao contrário de outros dias, aqui a batalha é solitária. Requer um esforço individual igualmente sublime ao de escalar uma montanha, revelando-se neste caso toda a beleza de uma união difícil de alcançar por muitos, pois guerreiro e arma têm de ser um só. Ciclista e bicicleta fundem-se num só corpo lutando contra o inimigo tempo, naquele que pode ser o contra-relógio da sua vida. Por duas vezes Álex Marque derrubou o tempo em Leiria e na Guarda, em 2012 superando Reinardt Janse van Rensburg e o campeão nacional desse ano José Gonçalves, em 2013 impondo-se ao então companheiro de equipa Gustavo Veloso e a Rui Sousa. No ano seguinte seria Gustavo Veloso o mais forte na Sertã, defendendo com primazia a liderança da camisola amarela e vencendo sobre Victor de la Parte e Stefan Schumacher a luta individual de 2014.

Em 2015, a batalha pela rainha portuguesa verá em lados opostos os dois líderes galegos e últimos conquistadores do almejado Graal. Amigos de longa data, rivais na frente de batalha: Gustavo Veloso e os soldados W52-Quinta da Lixa vs Álex Marque e os soldados Efapel. Apresentam-se como os mais fortes candidatos à conquista da Volta, tendo ambos já alcançado vitórias este ano. Álex obteve a camisola do combinado no Troféu Joaquim Agostinho e triunfou na segunda etapa da Volta à Bairrada, competição que Gustavo agarrou a geral triunfando no contra-relógio e na camisola dos pontos, vencendo ainda uma etapa na Volta ao Alto Tâmega e 2º no pódio do Grande Prémio Beira Baixa. Em competições internacionais UCI, o destaque recai sobre Álex com um 9º lugar na Vuelta a Castilla y León e 11º na Vuelta a Comunidad de Madrid, comparando com o 25º lugar de Gustavo em Castilla y León e o abandono em Madrid.

Ao lado de Gustavo estará Delio Fernández, exímio companheiro de valor e abnegação incontestáveis, também ele vencedor de uma etapa em 2013, na meta em Fafe frente a Álex Marque e Fabien Schmidt. Este ano luziu a sua qualidade no 2º lugar do pódio da Volta ao Alentejo, Volta à Bairrada e Troféu Joaquim Agostinho, tendo alcançado regulares lugares nas provas internacionais UCI como a Vuelta a Castilla y León (5º), Klasika Primavera Amorebieta (14º), Vuelta a La Rioja (16º), Vuelta Asturias (18º) e Gran Premio Miguel Induráin (20º).

Donos de uma experiência e sabedoria de anos no ciclismo, Álex de 33 e Gustavo de 35 anos derramam classe no asfalto, um talento dedicado e entregue de corpo e alma ao coração lusitano das duas rodas, merecedores de um caminho internacional que se mostrou difícil de trilhar, à imagem de Delio de 29 anos. Prestes a iniciar a luta pela conquista da Volta a Portugal, terão ainda que rivalizar com os heróis lusos dispostos a tomar para si a rainha nacional… Hernâni Brôco (LA Alumínios-Antarte), Hugo Sabido e João Benta (Louletano-Ray Just Energy), Rui Sousa e César Fonte (Rádio Popular-Boavista) e o vencedor de 2011 Ricardo Mestre (Team Tavira) não serão rivais fáceis de bater.

E tal como Bilbo Baggins na sua cruzada épica para a reconquista da Montanha Solitária, no filme de Peter Jackson "O Hobbit: A Desolação de Smaug", também na Volta se viverá a demanda sublime pela conquista da montanha mais cobiçada. Lá no alto estará vigilante a Torre, olhando pelos seus guerreiros, pondo à prova a sua coragem e antevendo quem a derrubará na etapa mais almejada até ao conquistar final da rainha portuguesa, dona de um encantamento mágico sobre os guerreiros que dedicam meses de preparação para a tomarem em seus pedais e tornarem-se eternos na sua história. No culminar da batalha, a capital estará à sua espera. Lisboa vestir-se-á de gala para receber a colorida serpente. No céu brilhará a celebração da vitória, chovendo champanhe sobre os heróis da Volta. No olhar do grande vencedor ver-se-á fogo, as chamas da paixão pela rainha que é sua após dias de uma luta demolidora, estratégias delineadas, certezas e incertezas, acertos e erros, alegria e sofrimento até ao último pulsar de força no seu corpo. Tudo é esquecido no momento em que tomará nas suas mãos o troféu, entregando-lhe num beijo libertador o turbilhão de emoções por ser o Senhor da 77ª Volta a Portugal. 

O beijo libertador do vencedor da
Volta a Portugal (
©Helena Dias)
Chuva de champanhe na conquista da
Rainha Portuguesa 
(©Helena Dias)

Banda sonora de "O Hobbit: A Desolação de Smaug"

______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

Comentários

  1. Parabéns pelo artigo feito com conhecimento mas também pelo sentimento que imprime nas palavras que escreve.

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