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Bruno Neves, saudade dos heróis que não se esquecem

A revista Procycling, no recente número de Fevereiro/2015 dedicado a relembrar a história do ciclismo desde 1999 –ano em que iniciou a sua caminhada relatando momentos inesquecíveis da modalidade–, desenha um artigo intitulado “A longa sombra” em memória de todos os heróis que perdemos nesta era recheada de episódios marcantes. São inúmeros os rostos perdidos, que deixam saudade e não se esquecem, passem os anos que passarem.
Revista Procycling nº200
Entre eles surge o nome de um ciclista português, Bruno Neves, que perdeu demasiado cedo o fôlego da vida. Com 26 anos, um ataque cardíaco em pleno Grande Prémio de Amarante levou aquele que era considerado uma das maiores promessas do pelotão nacional. Sprinter por natureza, profissionalmente passou pela ASC-Vila do Conde, Madeinox e finalmente pela LA-MSS (2007-2008), equipa onde viveu os últimos dois anos a somar bons resultados e a tornar-se num dos nomes mais falados do ciclismo lusitano.

O dia 11 de Maio de 2008 marcaria os companheiros de pedaladas e quem seguia de perto a carreira do sorriso talentoso do pelotão nacional. Perdia-se para sempre Bruno Neves, rosto que inspirava todos com quem se cruzava, transparecendo uma alegria de viver e transmitindo felicidade por ser ciclista profissional desde os 21 anos, carreira que elegeu para si em detrimento dos estudos de Economia. A escolha foi certeira, pontuando o palmarés de bonitas exibições e importantes vitórias, como a mais famosa à 9ª etapa da Volta a Portugal de 2005, batendo na meta em São João da Madeira o grande Cândido Barbosa.

Mas se quisermos lembrar o primeiro triunfo de todos, teremos de recuar um largo tempo até aos 8 anos, onde Viana do Castelo viu um menino de tenra idade conquistar uma vitória que iria despoletar a paixão de Bruno Neves pelas duas rodas. Esse menino foi crescendo e desenvolvendo um talento inato para a modalidade, sendo escolha natural para participar em provas internacionais pela Selecção Nacional. Numa dessas incursões viveu um triunfo sonante, a camisola dos pontos no Tour de l’Avenir de 2006, pedalando uma estrondosa actuação ao finalizar quatro etapas entre os primeiros dez na meta e quase triunfando na sétima jornada com chegada a Ornans, onde finalizou em 2º lugar apenas superado por um actual nome de referência do pelotão internacional, o norueguês Edvald Boasson Hagen (MTN-Qhubeka).

Nos dois últimos anos de vida, Bruno Neves começou a consolidar o seu nome no pelotão, não deixando escapar vitórias importantes como a Volta a Albufeira, o Troféu Reis Eusébio e a Volta a Gaia em 2007, ano em que esteve perto de alcançar nova vitória na Volta a Portugal, ficando sempre nos primeiros lugares nas disputas das etapas ao sprint. De igual forma começou 2008, triunfando no Grande Prémio de Abertura a que se seguiu um brilhante 5º lugar na Vuelta a La Rioja, na vizinha Espanha, prometendo desta forma uma grande temporada, na qual sonhava participar nos Jogos Olímpicos desse ano em Pequim. Esse sonho ficou por cumprir, tal como toda uma vida ficou a meio.

Nem só de vitórias ou boas exibições se constrói um grande ciclista. O lado humano conta muito para a empatia com os fãs e os companheiros de pelotão. Bruno Neves era dono de um carisma incrível, marcando todas as provas por onde passava com a habitual simpatia. Os anos passam, mas ninguém esquece o sorriso do pelotão. Bruno Pires (Tinkoff-Saxo) recorda com saudade o amigo e companheiro de equipa: “O Bruno é fácil de descrever… era uma pessoa feliz e de bem com a vida, com a sorte de ter uma família fantástica e acrescentando a isso a facilidade com que fazia amizades. Muito bem-disposto e alegre, era acarinhado pelas pessoas à sua volta. Eu tive a sorte de ter privado do seu tempo.”

Apesar de não estar a disputar na altura o Grande Prémio de Amarante, Bruno Pires revive como se fosse hoje a chegada da notícia sobre o desaparecimento do amigo, momento que anos mais tarde reviveu com a perda de outro companheiro em prova, Wouter Weylandt no Giro d’Itália de 2011, também no mês de Maio: “Eu não estava nessa corrida. Estava em casa e recebi um telefonema do Tino Zabala a perguntar-me o que se tinha passado. Eu não sabia de nada e foi aí que ele me comentou que lhe tinham dito que o Bruno tinha tido uma queda e tinha falecido. Fiquei em choque, é daquelas situações que não nos passa pela cabeça. Liguei de imediato para o director desportivo, Manuel Zeferino, e ele confirmou-me a notícia. São situações brutais, infelizmente já vivi algumas. Vemos o que as famílias passam, o que sofrem, e nós não podemos fazer nada… ou melhor, podemos dar o nosso ombro para chorarem, mas isso não os traz de volta. Marcaram-me muito estes episódios e, sinceramente, tento não pensar neles ou no porquê de ter de passar por isto. Mas, por outro lado, penso que tive a sorte de ter privado com estes seres especiais.”

E de seres especiais guardam-se momentos partilhados, que Bruno Pires lembra com a graça com que era conhecido Bruno Neves: “Tivemos vários episódios, pois fui colega de equipa dele por várias ocasiões e em diferentes equipas... no ASC-Vila do Conde, na Selecção Nacional Sub-23 e depois na Maia. Um episódio engraçado passou-se na Volta a Porto Santo. No último dia, o Vítor Zeferino e o Bruno foram comprar gelados, sem dinheiro, e disseram ao vendedor que voltavam mais tarde para levar o dinheiro, mas apanhámos o autocarro para o aeroporto e... se eu voltar a Porto Santo, prometo que pago os gelados!”

Um ciclista inesquecível, uma vida a perpetuar na memória de todos. Desapareceu aos 26 anos, mas deixou um legado de boas recordações, que leva o pelotão nacional a render-lhe homenagem anualmente naquilo que mais gostava de fazer, a pedalar o Memorial Bruno Neves em Oliveira de Azeméis, a sua cidade natal onde a família criou em 2008 a Escola de Ciclismo Bruno Neves, como forma de conservar o seu nome na lembrança de todos e dar oportunidade aos mais jovens de se apaixonarem pela modalidade que era a vida de Bruno Neves… o ciclismo.

Bruno Neves [ ©Sérgio Martins ]
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(escrito em português de acordo com a antiga ortografia)

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