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Nuno Almeida procura destaque no Troféu Agostinho

Nuno Almeida é um dos jovens promissores do pelotão nacional. Este ano representa as cores da Sicasal-Constantinos-Udo, uma nova equipa de clube pertencente à Academia Joaquim Agostinho, que leva na camisola uma marca de peso. A Sicasal marcou grandemente a história do ciclismo profissional português e neste regresso ao pelotão alia-se à formação através do patrocínio desta estreante esquadra.

No início da temporada falámos com este jovem de 23 anos e agora voltamos a sentir o pulso a meio do ano competitivo. Nuno Almeida conversa com o “Cycling & Thoughts” num dos lugares mais marcantes da sua carreira, o Parque Eduardo VII com vista para a Praça Marquês de Pombal, onde no ano passado conseguiu terminar a sua primeira Volta a Portugal ao serviço da Selecção Nacional. 

Nuno Almeida, jovem ciclista da Sicasal-Constantinos-Udo
(
© Helena Dias)
P- Foi aqui que viveste um dos teus grandes momentos enquanto ciclista, o ano passado na chegada da Volta a Portugal a Lisboa. O que recordas desse dia?

NA- Um mar de gente! A Volta a Portugal é uma corrida única. Era a minha primeira vez, chegar ao último dia, chegar a casa. Moro perto, tinha aqui muita gente conhecida e senti um arrepio. Até a dor de pernas passou. Ouvir o nosso nome gritado por amigos e, por vezes, conseguir vislumbrar quem são… são momentos únicos, que espero repetir. Sei que este ano em princípio não vai acontecer, mas espero repetir para o ano. Vou lutar por isso.

P- No início do ano mostravas-te ansioso pela nova temporada, nova equipa, novos companheiros. Como está a ser este início de caminhada?

NA- A ansiedade é normal. Com a questão da nova equipa, com este nome, existe sempre ansiedade e responsabilidade. Por ser um pouco mais experiente, consigo ultrapassar de melhor forma. O início da época não foi tão bom como eu esperava, foi uma fase complicada e bastante exigente por causa dos estudos. Chegou uma altura em que pensei se estava a fazer tudo bem. Foi preciso manter a calma, rectificar alguns pormenores, alguns erros que foram sendo cometidos e as coisas começaram a seguir o seu rumo, a evoluir bastante bem e agora tem corrido muito bem.

P- Continuas a conseguir conciliar o ciclismo com os estudos. Estás a acabar o mestrado em Engenharia Informática.

NA- Exacto, estou no final do primeiro ano. Estou em época de exames. Já não tenho aulas, mas todos os dias tenho uma rotina de treino e estudo para os exames. Não é fácil… O desgaste psicológico é bastante acumulado, não só deste ano mas de todos os anos anteriores. Já são quatro anos seguidos neste nível de estudo, de faculdade. É preciso ter uma capacidade anímica forte e, acima de tudo, saber muito bem o que se quer para conseguir ter um rumo no meio de toda esta luta. Se fosse fácil, penso que hoje em dia as pessoas não iam cometer o erro de não estudar e fixar-se só no ciclismo, porque isto pode não dar.

P- O apoio dos teus pais tem sido fundamental.

NA- Acima de tudo são a base. São eles que sustentam e suportam tudo. Sem eles não era possível. A rotina de chegar de um treino de muitas horas, nunca almoçar com eles, chegar tarde… Felizmente facilitam-me a vida no sentido de ter a alimentação correcta, previamente definida. Chego a casa e só tenho de me preocupar com descansar, comer e depois ir para a faculdade ou estudar. Não tenho de me preocupar com muito mais e isso é fundamental.

P- No início da temporada falaste sobre a inexperiência da equipa. Como vês o grupo agora?

NA- A equipa começou com os atletas possíveis. Começou tarde e teve de ficar com os ciclistas que havia, porque a verdade é que já não existem muitos. Vão começando a abandonar. É uma realidade dura, mas é uma realidade. Apenas eu e o meu colega elite [João Letras] éramos os mais experientes, os outros atletas eram muito jovens e sem experiência. O início é sempre complicado, eu passei pelo mesmo e sei o que custa. Uns conseguiram superar, outros abandonaram. Entretanto, a equipa tem-se estabelecido com mais alguns elementos que, apesar de não terem tanta experiência, são mais velhos e de certa forma esconde um pouco esse factor. Têm mais mentalidade para ouvir, perceber e saber encarar qual o rumo. Desde há um mês a equipa começou a estabilizar, a ganhar um grupo com mais valor, mais regular. Este ano, ao contrário de anteriores, o calendário tem sido duro e muito preenchido. Por um lado é muito bom, porque dá ritmo aos atletas. Por outro, sendo a nossa equipa limitada em número de atletas, temos sempre de estar presentes. Nem os profissionais correm sempre, têm os períodos de descanso para recuperar e assimilar todo o trabalho. Se isso não for feito, chega a uma altura que não aguentamos.

P- Destacas alguma corrida em particular?

NA- Sem dúvida, o Grande Prémio Beira Baixa. Vesti a camisola de melhor ciclista de equipa de clube, acabando por não conseguir trazê-la para casa no último dia. Foi a minha primeira camisola nestes anos de luta e para mim tem um significado especial. De certa forma, foi dar sentido a todo o trabalho que venho a realizar e que, por vezes, sinto que a recompensa não chega. Naquele momento, senti a recompensa chegar. Não consegui manter no final, mas já é um passo. Eu perdi, mas tive de a ganhar para perder. É preciso tirar os aspectos positivos, perceber o que correu mal para evoluir e numa próxima ocasião não voltar a perder a camisola. Recordo também a Volta ao Alto Tâmega. Na primeira etapa de 200 km, a seguir ao prólogo, alta montanha e acumulado brutal, consegui estar 175 km em fuga. Foi apanhada, persisti e consegui entrar noutra fuga. Esse dia para mim marcou-me. Foi um dia de viragem, em que as coisas encarrilaram e é esse rumo que tem sido mantido.

P- Recentemente sofreste um acidente em plena corrida, que te levou a afastar de um dos objectivos da temporada, o Campeonato Nacional. O que se passou?

NA- São situações que podem acontecer, mas neste caso penso que era um pouco evitável. Estávamos na última etapa do Grande Prémio Jornal de Notícias, uma corrida prestigiada. Antes da corrida, a falar com o director desportivo [Hugo Lúcio], sabía que uma fuga ia ser muito importante e que podia vingar. Lutei desde o início para estar nessa fuga, que acabou por ser apanhada a 10 ou 5 km do final. Tínhamos passado a primeira meta volante, estávamos com cerca de 20 km e na disputa da meta abrem-se sempre espaços entre os ciclistas. Eu tinha o meu espaço aberto, mas estava praticamente com eles. Passaram duas motas por mim, numa estrada com duas faixas onde eu ia no meio concentrado a manter sempre a direcção. De repente, veio outra mota, que faz as gravações para a televisão, a acelerar e faz-me uma razia de tal maneira que só sinto um toque e estou completamente no chão. Caí desamparado, de cara… capacete partido, nariz, queixo e o resto do corpo esfolado, não parti os dentes porque o lábio amorteceu a queda. Marcas que ainda estão a ser recuperadas. Não sei o que senti naquele momento. Queria saltar para a bicicleta e ao mesmo tempo não queria continuar, mas a cabeça foi mais forte e fui. Quase sem falar, com fita a prender os sapatos, passei mal a primeira fase da corrida até recolar. Depois, estamos a quente, as feridas não se sentem e a verdade é que ainda acabei por chegar na frente, ficando na decisão dos 3 km onde abri como muita gente. Isso provou que estava bem, podia estar na discussão daquela etapa, mas uma queda que não deveria acontecer afastou-me e impediu-me na semana seguinte de estar presente num objectivo da época. Os Nacionais são sempre um sonho. Trabalhei bastante durante meses e essa queda afastou-me. Deixou-me triste.

P- Estamos a poucos dias de iniciar o Troféu Joaquim Agostinho, uma prova importante para a equipa que corre em casa. Que objectivos apontam para esses dias?

NA- A equipa vai tentar dar o seu melhor, honrar os patrocinadores que são da zona. Como o meu director afirmou, sabemos que não temos as mesmas armas para lutar como outras equipas, para ter um lugar de destaque na geral. É possível, mas muito complicado, porque a equipa acaba por ser inexperiente e isso conta bastante. Além disso, esta é uma corrida perto da Volta a Portugal com os atletas em preparação e a andar bem. Pessoalmente é um pouco a minha Volta a Portugal, mas de quatro dias. Não fiz a época somente a fixar-me neste objectivo, porque poderia acontecer alguma coisa antes e o que está para trás conta. Mas o Troféu Joaquim Agostinho é um objectivo, tal como eram os Nacionais. Vou com ambição de sair de lá com o maior destaque possível, dar o maior destaque à equipa e fazer o melhor possível na geral.

P- Depois segue-se a Volta a Portugal do Futuro.

NA- Que eu não corro, porque é exclusivo de sub-23. Desde o ano passado que pertence ao escalão internacional, o que eu concordo. Apanhei esta Volta quatro anos com ciclistas elite até 2º ano e sei a diferença que esses dois anos elite podem fazer, principalmente sendo de equipas profissionais. Assim, vai dar uma maior competitividade e um maior equilíbrio. Sei que os meus colegas vão dar o seu melhor e eu vou aproveitar este mês para fazer o descanso que ainda não tive até esta fase da época, mental e físico. Será uma altura mais calma para preparar a última fase da época, que tem de ser de luta até ao fim, porque só assim se consegue lutar por objectivos.

P- Um dos quais, subir a uma equipa profissional no ano que vem?

NA- Claro que sim. Não vou mentir, é um objectivo. Neste momento, luto por dois objectivos. Sei que chegamos a uma altura e temos de optar, mas enquanto é possível conciliar ciclismo e estudos assim vai ser. Quando tiver o objectivo dos estudos concluído, e se conseguir chegar a profissional, aí opto por uma das duas vias. Se tiver de seguir o rumo dos estudos, estou totalmente bem encaminhado.

P- Para quem acompanha este desporto, há sempre a curiosidade sobre as máquinas dos ciclistas. Fala-nos sobre a tua companheira de treinos, que trouxeste contigo, e o que difere da bicicleta que utilizas em competição.

NA- Na equipa corremos com bicicletas Pinarello, material Shimano 105 e tenho algumas peças que eu próprio coloquei como o pedaleiro, pratos Rotor ovais com que já corro há 3 anos e rodas de carbono patrocinadas pela Speedsix. Esta marca espanhola é representada pelo Nuno Silvestre em Portugal, falámos no início da época e chegámos a uma parceria para usar nas provas. São as rodas que os recentes vencedores da Volta a Portugal usam, Gustavo Veloso e Alejandro Marque, e também o Delio Fernández. Correr com umas rodas que estes vencedores utilizam é prestigiante. Relativamente à minha bicicleta de treino, é muito mais leve e também de competição. É um quadro topo de gama da marca BH, a g6, equipada com Sram Red e rodas Ksyrium. É uma autêntica máquina de competição, que me acompanha durante toda a semana e está aqui pronta para a guerra.

P- Contas com outros apoios pessoais?

NA- Felizmente, este ano consegui alguns apoios extremamente importantes para um atleta. O Ricardo Furtado trabalha em acupunctura, osteopatia, massagem, nutrição, medicina chinesa e acompanhava-me sem eu saber. Após a Volta a Portugal de 2014, disse-me que gostava de trabalhar comigo e desde Setembro que me está a apoiar. Sabemos o quão importante é para um atleta a massagem, uma boa alimentação e ele ensinou-me a alimentar correctamente, cuida de mim deixando-me sempre o melhor possível e a verdade é que eu chego às corridas assimilando o treino muito melhor e isso faz toda a diferença no rendimento. Tenho um apoio de suplementação, a marca italiana +watt representada pelo Mauro Duarte, que me acompanha na parte de nutrição, sais de treinos, recuperadores e proteína. A nível de óculos desportivos, a marca austríaca Reborn através do Sr. Peter Kuhn, representada pela D’Helvetica através do meu amigo Daniel Isidoro. E desde há uns meses tenho ajuda a nível psicológico. A Mariana Silva, que concluiu o Mestrado em Psicologia do Desporto, ajuda-me a perceber o que sinto quando vou na bicicleta, o que penso e transmito ao meu corpo, que objectivos coloco para cada treino. Coisas que muitos atletas não dão importância, eu próprio não ligava. Mas sinto uma diferença notória no que simples palavras produzem no rendimento de um atleta numa corrida. Podemos estar bem fisicamente, mas se a cabeça não acompanha não conseguimos. Mas se a cabeça está forte somos capazes, mesmo não estando muito bem fisicamente. A todas estas pessoas tenho de dar o meu obrigado, porque têm contribuindo bastante para que esta época esteja a ser muito melhor do que as anteriores.

Bicicleta de treino de Nuno Almeida, "pronta para a guerra"
(© Helena Dias)
Rotor Q-Rings (© Helena Dias)
(© Helena Dias)
Rodas Ksyrium (© Helena Dias)
Nuno Almeida (© Helena Dias)
Nuno Almeida a postos para o Troféu Joaquim Agostinho
(
© Helena Dias)

______
(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

Comentários

  1. Parabéns pela entrevista e pelas fotos.Está mesmo um bom trabalho.

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